O Zé, o Vereador da Câmara de Lisboa que constitui o abono de família da minoria no poder na Autarquia, o mesmo que ninguém se atreve a responsabilizar pelos milhões de euros a mais que a sua intevervenção provocou nas obras do Túnel do Marquês e que todos nós temos de pagar por ele, veio denunciar mais um alegado escândalo. Desta feita, o escândalo da gestão que a Autarquia tem feito do património público que lhe está afecto, dando como exemplo a concessão do restaurante Eleven no cimo do Parque Eduardo VII.
Não faltou quem se aprestasse a cavalgar esta nova onda de demagogia, de entre políticos, cardeais e bispos da nova moral pública, frequentes presenças nas nossas rádios e televisões.
Só o gosto pelo escândalo permanente, caldeado com este nuclear sentimento de inveja que atravessa a sociedade, e uma gritante ignorância de alguns comentadores e pretensos fazedores de opinião, explica que nunca se retire outra consequência destas "denúncias" dos vários Zés que pululam pelas instituições e que assim vão fazendo pela vida.
Ao Zé de Lisboa, exigia-se que, em coerência com o que veio publicamente denunciar, levasse ao Executivo que integra uma proposta para reposição da moralidade e da justiça que entende afectadas.
Deveria o Zé saber que a lei reconhece à entidade pública concedente, neste caso ao Município de Lisboa, o direito de em qualquer momento por termo à concessão (Cfr. art. 29º do DL nº 280/2007, de 7 de Agosto que veio positivar e sistematizar princípios e regras há muito assimiladas no direito português em matéria de direitos reais públicos). E que esse direito é para ser exercido, com a natureza de um verdadeiro dever, por aqueles que entendem que existe prejuizo e não vantagem na manutenção das afectações de bens públicos a entidades privadas .
Naturalmente que a lei (de um Estado de Direito) reconhece ao concedente o direito a ser ressarcido pelas perdas e danos sofridos, mas na justa e limitada medida em que estas correspondam "às despesas que ainda não estejam amortizadas e que representem investimentos em bens inseparáveis dos imóveis ocupados", e desde que da eventual separação desses bens resultem prejuizos ou deteriorações "desproporcionadas" (Cfr. Art. 29º/2).
Ora, se na senda do que apregoa do senhor Vereador, se diz que o negócio da atribuição da concessão foi um negócio irrazoável e mesmo ruinoso para o Município e altamente vantajoso para os concessionários que já deverão ter amortizado o investimento e lucrado amplamente com ele, sendo reversível, pode e deve então ser desfeito com todas as consequências(*).
E se, também como se diz, o investimento da concessionária foi irrisório e irrisória é a renda paga pela ocupação, então não há que temer a reversão do concessionado, uma vez que a indemnização, se a houver, não deverá aliviar em excesso o peso dos cofres do município...
Seria pois de esperar que um titular de cargo público com responsabilidades efectivas de gestão e sustentáculo político da minoria que governa a Cidade, tivesse a coragem de propor a extinção antecipada da concessão. E sentisse isso como um dever.
Porém, ou estou muito enganado ou então vai prevalecer como de costume este justicialismo bacoco e ignorante. Que confia na visceral inveja e na opinião ignota.
O Zé bem sabe o que lhe rende mais. Sendo que também sabe, de experiência feita, que além dos réditos pessoais e políticos que vai acumulando, ninguém aparecerá a pedir-lhe contas. O receio da represália na praça pública fala sempre mais alto...
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(*) Incluindo a consequência de jamais a Câmara conseguir captar a colaboração (e o investimento) de privados na prossecução de actividades ou criação de equipamentos em espaço público por via de licença ou concessão, uma vez que com grande probabilidade seriam poucos os que, no futuro, considerariam o município um parceiro credível e acima disso, confiável.
9 comentários:
Caro Ferreira de Almeida:
Tem toda a razão.
O Sr. Vereador, devido à permissão de muitos, já atingiu a casta dos ininputáveis.
É um dos acusadores mores do reino e, mesmo perdendo os processos, como o do túnel,em vez de ficar desacreditado, vai tendo voz acrescida na comunicação social. E causando as suas acções prejuízos elevados, que somos nós a pagar, insiste e persiste na mesma atitude, com os media sempre prontos a fazer-lhe os jeitos.
