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quarta-feira, 8 de julho de 2009

Obras Públicas: depois das certezas, a confusão...

1. Dei-me conta esta tarde de mais uma destacada opinião sobre o que se (não) deve fazer em matéria de grandes obras públicas. Desta vez é o Doutor Ernani Lopes, que sustenta ser o TGV desnecessário e o novo Aeroporto poder bem aguardar mais uns anos...
2. Nas últimas semanas têm-se sucedido tomadas de posição de (mais ou menos) reputados economistas contra ou a favor da urgência das grandes obras públicas, com destaque para um primeiro manifesto, de 20 de Junho, em que 28 destacados economistas levantavam sérias reservas à oportunidade do Programa de Obras Publicas – aqui no 4R baptizado "Programão".
3. O Governo parece estar agora à deriva nesta matéria...depois da extrema certeza das posições que ostentava não há muito tempo, quando não admitia sequer a discussão destas opções, brindando os opositores com epítetos tais como “adversários da modernidade”, “inimigos do progresso ou da reanimação da actividade económica” e outros próprios de quem não sabe ou se recusa a discutir o essencial das questões...sucedeu-se um recuo em (quase) toda a linha.
4. Tenho para mim que os fundamentalismos pró e contra as obras públicas, sejam estas de maior ou menor envergadura, são posições pouco sustentáveis...a minha oposição ao Programão, abertamente manifestada nesta tribuna do 4R em diversas ocasiões, com mais calor quando se discutia a questão da OTA – opção felizmente abandonada – foi sempre oposição ao fundamentalismo “faz-se e não se discute”...
5. Entendo que nas actuais circunstâncias de extrema escassez de recursos mobilizáveis para todos estes projectos, há que ser muito selectivo e racional na escolha daqueles que num horizonte temporal razoável nos proporcionem melhores retornos.
6. Sempre entendi que o “investimento” não se esgota na fase da EXECUÇÃO e que, bem mais importante do que esta, é a fase da EXPLORAÇÃO.
7. O País não tem condições financeiras mínimas para se lançar em projectos altamente consumidores de capital cuja EXPLORAÇÃO venha gerar indefinidamente encargos superiores às receitas...disso já estamos cheios infelizmente...
8. Temos de pensar que os recursos que vamos mobilizar para estes projectos, para além da comparticipação da União Europeia, só podem advir de endividamento adicional, assumindo elevado custo financeiro - que tenderá aliás a agravar-se nos próximos anos.
9. Assim, se após a EXECUÇÃO, estes projectos entrarem em EXPLORAÇÃO para continuar a consumir recursos, iremos acumular em permanência dois fluxos de encargos: (i) os défices de EXPLORAÇÃO e (ii) os juros da dívida contraída para o financiamento da EXECUÇÃO...
Não gerando os projectos fluxos de exploração positivos, a dívida nunca mais poderá ser paga como é evidente pelos próprios projectos...
10. E como não geramos poupança internamente, teríamos de voltar a endividar-nos para financiar esse duplo fluxo negativo... a acumulação de dívida nunca mais pararia, seria uma insanidade...
11. Importa não esquecer que temos pela frente um sério obstáculo: o endividamento externo, fruto de um insanável desequilíbrio estrutural da economia, vai continuar a aumentar a ritmo muito forte, com ou sem Obras Públicas...
12. Torna-se pois indispensável repensar o "Programão", mediante um trabalho árduo de hierarquização/faseamento da execução de projectos, de modo a fazer avançar aqueles que possam assegurar melhor retorno, que tenham um “pay-back” mais favorável...
13. Contra fundamentalismos do não ou do sim...tomo a liberdade de os convidar a ler a obra "prima" de Pierre Massé, pai do planeamento económico em França, intitulada “Le choix des Investissements”, escrito há mais de 45 anos mas ainda tão actual...

9 comentários:

Bartolomeu disse...

Caro Dr. Tavares Moreira, acabo de receber através deste seu post, uma esclarecida aula de economia e gestão.
Fico-lhe grato.
Tudo aquilo que expõe nos diversos pontos, esclarece-nos com precisão.
Acrescentaria somente ao ponto (12) selecção, antes de hierarquização/faseamento.
Ao ponto 13, onde cita a obra de Pierre Massé... meu caro Dr. perdoe-me a arrogância, mas, aos fundamentalistas da nossa praça, eu aconselharia somente a leitura dos posts que o caro Dr. Tavares Moreira e os restantes autores, colocam neste blog. Bastar-lhes-ia para perceberem os erros em que laboram.

Tonibler disse...

A diferença está naquilo que chamamos de investimento público. Para mim, investimento é educação, saúde e segurança, o tipo de coisas que geram riqueza de facto porque acrescentam valor ao indivíduo e à sua actividade.o resto é dar dinheiro aos amigos...

Tonibler disse...

Ah, e o resto dos gastos locais que não entram nesta equação...

