1. Através de declarações desgarradas, ao sabor dos acontecimentos, vamo-nos apercebendo, com justificado horror, das traves mestras da actual política económica doméstica:
(i) despesa pública a todo o vapor, sobretudo em obras públicas de discutível interesse (ou de indiscutível desinteresse) económico e social, ao ponto de gerar essa medida admirável da abolição de concurso público e encorajamento de ajuste directo para muitas dessas obras;
(ii) manutenção dos níveis de tributação do rendimento e da despesa - segundo a invariável argumentação das vestais do regime não se pode reduzir a tributação porque não é possível reduzir a despesa, aliás esta até terá de aumentar, tanto por força dos estabilizadores automáticos como por efeito da nova política de fomento de obras públicas;
(iii) resignação perante o acelerado e insustentável aumento do endividamento externo, pouco importando os avisos solenes do Presidente da República bem como o facto de os níveis actuais de endividamento imporem défices “record” da balança de rendimentos (acima de 5% do PIB) e de serem visíveis sinais de esgotamento das fontes de financiamento;
(iv) adopção de um novo conceito de “orçamento flutuante”, ao sabor da conjuntura, com uma previsão das receitas e das despesas meramente indicativa... Amanhã se verá, parece ser a nova “realpolitik” em matéria de orçamento do Estado, da qual é razoável esperar um óptimo resultado...mas isso será para verificar só depois das próximas eleições, não vale a pena estarmos agora a preocupar-nos com essas minudências...
2. Não falta quem pretenda invocar o patrocínio de John Maynard Keynes para justificar este belo naipe de opções de política económica – trata-se, dizem os inspirados comentadores, de pedir ao Estado que cumpra sua honrosa missão de estabilizador da conjuntura, gastando mais, mal ou bem pouco importa, numa altura em que os outros sectores institucionais comprimem as suas despesas de consumo e de investimento...
3. Curiosamente, os ilustres advogados de + despesa pública hoje são exactamente os mesmos que, numa fase em que a despesa privada expandiu com forte intensidade – entre 1996 e 2001 – encontraram bons motivos para justificar um igualmente forte crescimento da despesa pública...levando a economia “ao rubro” e gerando desequilíbrios de que, ao que parece, nunca mais nos veremos livres...até um dia.
Que coerência!
4. Tenho muitas dúvidas que se possa invocar o patrocínio de Keynes para esta gloriosa escolha de medidas de política – entre as circunstâncias económicas do tempo em que Keynes propôs sua mágica receita e as actuais existe uma distância cósmica...estou seguro de que Keynes não proporia tal amontoado de horrores para cura dos males de que a economia enferma actualmente!
5. Parece-me bem mais adequado o patrocínio do Dr. Frankenstein: não apenas pelo horror que destas medidas transuda mas também, ou sobretudo, pelas novas malformações que é legítimo esperar na nossa já tão desfigurada economia.
Receio bem que esta, quando as famosas medidas tiverem produzido seus efeitos, nos faça parecer modelos de beleza as hediondas imagens do Cérbero ou da Quimera!
15 comentários:
Ora aqui está a verdadeira,real e extraordinariamente bem conseguida denominação para a política económica portuguesa actual: uma colagem de medidas que, na sua contradição, causam horror; uma política deformada, um fim de fugir...
De Keynes tirou-se a síntese de que a despesa pública é o remédio.
Mas, ainda hoje li no editorial do Público uma frase de um Professor, creio que americano, Lee Segel, que assenta como uma luva nesta matéria. "As grandes sínteses que pretendem explicar tudo são tão apelativas como perigosas. Isto é, se forem tomadas à letra e não evoluírem de acordo com a realidade". Pois é, os economistas e políticos de serviço apenas chegam à letra...
Mas falam e agem como Catedráticos, à moda de Bolonha, claro!...
Pois, aparentemente agora somos "todos" Keynesianos (eu pessoalmente prefiro não me incluir nesse grupo, por vários motivos...). Qual é a sábia conclusão destes ilustres governantes, que conseguiram prever a crise em devido tempo? Que a melhor modo de combater a dívida é criar ainda mais dívida! Alguém depois se encarregará de a pagar e quem a fez não precisa de se preocupar muito com isso, pois no longo prazo, estamos todos mortos (Keynes dixit).
