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sábado, 11 de julho de 2009

Estranha ironia

Em pequeno devorava livros aos quadradinhos, de índios e cowboys, os mais apetecíveis, que hoje seriam considerados como incentivo à violência, tantos eram os tiros, os duelos, as setadas, as guerras, os cercos, a destruição, o fogo, embora, no final, o herói ganhasse sempre ao vilão ou aos pobres dos peles-vermelhas. Depressa aprendi a gostar de livros de aventuras de capa e espada, muitos baseados em heróis, aventureiros e acontecimentos reais. Também me deliciava com as aventuras do Super-homem e do mágico Mandrake. Quanto aos livros de Walt Disney, apesar do seu colorido, não me atraíam tanto como os precedentes mas também “marchavam” em caso de necessidade. Uma fase que durou alguns anos, durante os quais fui uma verdadeira térmita deste tipo de “literatura”. Depois, com o tempo, passei a saborear livrinhos de aventuras próprias da idade juvenil, agora, praticamente, sem figuras ou ilustrações.
Aprendi alguns mitos e histórias que realmente se passaram. Tinha começado o contacto com o passado. Recordo as aventuras na selva amazónica ou nas montanhas da América, a procura dos Eldorados. Embriagavam-me. Esperava que depois de tantos sacrifícios, doenças e mortes, os heróis encontrassem finalmente os tesouros escondidos. As aventuras na selva africana, com propósitos semelhantes, não me cansavam, pelo contrário, mantinham desperta a ansiedade de um desfecho feliz que nunca se materializava.
Paraísos perdidos, eldorados, tesouros inimagináveis, fontes de poder e elixires da juventude eterna constituíam os principais objetivos. As civilizações desaparecidas aguçavam a minha curiosidade e imaginação. A descrição de uma ilha isolada e bastante afastada de outros territórios, e que tinha sido descoberta num dia de Páscoa, chamou-me a atenção devido a curiosas e gigantescas cabeças de pedra que os autóctones de outras eras tinham construído e colocado de forma a poderem olhar para o mar circundante. As explicações dadas e as razões apontadas para o desaparecimento dessa civilização que viveu na ilha, também designada de Rap Nui, eram estonteantes. O que é que teria causado o desaparecimento de indivíduos capazes de produzirem aqueles interessantes e únicos artefactos? Nunca soube, até que, passados muitos anos, um filme, Rapa Nui, veio revelar que a necessidade de transportar tamanhas figuras bizarras levou à destruição das árvores da ilha e, consequentemente, a uma catástrofe ambiental e ao desaparecimento de um povo que queria imortalizar-se nas interessantes estátuas.
Recordei-me deste episódio, quando soube que uma substância usada em medicina, a rapamicina, de “Rapa Naui”, foi encontrada apenas naquela ilha debaixo das cabeças gigantes. É usada com sucesso desde há muitos anos como imunossupressor nas transplantações. Agora, a mesma substância revelou uma nova faceta, que é a capacidade de prolongar a vida em alguns animais e fungos. E prolonga mesmo! Até já se sabe qual o mecanismo que, em termos práticos, se assemelha aos efeitos da restrição calórica, a principal e efetiva fonte de juventude que se conhece.
Abrem-se novas e reais perspetivas para prolongar a vida. Não sei se valerá a pena! Muitos consideram que viver muito tempo é uma chatice, só traz infelicidade, doenças e sofrimento. Talvez seja assim, mas quando se abrem vias para prolongar a vida, as pessoas esquecem-se das agruras e apostam em mais uns anitos!
A notícia de que a rapamicina possui este efeito percorreu o globo graças às novas tecnologias de comunicação: o Twitter. Nesta rede social é possível ter acesso a muita informação fresquinha, acabada de sair do forno, assim como interessantes comentários e opiniões sobre tudo e mais qualquer coisa. Relativamente à rapamicina, como fonte de juventude, alguns twitters perguntavam por que razões não andavam, presumo que sejam os cientistas, também à procura da “fonte da inteligência”! Bom, aqui sempre posso dizer que até andam, mas se a busca dos eldorados e dos elixires da juventude fazem parte dos nossos arquétipos, a procura da fonte da inteligência está ao nosso alcance. Basta lançar a mão a um livro, desfrutar uma boa leitura ou analisar uma interessante obra. Afinal, sempre é possível encontrar a fonte da inteligência, sobretudo quando está à nossa frente ou nas estantes de uma biblioteca. A civilização de Rapa Nui não sabia, e também não podia saber, que debaixo das suas esplêndidas estátuas vivia uma substância “miraculosa” como a rapamicina. Estranha ironia de uma civilização que procurou a imortalidade através de bizarras estátuas que escondiam o “elixir da juventude”! Em contrapartida é tão fácil beber o “elixir da inteligência” e contribuir para a imortalidade das ideias. Assim o queiramos.

1 comentário:

jotaC disse...

Eram livrinhos pequeninos com histórias maravilhosas que se devoravam num ápice. Já não sei ao certo quantos “seis balas” e “farwest.s” eu li, mas foram muitos…numa hora era o pistoleiro, a seguir o rancheiro, novamente o pistoleiro, a seguir o cowboy…