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sábado, 10 de janeiro de 2009

Pisar o risco!

Recordo-me de muitos companheiros de juventude, alguns dos quais, infelizmente, já desapareceram, terem aquilo que se convencionou chamar “comportamentos de risco”. Uns fumavam que nem uns desalmados – eu próprio cheguei a fazer parte desse grupo –, acumulando alguns com a jogatina que, mais tarde, originou tragédias fáceis de aquilatar. Outros, ainda, mais afoitos, faziam coisas do arco-da-velha, com uma satisfação danada por andarem a pisar a linha. E, regozijavam-se de forma espumosa quando narravam os seus feitos. – Andaste a roubar galinhas?! E se te apanhassem? – Foste à fábrica roubar lenha?! E se o guarda te apanhasse? – Andaste no carro do teu tio? Mas não tens carta de condução! E se a polícia ou o teu tio te apanhasse? Bom, as perguntas deste género multiplicar-se-iam à exaustão, porque a imaginação da rapaziada era demais. Claro que nem todos se comportavam da mesma maneira. Nada disso. Havia alguns que não embarcavam em aventuras. Não porque não fossem capazes, mas não tinham necessidade de as fazer. Era isso que eu sentia. Alguns tinham necessidade de pisar o risco, enquanto outros não. Nunca consegui compreender as razões. Uma coisa era certa; dávamo-nos muito bem, éramos solidários e não sentíamos “inferiorizados” face aos “malucos”, nem estes “diminuíam” os que não embarcavam nas aventuras. O que é certo, embora, como disse, não conseguisse explicar as razões, é que gostavam, ou melhor, tinham mesmo necessidade de fazer disparates, bem traduzida na popular expressão: “está-lhe na massa do sangue”!

Afinal, há explicação para estes comportamentos! O nosso cérebro produz uma substância, denominada dopamina, que dá uma satisfação dos diabos. Sensação de prazer. Êxtase. Uma acção parecida com o efeito das anfetaminas ou da cocaína. Mas tem os seus mecanismos de controlo, no qual entra em jogo vários receptores, entre os quais uns que inibem a sua acção. Quando estes não existem em quantidade suficiente, a tal dopamina acaba por saturar os cérebros provocando intensa satisfação. Nestes casos, habituam-se a concentrações muito elevadas de dopamina e aos prazeres da mesma. Se não conseguirem produzi-la em quantidades suficientes entram em “privação”, um pouco à semelhança do que se passa com os toxicodependentes. Deste modo, procuram pisar o risco, ou mesmo ultrapassá-lo, de forma a produzir mais, cada vez mais dopamina que lhes dê prazer e satisfação. Estudos recentes, efectuados em animais e em seres humanos, com recurso às novas tecnologias, caso da tomografia de emissão de positrões, confirmam este fenómeno.

Afinal, os tais amigos deveriam sofrer de um défice de receptores responsáveis pelo controlo de dopamina. Só assim se pode explicar, a posteriori, muitos comportamentos considerados enigmáticos. Mas, se este fenómeno existe, então é fácil de concluir que deverá ter desempenhado um papel importante na evolução, porque é preciso, em muitas circunstâncias, arriscar, caso contrário nunca sairíamos da cepa torta. O pior é quando o tal fenómeno não é aproveitado para fins, digamos, positivos, e os portadores enveredem por situações negativas, algumas de pouca monta, mas, infelizmente, muitas outras terminam em verdadeiras tragédias humanas e sociais.

3 comentários:

Bartolomeu disse...