E ai de quem disser que o rei vai nu, pois, como diz, "o receio da represália na praça pública fala sempre mais alto..."!...
Mas, caro JMFA, há uma democracia a funcionar, aquela que fez com que este Zé com uns quantos votos e uma bocarra enorme fale por 500 mil como se os 500 mil tivessem de facto votado nele.
Ainda ontem, o sujeito - isto é, o Zé, que nos faz tanta falta como uma viola num enterro... - assinava uma prosa cediça sobre o assunto no "Público".
Muito pode a falta de vergonha!
Belíssimo texto, na sequência de outros.
Mas sabe, caro FA, o poder crescente da Esquerda e da Direita "chic", cheia de influência mediática, mas vazia densidade política (de que o vereador em questão é filho, pese embora o petit nom popular) é responsabilidade nossa, dos eleitores que se fascinam com o "barulho das luzes"...
Dr. José Mário,
O seu comentário assenta num pressuposto que infelizmente nada tem que ver com as intervenções do Zé, qual seja, o de que a aplicação da lei é um valor da democracia.
Não é assim para o Zé, até porque cada vez que ele abre a boca percebe-se que ele sabe muito pouco de leis e menos ainda de bom senso.
O que lhe confere então audiência na comunicação social e no poder ?
Neste último a importância resulta da omissão de todos nós e da aplicação do método de Hondt. A culpa é de todos nós, por isso.
Na comunicação social, a importância decorre da exploração do boçal e do escândalo e de muitas afectividades de Maio de 68. É assim um problema de dinheiro e de afectividade versus audiências que está em causa. E relativamente a este pouco temos a fazer a não ser ... deixar o tempo passar.
O Zé não importa, até porque um destes dias do homem restará apenas um breve anedotário no fundo das nossas lembranças.
O que me incomoda é esta diminuição da qualidade da democracia.
Permita-me que discorde e não me preocupe com a antecipada qualificação pouco lisonjeira dessa discordância.
E não me preocupa porque a minha discordância não se acorrenta, de modo algum, a qualquer afinidade, política ou outra, com o visado.
Será bacoca se o for intrinsecamente e não por uma contaminação bacoca qualquer.
Feita esta declaração de interesses, discordo da sua argumentação sustentada na condição da reversibilidade do negócio sem refutar o facto saliente do valor completamente desajustado da renda para aquele terreno, naquele sítio da cidade.
Mas inda que o caso merecesse apenas a apreciação do ponto de vista da reversibilidade, se essa reversibilidade ocorresse, não eliminaria as perdas resultantes para a edilidade pelo facto de ter sido negociado nos termos em que o foi. E não eliminaria, porque sobre o contrato se constituiu um negócio que excede já largamente o bem (o terreno) objecto do contrato. Dito de outro modo, se a reversibilidade é possível, seria altamente complexa e onerosa para o município, se reclamada.
Deixo-lhe agora a posição do homem da rua, que sou, em face dos dados que conhece:
José Miguel Júdice aproveitou a sua condição de colunista do Público para, na sexta-feira passada, se insurgir contra aquilo que ele considera uma calúnia: ter o vereador Sá Fernandes declarado que o Eleven, um restaurante de luxo construído em terrenos da Câmara no cimo do Parque Eduardo VII, no filet mignon da cidade, paga de renda 550 euros por mês, incluindo fornecimento gratuito água pelo município. A concessão é por 20 anos, e o edifício reverterá para a posse da edilidade no fim do prazo de concessão. Para além das declarações televisivas de Sá Fernandes, incomodou-o "depois uma insinuação reles da deputada Teresa Caeiro.
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José Miguel Júdice poderá ter todas as razões e mais uma para se indignar mas é ineludível que o negócio em que é parte apresenta contornos suspeitos: Ele não soube, na oportunidade, da realização do concurso público lançado por João Soares para a construção de um restaurante de luxo naquela zona da cidade. Só soube, mais tarde, através da informação de um amigo do seu filho mais velho, que o vencedor incluía um arquitecto, e o arquitecto queria vender o projecto com a condição de ser ele o arquitecto da obra. Aí JMJ juntou "um grupo de amigos dispostos a dar a Lisboa um restaurante de grande qualidade (e realmente um ano depois de abrir ganhou uma estrela Michellin, ainda hoje a única em Lisboa).
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Investiram "quase dois milhões de euros num edifício que reverterá para o município no final da concessão, valorizado" .
