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terça-feira, 19 de agosto de 2008

Ou tudo ou nada, à portuguesa

Não partilho do trauma nacional de não termos medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos, acho que isso não quer dizer que os nossos atletas não tenham qualidade, apenas não são os melhores do mundo. Mas não estranho o sentimento de auto comiseração que a comunicação social tem largamente deixado transparecer, uma vez que o nosso país, em muitos e variados domínios, tem cultivado de modo evidente esta patologia grave de alternarmos entre nos olharmos como os mais míseros dos míseros, salvo quando nos distinguimos como os melhores entre os melhores.
Basta folhearmos os jornais abrangendo um considerável período de tempo para verificarmos a radicalidade destes movimentos entre extremos. Só assim os que me lembro de repente, passámos de país dependente das energias fósseis para campeões das renováveis, de ignorantes tecnológicos para exemplo de modernidade, de zero em apoios à investigação científica para galardoados e mundialmente reconhecidos, de débil tecido empresarial para os criadores do fato de banho que faz nadadores supersónicos, de país de maior pobreza para o que tem maior número de gordos, enfim, por aí fora, sempre nos extremos. Quando saímos da zona da lástima, é sempre para o estrelato.
Só os extremos é que nos comovem ou empolgam, o que significa que o caminho intermédio nunca vale a nossa preocupação, se for a perder, ou o nosso estímulo, se for no sentido ascendente. Alguém se regozijou com os progressos dos nossos atletas antes de chegarem às medalhas mais sonantes? Quantas reportagens, quantas entrevistas de vida, quantos obstáculos e quantas oportunidades recusadas aos que têm capacidade e vontade mas ainda não chegaram à glória? Nada, disso não se fala. Mesmo no futebol, a nossa menina dos olhos, desancamos árbitros, os treinadores caem fulminados a um ritmo estonteante, ouve-se uma gritaria sobre corrupção, suspeitas e ordenados astronómicos, e vivemos fixados no Ronaldo ou no Figo, os únicos que nos fazem estremecer o coração sem reservas, os melhores do mundo.
Da vida e das dificuldades dos outros, os que ainda não saltaram para o 1º lugar do pódio, nem queremos saber. Só nos interessam as vítimas ou os heróis, tudo o resto é como se não existisse, como se vivesse num limbo até que o seu destino se defina, sabe-se lá porquê, como desastrado ou glorioso. Talvez seja por isso que muitos nem chegam sequer a tentar, outros se considerem medíocres quando são medianos ou bons, outros ainda se habilitem a altos voos para que não têm asas e acabem queimados quando podiam muito bem ter uma carreira de sucesso. É que nós, os portugueses, não fazemos por menos. Ou tudo, ou nada. Ou já vimos o resultado estrondoso, ou não damos nada pelo candidato. Se conseguir, é um deus. Se falhar, é motivo de chacota e desprezo, sobretudo por se ter atrevido a tentar. Por isso vivemos da glória de poucos e justificamos a mediocridade de muitos.

8 comentários:

josé manuel constantino disse...

Parabéns pelo seu excelente texto no que revela de oportunidade e lucidez.

Anónimo disse...

Gostava de ter escrito este texto, Suzana, que subscrevo e aplaudo sem reservas.
Permito-me, sem prejuizo da adesão ao que escreve, anotar o que segue.
Primo. É bom que tenhamos consciência do enorme avanço do País em termos desportivos nestes últimos 30 anos.
Segundo. Os insucessos podem provocar insatisfação, e isso não é necessariamente negativo. Significa afinal que vibramos com os sucessos de quem nos representa, na mesma medida em que nos sentimos mal por não passarmos por aquela singular sensação de orgulho quando toca o hino e sobe bandeira em honra de um vencedor, como nós, português ou portuguesa.
De resto só para sublinhar a sua frase final de que vivemos a gloria de poucos e justificamos o demérito ou a mediocridade de muitos. Foi pensamento que aqui partilhei num post abaixo, que chamava a atenção para um escrito nesse sentido de Franisco José Viegas. E que vale muito para além da vida desportiva nacional.

jotaC disse...

Excelente retrato verídico da nossa atitude...

Tonibler disse...

Excelente, Suzana! Também sem prejuízo da adesão ao que escreve :), para reforçar a coisa, gostava de contar a história de Nuno Frazão, olímpico em Atlanta na modalidade de Esgrima na arma de espada.

Um apuramento olímpico é uma coisa complicadíssima e só mesmo os melhores do mundo do conseguem. Por isso, o Nuno teve o azar de calhar, logo no quadro de 64, com o bielorusso Zavahrov, um dos candidatos. Se passasse, tinha um quadro acessível até à meia-final, mas tinha que passar o bielorusso. Apesar de ter estado a ganhar por 13-11, o bielorruso acabou a ganhar por 15-14 e a prova acabou aí. Podia ter sido a primeira medalha na esgrima desde 1926, mas ficou ali, por um toque.

