Número total de visualizações de páginas

sábado, 8 de dezembro de 2007

“A vida é tão rara”...


A Pézinhos na Areia ofertou-me num post um poema e o Adagietto (5ª Sinfonia) de Gustav Mahler para ouvir com os olhos fechados, rematando: “A vida é tão rara, Caro Salvador”.
Compreendi perfeitamente o seu alcance e, de facto, a raridade que cita é o facto de desfrutar a possibilidade única de existir.
No entanto, a frase “a vida é tão rara” levou-me a fazer algumas considerações.

Em Dezembro de 1968, presumo que na véspera do Natal, na sequência da viagem da Apolo 8 foi obtida pela primeira vez uma imagem da Terra no decurso da órbita lunar. A fotografia era de tal modo fascinante que nunca mais a esqueci ao ponto de, na altura, a pendurar na parede do meu quarto. Não me cansava de olhar para tanta beleza. Prestes a fazer 18 anos, pensava como era possível que naquele globo azul e branco houvesse tantas coisas belas, vida, alegria, tristeza, guerras, miséria, grandeza, amor e ódio e uma espécie pensante. Imaginava outros seres espalhados pelo Universo a contemplarem as suas casas! O que é que eles sentiriam? Mas existiriam?
Três anos depois, na faculdade, o meu professor de Patologia Geral deu uma aula que não me esqueço. Levava consigo um pequeno livro. Com a aula prestes a terminar fez uma pequena descrição da obra, que estava relacionado com o tema, incentivando-nos a lê-la: “O Acaso e a Necessidade” do prémio Nobel Jacques Monod, cujo título foi buscar à célebre frase de Demócrito. Consegui adquiri-lo e foi o primeiro ensaio científico que li na minha vida. Marcou-me muito.
Monod considerava que o Homem surgiu por acaso na imensidão do Universo. Na sua perspectiva estaríamos sozinhos.
Mas não é essa a opinião ou o “desejo” de vários cientistas entre os quais destaco o saudoso Carl Sagan, cujas obras são incontornáveis e riquíssimas em matéria de informação e reflexão.
Em 1990, Sagan conseguiu que no momento em que a Voyager 1 ia a começar a sair do sistema solar, a mais de seis mil milhões de quilómetros, tirasse uma fotografia da Terra. A fotografia é um mero ponto azul-claro.
Esta fotografia contrasta com a da Apolo 8 ou com o mais recente “Pôr da Terra”. Um mero ponto a desafiar a ilusão de que somos importantes, de que ocupamos um lugar privilegiado no Universo. Afinal, “o nosso planeta é uma partícula solitária numa imensa escuridão cósmica envolvente”. Tem vida? Tem! Mas alguém seria capaz de o afirmar se estivesse colocado àquela distância e olhasse para o ponto azul-claro?
A procura de outras formas de vida é uma necessidade ao ponto de alguns cientistas defenderem a vida como um “imperativo cósmico”.
Há quem considere que a vida surgiu mais do que uma vez neste planeta, sob outras formas e regras, ao ponto de considerar a Terra como o local mais adequado para procurar “vidas diferentes”. De facto, algumas hipóteses especulam sobre a possibilidade de que formas alternativas de vida tenham sobrevivido e estejam ainda presente no ambiente, constituindo uma espécie de “biosfera sombra”.
Já andam à procura. Se encontrarem “shadow life” muitos conceitos terão que ser alterados, reforçando a possibilidade de não estarmos sozinhos no Universo encafuados numa partícula minúscula azul-claro.
Diz o poeta, Lenine, não o outro (!), mas o brasileiro, no seu belo poema:

“A vida é tão rara
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida é tão rara
a vida não pára não... a vida é tão rara

Pergunto: - Será assim tão rara?
Espero que não e desejo que “as vidas não parem” e que possamos encontrá-las...

9 comentários:

invisivel disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
invisivel disse...

O que posso eu comentar perante a beleza deste texto? -Nada.

Se eu fosse um erudito, talvez encontrasse as palavras apropriadas para exprimir a minha admiração, mas sou apenas um microorganismo nesta partícula azul...
Será que, se eu fosse mesmo erudito, o meu comentário iria além de: obrigado pela partilha, caro Professor Massano Cardoso!?...

PA disse...

Como sempre, apraz-me ler o que escreve, Caro Salvador. Ruborizei por ter tomado as minhas palavras, como ponto de partida (é só um à parte), para a interessante análise sobre a possibilidade de "outras vidas" no Universo, e ao mesmo tempo, sobre a dimensão relativa do "nosso" Planeta Terra - este pontinho azul.

E se houver vida, noutros pontos do Universo ? Será ela tão fugaz (por isso, "rara"), quanto a nossa, com o ritmo acelerado, em que vivemos ?

Fazemos parte do momento (época) em que o Homem pisou a Lua pela primeira vez.
Será que também viremos a fazer parte, do momento de descoberta da "shadow life", no Universo ?

Grande reflexão, Caro Salvador, e "juro"...:-))) que me pôs a pensar.

