Na entrevista do passado dia 2 de Julho à RTP, o Primeiro-Ministro José Sócrates deixou-me muito positivamente surpreendido pela mudança na argumentação no que toca à política fiscal em Portugal. Resumidamente – pois já comentei esta mudança num texto anterior –, disse então José Sócrates que, à luz da actual situação económica, voltaria a tomar a decisão de descer o IVA de 21% para 20%, uma medida que entrou em vigor no passado dia 1 de Julho. E até referiu que “hoje até encontro mais razões para descer o IVA”, lembrando que os cerca de 250 milhões de euros que o Estado deixa de receber vão “ficar na economia para ajudar as famílias e as empresas para enfrentarem momentos difíceis”.
Claro que a base para a mudança da argumentação de José Sócrates foi o facto de haver eleições em 2009 – mas, ainda assim, mesmo assentando em pressupostos errados, não deixo de considerar positiva a alteração.
Acontece que ontem, na apresentação do Boletim de Verão do Banco de Portugal, Vítor Constâncio considerou que a actual situação económica implica continuar a consolidação orçamental e não descer impostos.
Concordo inteiramente com Vítor Constâncio quando refere que a consolidação orçamental deve continuar; já lamento não o ter ouvido referir que, ao contrário do que tem sucedido nos últimos anos, tal deve acontecer do lado das despesas públicas – e, sobretudo, nas despesas de funcionamento. Porque isso é que é saudável e sustentável.
Contudo, discordo em absoluto – como aliás já várias vezes afirmei publicamente – da postura do Governador do Banco de Portugal na questão fiscal. Desde logo porque a consolidação orçamental deve ser realizada do lado da despesa e não da receita; e depois porque, na área fiscal, está maioritariamente instalada no nosso país uma corrente que a política fiscal deve ser pró-cíclica – e não anti-cíclica como, acertadamente, devia acontecer, para amortecer os ciclos económicos. É a mentalidade “quando as ‘coisas’ não vão bem não se deve baixar os impostos, e só quando as ‘coisas’ melhorarem é que isso se poderá fazer” – exactamente o oposto da minha posição e… também do que a Teoria Económica estabelece. Ah, e já agora: do que Portugal carece desesperadamente, como do pão para a boca – e sem o que não iremos voltar a crescer como precisamos.
Mas, o que daqui também decorre e é verdadeiramente interessante é verificar qual será a posição prevalecente em matéria fiscal até ao final do próximo ano (que é ano eleitoral), sabendo-se como, até agora, o Governo se tem apoiado (e muito…) nas posições do Banco de Portugal.
Se for a posição de José Sócrates, pois teremos novas descidas de impostos – e, mesmo que assentes em pressupostos (eleitorais) errados, elas serão, em minha opinião bem-vindas e apenas pecam por (muito) tardias; se for a de Vítor Constâncio, descidas de impostos… nem vê-las!...
A não ser que José Sócrates mude outra vez de opinião… Aí deixaria de haver divergência – só que perdíamos todos, independentemente, claro, de haver ou não eleições!... Mas não, não me parece que vá mudar – afinal, há mesmo eleições em 2009!...
Aceitam-se apostas sobre o que vai acontecer nesta área…
5 comentários:
Infelizmente, eles estão certos e o Miguel não.
O nível fiscal, na zona bem comportada "da curva" em que vivemos, é um mero indicador. Se vivessemos fora dessa zona bem comportada, impostos seriam um problema de tesouraria e, consequentemente, um problema do estado. Seria também um problema do país mas também seria um problema do estado.
Como vivemos dentro dessa zona bem comportada, os impostos não são um problema de tesouraria e, logo, não constituem um problema para o estado. Se vierem bom, senão emite-se dívida. Claro que isto constitui um problema para o país, mas não o é para o estado.
Como baixar os impostos não vai constituir um problema para o estado, este vai continuar a estoirar dinheiro em patetices (como os investimentos que, curiosamente, o Miguel não foca), gerando vórtices onde os recursos do país se vão concentrar com um enorme custo de oportunidade em termos de crescimento real.