Conta o Nuno que, ao chegar a casa com os sacos às costas, certamente muito mais pesados que eram à ida,
um dos vizinhos o viu e lhe disse "então pá, afinal isso correu mal, einh???". E que lhe respondeu "o vizinho faz colecção de selos, não é? Algumas vez ficou em 37º do mundo nos selos?"

Por isso, a todos aqueles que acham que temos poucas medalhas, gostava de perguntar se algum deles, alguma vez, ambicionou estar na metade melhor do mundo. Já nem falo nos 3 primeiros, falo na metade de cima. E depois, perguntar-lhes da ultima vez que viram florete feminino, fosso olímpico, dressage, takwendo ou 470 para estarem a exigir o que quer que seja.

Adriano Volframista disse...

Cumprimentos pelo comentário.
Apenas algumas notas:
a)Salvo Vanessa Fernandes, Nelson Évora e Naíde Gomes, todos os restantes atletas estavam entre no grupo dos 20/30 possíveis candidatos. Os primeiros estavam no selecto grupo dos cinco/seis candidatos.
b) Só quem nunca competiu pode pretender "exigir" o que quer que seja.Nesse sentido, o que se passou com a Naíde acontece e poderá ser considerado uma "pequena" "relativa" desilusão.
c) A existirem responsabilidades, no caso da Naíde Gomes, talvez se deva investigar o papel dos dirigentes e treinadores e se a ajudaram como deviam. (Não compreendo porque não apareceu o seu treinador a defendê-la; como o fez o do barreirista chinês na conferência de imprensa.
d) Agora, por favor, ensinem aos nossos atletas que a unha encravada não é desculpa. Um dos Judocas nacionais foi, ao menos, claro e objectivo. O rídiculo mata.
e) A conclusão é singela: nós somos bons, mas os outros foram melhores.

Cumprimentos
João

Suzana Toscano disse...

Obrigada pelos comentários e pelos aditamentos que tão bem ilustram o que pretendi exprimir. É verdade que muita gente partilha desta sensação de injustiça, tenho ouvido muitas pessoas que acham deprimente a facilidade com que demolimos os nossos melhores atletas (também é verdade que as reacções de alguns deles não contribuem em nada para reconhecer o seu estofo, mas isso é outro tema)e vi a chamada que o Ferreira d'Almeida fez em devido tempo, mas é importante ver os fenómenos para além dos seus episódios e esta é realmente uma característica nacional que causa mais prejuízos que os tops do petróleo. E que não se corrige assim de repente.
O caro João tem razão nós somos bons mas podemos ser melhores e isso só é vergonhoso se considerarmos que nunca seremos capazes.

crack disse...

Estimada Dra. Suzana
Concordo totalmente com a sua análise dos resultados da prestação portuguesa em Pequim, nos termos em que o faz neste excelente post. Contudo, interrogo-me se a emotiva reacção nacional aos sucessivos insucessos não deve ser aceite e compreendida no quadro de duas circunstâncias, uma dos quais menciona no seu comentário acima. A primeira tem a ver com o facto dos desaires aparecerem como uma desagradável “surpresa” no cenário de sucesso que a propaganda permanente a que nos sujeitam nos dá do nosso lugar ombro a ombro com os países da frente. De repente, nós percebemos que, afinal, não estamos lá no pódio com os melhores e, segunda circunstância, que, por este andar de auto-contentamento, nunca seremos capazes de fazer melhor do que isto. A reacção de incredulidade de Naide Gomes com o seu próprio insucesso pareceu-me suficientemente representativa das consequências nefastas de acreditar na massiva propaganda sobre as novas oportunidades e os novos méritos dos portugueses da era Sócrates. Mas, como um desportista de alta competição não se faz de um dia para o outro, não faltará muito para que um magoado e ofendido alto responsável governamental nos venha oportunamente lembrar que a culpa deste resultado não morre solteira, mas bem casada com anteriores governos da oposição, que não acautelaram um presente mais risonho.

Suzana Toscano disse...

Olá Crack, mas que prazer encontrá-lo de novo, ao menos aqui no 4r!! O seu comentário foca outra questão, muito pertinente, que pode explicar estas reacções e este desapontamento, mesmo descontando um razoável grau de má preparação anímica dos desportistas. É evidente que há uma espécie de novo riquismo do sucesso, fenómeno que não será só português mas que entre nós é muito visível.
Um abraço amigo.