Fazendo uma analogia grosseira, à escala familiar, era como se o chefe de família, ao ver que não consegue pagar a hipoteca mensal, resolve-se os seus problemas comprando um carro novo e renovando a cozinha! Faz sentido? Não no meu mundo, mas aparentemente quanto mais leio sobre economia, menos percebo dela...
Deixo-vos aqui, como nota final, um artigo de opinião recente no NYTimes, intitulado de: Is Government Spending Too Easy an Answer?
Quem inspira a política económica de Portugal??? Ora, esse é fácil, é o Dr. Ricardo.
Exactamente, Pinho Cardão, a situação actual não comporta margem para as receitas tipicamente keynesianas...as economias da época em que Keynes influenciou decisivamente a política económica, há 60 anos, apresentavam elevadíssimos níveis de poupança, o consumo e o investimento privados eram muito baixos - endividamento não existia - havia necessidade de aplicar um estímulo muito forte à actividade económica para aumentar os níveis de rendimento e emprego...
É esse hoje o panorama, nomeadamente no plano doméstico?
Caro rxc,
Boa imagem a sua...curiosamente já metem acudido uma semelhante, a qual consiste numa família arruinada que já não consegue tampouco assegurar a manutenção da habitação que evidencia fendas nas paredes, humidades por todo o lado...e cuja resposta a tal crise consiste em contrair dívida, com hipoteca dos poucos bens que restam, para comprar umas pinturas e uns móveis novos que vão embelezar o espaço e disfarçar os problemas estruturais...
Caro Tonibler,
Não me diga que Frankenstein tinha o mesmo nome próprio que o famoso economista britânico David Ricardo...
Caro Tavares Moreira
Desejo-lhe um Bom Ano.
Quanto ao Governo e a sua política, cada vez mais se pareçe com aquela anedota castelhana sobre os galegos:
são os únicos que, quando avistados numa escada, não se sabe se estão a descer ou a subir; ou a variante: sabe qual é o único local onde um galego odeia: o elevador, porque tem de subir, ou desçer....
Acho que o Governo Sócrates está na mesma, não quer ser apanhado a subir ou a desçer e, muito menos, a entrar num elevador.
Ou muito me engano, ou o Eng Sócrates vai fazer o mesmo que a Sra Merckle, se esta baixa o TSU, ele também baixa, se baixar os impostos...
Para além da incerteza que reina, em todo o lado, sobre a crise e como actuar, em Portugal, temos mais um elemento em contra, não possuímos serviços no Estado com qualidade e competência, como em outros países, como seja o RU ou a Alemanha. Assim, copiar torna-se muito complicado e, mesmo perigoso,porque o PM e o MdFin. não confiam na máquina que devia gerir esta crise. (Só a incapacidade dos serviços do Min das Fin pode explicar, parcialmente, porque um orçamento apresentado em Setembro e aprovado em Novembro não foi alterado como devia; a outra metade da explicação reside na falta de jogo de cintura do PM).
Assim, vamos ter uma solução galega para esta crise, pelo menos enquanto não terminar o período eleitoral. Ou como dizem os brasieliros, vamos ter conversa para boi dormir.
Cumprimentos
João
Caro João,
Retribuo sues amaveis votos de bom ano...mais um ano será em princípio, esperamos chegar ao fim dele...
Muito engraçada a sua imagem dos velhos galegos...
Entre nós uma variável escapará com certeza à hesitação galega: o endividamento ao exterior, que vai subindo sempre, a ritmo sustentado pelos dislates da política...não há dúvidas quanto a isso, tb está de acordo?
Quanto ao resto e com excepção da grande novidade instrumental do orçamento flutuante, que introduz uma revolução na gestão das finanças públicas, parece-me que andamos mais ou menos a reboque do que os outros vão procurando fazer. como bem diz...apenas tentando fazer pior, mas isso já é uma questão de feitio...
Caro Tavares Moreira,
É vital distinguir o intervencionismo de Keynes e de Sócrates! Keynes propunha que o Estado investisse e garantia que o dinheiro não sairia do país, dado haver oferta no país para suprir a procura despesista do Estado. No intervencionismo de Sócrates, o dinheiro ao fim de 15 dias, na altura de pagar aos fornecedores, vai para o estrangeiro, visto que Portugal não tem a oferta para suprir estas construções. Quem ganhará alguma coisa, são as habituais empresas do betão. O TGV, maior parte vai parar à Alstom a França. Alcochete será objectivo ao mais que provável tentáculo da Mota- Engil. Outra ficará com a construcção da "vital" A. Transmontana. A maquinaria pesada que estas empresas precisam para as construções, vão inevitavelmente parar aos cofres de outra nação.