É suposto que para tudo exista uma explicação, contudo, verificamos por vezes que só a explicação, não é suficiente para que se atinja o entendimento.
Na explanação que o caro professor nos oferece, fica-me o olhar e o pensamento preso à conclusão:"O pior é quando o tal fenómeno não é aproveitado para fins, digamos, positivos, e os portadores enveredem por situações negativas, algumas de pouca monta, mas, infelizmente, muitas outras terminam em verdadeiras tragédias humanas e sociais."
Sempre que reflicto sobre esta questão, concluo invariávelmente que um sem-numero de "agentes-satélite" poderão estar na origem desta "discrepância". Sendo que dois deles e sobre o quais não possuo conhecimentos teoricos suficientes, que me permitam toma-los como verosímeis, seja a carga genética que cada individuo comporta em si. O outro, prende-se a meu ver com a vistinha, ou seja, o modo como cada cérebro processa a imagem que lhe chega, onde está implícita a imagem e o inevitável conceito acerca do "outro". Acerca deste assunto gostaria de referir uma estória passada com um vizinho do meu monte.
Chama-se ele Manuel Zacarias, é pesso de setenta e tal anos, franco natural e sincero como a terra. O meu vizinho possui umas capoeiras com galinhas, patos, coelhos, etc. que se destinam ao sustento da casa. Um outro vizinho mais a baixo, possui vários cães que gosta de manter em liberdade. Durante a noite, os cães do vizinho de baixo subiam ao casal do Manel e matavam-lhe a "criação". O manel na sua calma, procurou o vizinho que ainda é parente e colocou-o ao corrente da situação, dizendo-lhe que devia manter os cães presos. O vizinho do Manel achou que não que tinha o direito de manter os cães soltos. Então o Manel na sua calma habitual avisou-o... nesse caso quando os cães lá voltarem levam um tiro de caçadeira. Dito e feito, os cães voltaram, mas ja não regressaram. O vizinho do Manel apresentou queixa no posto da GNR, foi instaurado um processo e o meu vizinho Manel foi notificado para se apresentar a tribunal. No dia da audiência, presente ao juiz, o meu vizinho Manel, foi "convidado" a relatar os acontecimentos , e fê-lo da sua forma simples e natural, dirigindo-se ao juiz por tu, tal como faz com toda a gente. O juiz alarmou-se, o advogado de defesa tambem e apos ser censurado pelo seu comportamento, o meu amigo Manuel, mantendo o tratamento por tu, explicou que só concebia a verdade se reconhecesse a igualdade e que, uma vez que nada nos distingue como seres humanos, ele não poderia utilizar termos que conferissem a superioridade ao juiz. Que o juiz era a autoridade naquela sala, mas que era um homem igual a ele. Por fim, o juiz fingiu que se borrifou para o tratamento por tu e condenou o meu amigo Manuel a pagar uma indeminização ao vizinho pelos cães mortos e obrigou o vizinho a manter os cães que possuia, presos.
Esta história do meu amigo Manuel, leva-me à reflexão sobre uma atuitude muito comum a todos nós. Acontece quando geralmente nos dirigimos a alguem (igual a nós) mas com quem mantemos algumas reservas no trato, ou a alguem que detem um cargo superior, etc. Sempre que cumprimentamos essa pessoa, fazemos uma deferência, baixando ligeiramente a cabeça e fazendo uso de tiques de etiqueta, demonstrativos de submissão, de deferência e... de... "respeito".
Contudo, quando nos dirigimos a Deus, seja na igreja, ou na intimidade, levantamos a cabeça, olhamos para o alto e... tratamo-Lo por Tu.

Massano Cardoso disse...

Caro Bartolomeu.
Não se pretende com este texto reduzir a explicação de certos fenómenos apenas a aspectos biológicos. O que se pretende é “encontrar” ou conhecer os mecanismos que possam ajudar a explicar os comportamentos que têm uma base orgânica e, muitas vezes, de origem genética. Não sendo factores determinantes exclusivos, por isso “não suficientes”, são necessários. Há uma base fisiológica para tudo. À medida que o tempo passa, e o conhecimento de avoluma, vamos compreendendo melhor aquilo que fazemos e de que é que somos feito. Consequentemente, quem sabe se uma dia não poderemos melhorar, ou mesmo sermos mais tolerantes, e, até, “contrariar” ou “adaptar” as tais características em favor do próprio?

Bartolomeu disse...

Compreendi perfeitamente o sentido deste seu post caríssimo professor, estou-lhe reconhecido pelo cariz altruísta que ele encerra. A derivação do meu comentário, pretendeu somente constituir "mais" uma forma de se poder olhar para o nosso interiror e para as nossas acções...mecânicas. É sem dúvida o tempo que passa entre as acções que faz germinar a semente do conhecimento, contudo, relativamente às duas últimas questões "contrariar" e "adaptar", tenho as minhas reservas, aqui sou levado a citar a mesma frase popular queo caro Professor colocou no seu texto: "está-nos na massa do sangue".