De onde, a pequena vantagem competitiva que poderia tirar de um nível fiscal mais baixo, se não é esmagada pelo efeito dos vórtices, é perfeitamente etérea.
Esta conversa toda para dizer que, como todos sabemos há muito tempo, não há substituto a fazer as coisas bem feitas.
Caro Miguel Frasquilho,
Ainda que o meu curto comentário ao seu anterior post não tenha merecido da sua parte qualquer resposta, aceito mais uma vez o convite de comentar este seu outro artigo.
Que não diz nada, no essencial, que MF não tivesse dito e redito anteriormente: a superação das nossas dificuldades só pode ser atingida se for reduzida a carga fiscal, adoptando-se, portanto, uma política anti-cíclica "como manda a Teoria Económica"; e acrescenta que a consolidação das contas públicas deve fazer-se do lado da despesa e não da receita.
Sem dificuldade, e sem nos embrenharmos na Teoria Económica (há várias, como bem sabe), concordo consigo a cem por cento.
Vamos então à despesa pública: Onde é que MF, se mandasse nas contas, mandava cortar?
Porque é aí que está o busílis da questão. MF reclama aquilo que muitos reclamam: Que se reduza a despesa em termos nominais. Reduzir em termos relativos não chega, e os argumentos invocados são conhecidos. Também não vou por aí, ainda que pudesse contestar alguns.
Por onde gostaria que MF me acompanhasse era na discussão das políticas que devem ser adoptadas de redução da despesa púplica.
Simplesmente isso. Mas, simplesmente, MF não está interessado. A luta política em Portugal faz-se por emboscadas. Mais tarde ou mais cedo o "inimigo" há-de passar por onde convém a quem está à espera que ele passe.
Até lá há fogo de artifício.
Caro Rui Fonseca,
Não me leve a mal não ter comentado o seu último comentário, mas se há matéria sobre a qual não me canso (nunca!...) de escrever é sobre o modo como, em meu entender, podemos ultrapassar as nossas dificuldades estruturais... Mas relembro, de forma breve: qualificar recursos humanos (de longe o factor mais importante); flexibilizar a legislação laboral; agilizar a justiça; desburocratizar a Administração Pública, quer central quer local; e simplificar o sistema fiscal e torná-lo amigo da competitividade e do investimento. É esta a minha receita para que o Estado não seja considerado um empecilho ao investimento e à atractividade...
Quanto a cortar na despesa pública, o mau amigo também não tem lido o que já escrevi em anteriores posts: defendo muito a tese de Miguel Cadilhe no seu livro "O Sobrepeso do Estado em Portugal". Ou seja, depois de se saber onde é que o Estado deve ou não deve ficar, onde é que deve ou não actuar, deve partir-se para a negociação de rescisões amigáveis no que toca a funcionários públicos, para o que deve ser emitida dívida pública para o efeito (de acordo com Bruxelas) e, se necessário, a venda das reservas de ouro do Banco de Portugal nas condições referidas por Miguel Cadilhe.
Resumidamente, é isto.
Acresce que ainda ninguém me convenceu de que não é possível reformular o nosso sistema fiscal e baixar as taxas dos principais impostos sem perder receita... Há vários exemplos que já tenho citado por essa Europa fora que o provam. E reformular o nosso sistema fiscal é estrutural para poder actuar em outras áreas, como a saúde, a educação e o apoio social, por exemplo. Porque o que não podemos fazer é tornas o sistema duplamente progressivo...
Voltarei a este tema, mas espero ter respondido às suas interrogações.
em que não me tenho cansado de propor soluções é para ultrapassarmos
Caro Miguel Frasquilho,
Muito obrigado pela gentileza da sua resposta.