Feitas as contas, este intervencionismo ajuda quem está bem, ajuda outros países e deixa encalhado que precisa de mais apoio(classe média e PME's). Resumindo, se for a Alemanha a conceder estes empréstimos, estará simplesmente a reciclar dinheiro.
Brilhante análise, caro André, se John Maynard Keynes pudesse comentar estaria nesta altura a aplaudi-lo...o corropio de despesa pública metaforicamente apelidada de "investimento", a título de combate à crise, acaba por beneficiar não a economia doméstica mas outras bem menos necessitadas desta ajuda...
Singularidades da política económica de Frankenstein...
Caro Tavares Moreira
No blog do Prof George Fama, ele comenta o momento actual com a equação:
PI= PS+CS+GS
Investmento Privado (PI)
Aforro privado (PS)
Aforro das empresas (CS)
Aforro do Estado (GS)
A equação pode não ser válida para uma economia, mas é-o para a economia global.
Como vai o Governo resolver esta equação? Por outras palavras, onde vai buscar o financiamento?
Cumprimentos
joão
Caro João,
No 2º termo da interessante equação que apresenta falta uma variável, ES (external savings).
É exactamente com essa que, consciente ou inconscientemente, os "responsáveis" pela política económica pensam continuar a resolver o problema da inexistência de poupança interna para financiar o "investimento".
E é exactamente por isso que, em m/ péssima opinião, os novos investimentos públicos deveriam ser escrutinados até à exaustão quanto à sua sustentabilidade económica e financeira futura...
Mas exactamente porque são péssimas, opiniões como a minha não são tidas em conta nas decisões de despesa que correm seu curso para fazer "frente" à crise...
Caro Tavares Moreira
De acordo consigo.
A equação citada pelo Prof. GFama é mais subtil, porque ele está a aplicá-la à economia global.
Assim, e com as emissões dívida dos últimos meses, o "nosso" acesso ao crédito é limitado pelo spread que vamos pagar, mais o que nos queiram emprestar. Seja Governo, seja empresas.
Ora, onde vamos conseguir as PPP que andam a apregoar? E a parte P (Privada) do PPP vai arriscar? Sem garantias adicionais? Então para quê as PPP ?
Cumprimentos
joão
Oh, meu caro João, não me diga que não sabe para que servem as PPP em que o Estado assume - quem mais haveria de assumir...- todo o risco económico...
Então para que servem a Estradas de Portugal,EPE, os Hospitais EPE, as demais horrivelmente deficitarias EPE's, os institutos públicos e toda a parafernália de entidades de acomodação de despesa pública que em rigor deveria ser inscrita no Orçamento e que assim é dele omitida?
Caro Tavares Moreira
Estamos de acordo, apenas divergimos (?) no comprimento de onda. Voçê pretende desmascarar a política do Governo, eu pretendo compreendê-la e assim, prever o comportamento.
Voltando ao assunto, face à equação, aplicada à economia global, a questão que se coloca é a seguinte:
pretende-se pagar as dívidas contraídas ou não?
Ora, eu acho que o Governo joga na hipótese de as dívidas não serem pagas, seja na totalidade, ou apenas numa parte.
Quanto às PPP (e, subscrevendo em grau, género e número, o que afirma no seu último post), no actual contexto de rarefacção de liquidez, existe um momento em que deixa de ser atractivo e arriscado, para as empresas privadas concorrem às PPPs. Ainda não percebi qual a taxa de juro em que deixa de o ser.
Qual a sua opinião?
Cumprimentos
joão
Caro João,
Estaá enganado, peço desculpa! Eu não pretendo desmascarar coisa nenhuma, nem a política do governo nem a de qq outro grêmio...
Deixou de me interessar a política enquanto tal e por isso não faço qq esforço para entrar nessa competição...
Limito-me a observar e a tentar qualificar o que vou observando: daí por exemplo o ter concluído que a actual política económica está bem mais próxima de Frankenstein do que de Lord Keynes...
Na minha perspectiva não há taxa de juro que incomode o último "P", desde que o segundo "P" assuma o risco económico e financeiro do projecto.
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