Muito obrigada.

Pedro disse...

Um belo mote para um belo texto. Não foi Antinoo um belo mote para Adriano?

O seu texto só poderia ter sido escrito por alguém que viveu muitos Invernos. Ao lê-lo vêm-nos à memória os passeios de Outono pelas vinhas, a cor da folhagem, o cheiro húmido e frio, e as uvas esquecidas da vindima. Esquecidas por acaso, mais mais doces e abrindo a porta a um mundo mais vasto a chocolates, nozes e fungos.

O pequeno ponto luminoso somos nós há 40 anos. As tiras verticais são reflexos da luz solar, que vemos muitas vezes nas nossa câmaras digitais. Se a Anaximandro mostrassem a imagem ele diria que eram as esferas celestes. Esferas cristalinas onde se movem os astros e cujo movimento emite som, a música das esferas a que correspondem os sons da escala de Pitagórica. Mas nós nada ouvimos, é uma imagem silenciosa. Aristóteles explicava que como o som das esferas é constante e nos acompanha desde o nascimento até à morte, não o conseguimos ouvir. É esta, meus amigos, a beleza da antiguidade, mas as riscas não existem, são uma ilusão, uma tentação. Foi este mundo que Kepler deixou para trás.

O seu texto fala de outras vidas, do acaso e da solidão.

Outros infernos já sabemos que existem, esferas escaldantes, do tamanho de Júpiter, à volta de estrelas que avistaríamos das vinhas, se lá passeássemos durante a noite. Calhaus como o Terrestre estão eminentes, pelos anos da sua mão esquerda. Mas pela vida, meu caro, vamos ter de esperar pelos lustros da outra. Quatro satélites em formação, com a posição mais finas que um milésimo dos finos cabelos de Vénus quando nasceu. O preço, cerca de um milionésimo do custo da guerra do Iraque, continua proibitivo para as falidas NASA/ESA. Mas pouco mais além poderemos ir, com a depleção de petróleo e a do urânio que lhe seguirá a humanidade têm um tempo da ordem de cem anos para escapar da Terra – talvez isso explique o paradoxo de Fermi.

O acaso entrou a custo e tragicamente no ocidente do destino, do determinismo e dos planos quinquenais, do paradoxo de deus e do livre arbítrio. Mas o acaso está à nossa volta e em todo o lado. O acaso é belo como bem sabem os orientais. Pergunto, quanto de nós foi moldado fruto do acaso e de acasos? Quantos de nós nos apercebemos disso? Isto, sem cair num niilismo ou fatalismo browniano. Mas do acaso surge também a irreversibilidade. Não podemos voltar atrás, os tempos de Africa que um nosso amigo aqui descreveu acabaram. Já não temos colinho e os nossos já colinho não querem. A pele seca e enruga-se e os corpos tornam-se flácidos. Mas meus caros, não é um tokay um vinho magnifico?

Na juventude tive muito más companhias... Mas não é a juventude a melhor altura para a picada da serpente? E não é a liberdade apenas apreciada pelos que foram escravos? Um dos avozinhos que lia na altura escreveu que “movemo-nos na noite sem saída e somos devorados pelo fogo”. Tinha razão, o ponto da imagem está sozinho no espaço vazio. Na finíssima superfície cá estamos nós os do “amor é fogo que arde sem se ver”.

Chamam-me para a fazer a árvore de Natal, aqui fica esta bolinha no 4R.

Cumprimento,
Paulo

Massano Cardoso disse...

Caro Paulo

Obrigado pela "bolinha". A "nossa árvore", símbolo do 4R, acabou por ser transformada numa bela árvore de Natal graças ao seu comentário. Mas também quero agradecer aos nossos comentadores que vão colocando belos "enfeites" na nossa árvore.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Professor Massano Cardoso
Encantador e luminoso o seu texto!
"Será assim tão rara?" A vida, na essência de uma existência plena de corpo e alma, é a coisa mais bela do mundo! É a beleza mais rara de todas. É rara não apenas porque é transcendente a sua beleza mas porque cada vida é única e só por uma vez é vivida. É por isso que a vida, sendo tão bela e tão única, deveria merecer da parte de cada ser humano uma rara gratidão!

É por a vida ser tanto que gosto deste pensamento de Santo Agostinho:

Gosto da vida porque gosto de mim mesmo e compreendo a honra que me foi feita quando vim ao mundo para aí ter conhecimento de toda a luz e de toda a grande ciência humana.

Tonibler disse...

A referência a Carl Sagan fez-me lembrar, a propósito da vida, o episódio do "Cosmos" em que ele deita carvão e água num caldeirão para aparecer vida.
Quanto à busca de vida no universo, por vida entendemos o quê?

Massano Cardoso disse...

Caro Tonibler

Responder à sua pergunta não é fácil. De qualquer modo a leitura do artigo "Are alliens among us?" publicado no Scientific American pode dar uma pequena e interessante contribuição.

http://www.sciam.com/article.cfm?id=are-aliens-among-us