Diz-me MF que podemos ultrapassar as nossas dificuldades estruturais: qualificando os recursos humanos, flexibilizando a legislação laboral, agilizando a Justiça, desburocratizando a administração pública, central e local, simplificando o regime fiscal, negociando amigavelmente rescisões, vendendo reservas de ouro.
Suponho que MF concordará comigo se lhe disser que haverá muito pouca gente neste país que não subscreva as suas propostas, salvo, talvez, as rescisões amigáveis e as vendas do ouro para as pagar. Eu subscrevo-as todas. O diabo destas coisas, contudo, como bem sabe está nos pormenores.
Como um blog não é um meio que ature muitas páginas, vou dizer-lhe, sucintamente, o que penso do primeiro. Mas terei o maior gosto em debater consigo os restantes e os que entender acrescentar pelo caminho.
Vamos então à famigerada qualificação dos recursos humanos.
Como bem sabe, é matéria que dá para encher uma pipa e ainda sobra assunto. Dito como diz, quem é que pode ser contra? Toda a gente subscreve. Aliás, anda meio mundo a dizer que o nosso problema é a falta de gente qualificada e o outro meio a acenar concordante com a cabeça. Há, creio eu, acerca deste assunto muita ideia feita sem prova da sua consistência. Mas não vou por aí.
O que se me permite lhe recordo são as inúmeras campanhas de qualificação, requalificação, reconversão, que foram financiadas durante anos pelos fundos comunitários que, espremidas, deram pouco, deram muito para alguns senhores cujos processos judiciais se arrastaram até serem arquivados como é da regra. Este governo lembrou-se das “novas oportunidades”. Tentativas para educar o povo não têm faltado desde os tempos em que uns exaltados rapazes, mais tarde gente bem colocada, decidiram educar a classe operária.
Uma particular preocupação tem dado a volta ao miolo da nossa sociedade mais avançada: As dificuldades, aparentemente insuperáveis, da rapaziada se entender razoavelmente com os algarismos. É uma calamidade. Agora tiveram o bom senso de baixar a bitola nos exames de matemática porque a grande maioria dos alunos só passava por baixo, não se podendo portanto saber a quanto poderiam saltar. Mas, evidentemente, não se aumentou, por isso, o nível de conhecimentos.
Este arrazoado todo para lhe dizer o quê? Que com a qualificação todos concordamos, falta é saber como mudamos o que já provou que não funciona. Aí é que está o problema. Tem resposta?
Eu não tenho mas sou capaz de dar uma pista.
A maior parte das pessoas tem do estudo uma percepção instrumental: estuda se vislumbra um interesse imediato. Dito de outro modo, se obrigarmos um jovem a estudar cálculo infinitesimal mas depois, quando ele concorre a um lugar não se indaga se ele sabe a tabuada o mais certo é o (a) jovem enganar-se com a contagem pelos dedos e errar os cálculos.
Se não há exigência na admissão, se o Estado não selecciona através de provas que possam avaliar as reais capacidades dos candidatos, se mais do que uma boa nota a matemática vale uma boa cunha, o que é que faz o jovem se for inteligente: Estuda matemática ou procura um padrinho? Claro que estou a exagerar, mas não muito.
Portanto, meu caro MF, do meu ponto de vista ou há exigência ou mande-se às urtigas a ciência.
Repare que as Universidades se queixam que os alunos lhes chegam, em muitos casos, semi-analfabetos mas admitem-nos! E porquê? Porque precisam de número para garantirem os lugares. O que está em causa, neste caso, é o financiamento das suas actividades. Como estão encostadas sobretudo ao Estado e este está cambaleante, cambaleiam com ele. Deveria, uma vez por todas, reconhecer-se que não há dinheiro para o ensino universitário tendencialmente gratuito e passar a exigir o pagamento do seu custo a quem pode pagá-lo.
Espero que esteja em desacordo comigo. Se não diga lá o que faria para agilizar a Justiça já que quanto à flexibilização da legislação laboral anda MF e seus pares a tratar neste momento do assunto. Salvo erro.
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