Lamenta-se JMJ que "para muitos portugueses, tudo e todos recebem favores, são corruptos; se têm algum sucesso não é por mérito, jeito, trabalho ou sorte, antes isso é prova irrefutável de desonestidade".
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Vamos lá por partes:
JMJ é uma pessoa superiormente inteligente, para além de um causídico de grandes contratos, uma grande parte dos quais envolvendo o Estado.
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JMJ sabe perfeitamente que não é normal que a Câmara tenho adjudicado um projecto, que se pretendia de elevada qualidade culinária, a uma sociedade liderada por um arquitecto que, afinal, apenas estava interessado na arquitectura da obra. Se a Câmara queria dotar a cidade com o tal restaurante capaz de figurar no Michelin, dando-lhe o privilégio da instalação naquele local, o mais natural (do ponto de vista do confiante cidadão comum) seria a exigência da participação no projecto de alguém também com credenciais na cozinha. Porque, é irrefutável, o mais elegante edifício não faz, só por si, um restaurante prestigiado. Ora a entrega da incumbência a um arquitecto desejoso de marcar o sítio com a sua marca e passar a pasta a quem soubesse da poda, deixou o município completamente fora do jogo da constituição da sociedade concessionária. Se não houve qualquer coisa mais grave, houve incompetência no lançamento do concurso. JMJ poderá argumentar que é totalmente alheio às incompetências dos governos, sejam eles centrais ou municipais. Mas não pode é deixar de reconhecer que é do aproveitamento das insuficiências das outras partes que os advogados ganham as suas causas.
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JMJ refere, como contraponto à exiguidade da renda contratada, o facto de o edifício reverter para a edilidade no fim da concessão, e acrescenta, valorizado. JMJ sabe bem que não é assim: Qualquer edifício ao fim de 20 anos de uso vale sempre, em termos reais, menos do que em estado de novo. O que pode valer mais é o sítio, mas esse é pertença da Câmara; o que pode valer mais é a tal estrela Michellin, mas essa é pertença da equipa que a ganhou se for capaz de a manter. O edifício, só por si, valerá muito menos.
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Daqui a 20 anos, a renegociação da continuidade da concessão partirá de um valor base extremamente baixo. Até lá a Câmara recebeu uns trocos. Daqui a 20 anos passará a receber, na melhor das hipóteses, uma renda justa.
Caro Ferreira de Almeida,
Concordo em geral com as críticas de ordem política relativamente às acções do Zé.
Mas não concordo nada que se lhe continue a atribuir a responsabilidade pelas perdas financeiras que acarretou a suspensão das obras do bendito túnel. Afinal, quem mandou suspender as obras foi um juíz. Se as razões invocadas pelo cidadão Zé não eram razoáveis, competiria à Câmara demonstrá-lo e ao juíz apreciar e decidir. O Juíz decidiu no sentido da pretenção do Zé. Diz-se, agora, que as razões do Zé eram fracas, ainda por cima. Então quem é que não fez bem o seu trabalho?
Para mim, que sou leigo nestas coisas, e vivo longe de Lisboa, ou foi a Câmara que não foi capaz de justificar bem as suas razões ou o Juiz que se deixou enganar pelo Zé...
Podemos concordar ou não com as ideias e as acções das pessoas. E eu não concordo com muito do que o Zé diz e faz. Mas responsabilizá-las pelos acontecimentos quando elas não são as detentoras do poder efectivo, é dar um atestado de menoridade aos detentores efectivos do poder de decisão.
Abraço
Meu caro SC, dar-lhe-ia razão se fosse verdade ter o Tribunal dado razão ao Zé. Mas não foi. Na realidade o Tribunal (o STA) negou-lhe provimento.
Pois, sendo assim, fico ainda mais confuso. E pergunto-me: como é que o cidadão (na altura penso que era apenas isso - terá sido este caso o início da sua notoriedade)Zé conseguiu fazer parar uma obra a ser realizada pelos poderes instituídos? Como consegiu tais poderes?
São estes acontecimentos, certamente de fácil explicação mas dificilmente entendíveis por um leigo e distante cidadão que mais confundem e acumulam perplexidades.
É assim tão fácil a um cidadão causar tais prejuízos ao bem comum?
Algo vai (foi) mal neste reino (república) da baralhada...
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