Diogo disse...

TGV pra quê?

Por outro lado,

Jon Stewart – O financeiro norte-americano Bernie Madoff montou um esquema de Ponzi na prisão

Jon Stewart: Bernie Madoff tem um emprego na prisão?

John Oliver: É interessante, está a trabalhar por conta própria e, na verdade, três dias depois de ter chegado à prisão, lançou um fundo prisional que estava a render duas pívias por cada maço de tabaco investido. É óbvio que a taxa de retorno era ridícula e foi logo exposta como uma grande fraude. O que significa que agora há um grande número de reclusos trabalhadores que nunca verão as centenas, e em alguns casos milhares de pívias com as quais contavam.

Jon Stewart: O Bernie Madoff tinha um esquema de Ponzi de pívias na prisão? No esquema de Ponzi, fica-se sem dinheiro e não se pode pagar às pessoas. É finito. Mas com todas as pívias que deve às pessoas, ele não pode… dá-las?

John Oliver: Não, Jon… escuta, é complicado. A maioria das pessoas não compreende. Deixa-me explicar em termos para leigos. Essas pívias não são reais, o que eles estão a comprar é a promessa de uma pívia, que depois Madoff acumulava e comprava. Ele estava basicamente a vender derivativos de pívias.

VÍDEO

luis cirilo disse...

Caro Dr Tavares Moreira:
Estou,evidentemente,de acordo com a forma como aborda o problema do investimento público.
Claro,conciso e com razão !
Na politica,como sabe,nem sempre é fácil juntar estes três atributos.
Alias´na linha do que o 4ª República vem defendendo ao longo dos tempos.
Pela sua voz e a de outros ilustres membros do blog.
O que contrasta,mas isso não me admira, com este coro de ilustres pensadores que nas ultimas semanas ve levantando a voz contra os grandes investimentos.
É que no 4ª República,verdadeiro serviço público da blogosfera,as pessoas sempre escreveram o que pensavam.
De forma frontal e corajosa.
Enquanto outros só agora,quando o governo se desfaz aos bocados,é que parece terem ganho a coragem de exporem algumas verdades.
Sinal dos tempos.
E dos caracteres !

Tavares Moreira disse...

Caro Bartolomeu,

Muita amabilidade a sua...ou mesmo generosidade!
Creia que a leitura de Pierre Massé seria mesmo do maior interesse em Portugal, nesta época de enorme confusão, para desfazer os erróneos conceitos que se espalharam acerca do investimento...
O "Le Choix des Investissements" foi escrito numa época em que o Planeamento Económico estava ainda na ordem do dia - em Portugal estaríamos na fase de execução do IV Plano de Fomento se não estou em erro - e mostra como se deve entender (e escolher) os investimentos, tanto públicos como privados.
Importa desfazer a noção basicamente RIDÍCULA que, em boa parte por força da generosidade (passageira) dos fundos comunitários, se instalou em Portugal acerca do INVESTIMENTO.
Em Portugal, nos dias que correm e nomeadamente a nível oficial, INVESTIR significa quase só GASTAR recursos...esquecendo-se quase por completo a noção de RETORNO sem a qual falar de investimento faz muito pouco sentido e sobretudo quando os recursos disponíveis são tão escassos (se é que ainda existem)...

Caro Tonibler,

Embora não possa subscrever nos 100% a sua opinião, não posso deixar de reconhecer que a mesma é bem (ou mesmo infinitamente) mais correcta do que a expressa pelos fundamentalistas do SIM ou do NÃO...

Caro Diogo,

Tem muita graça o seu sketch, de humor inteligente e provocador...

Caro Luís Cirilo,

Muita amabilidade sua também...
Temos de trabalhar para reabilitar o conceito de investimento público, como disse acima na resposta a Bartolomeu.
Creio que se não começarmos por fazer isso - reabilitar a ideia de investimento - nunca mais nos entenderemos sobre o que fazer neste domínio.
Até porque, não podemos esquecer: "casa onde falta o pão, todos ralham e ninguém tem razão"...

Bartolomeu disse...

Caro Dr. Tavares Moreira, agradeço-lhe a resposta que deu ao meu comentário, como sempre mais uma valiosa aula de economia política. Relativamente ao último parágrafo da sua resposta, deixe que acrescente o pequeno pormenor que em minha opinião faz a diferença entre os investimentos oficiais. É que, muitos deles, segundo a minha opinião, tem como único objectivo, a promoção da imagem política, outros, infelizmente, independentemente da utilidade e do retorno que possam produzir, visam a protecção de interesses privados. Infelizmente.

Tavares Moreira disse...

Lapidar, esse comentário, caro Bartolomeu.
Nem mais, meu Caro...só que uma coisa é realizar um "investimento" desse tipo que envolva uma despesa de € 1 milhão ou de € 10 milhões, outra coisa se a despesa for de € 1.000 milhões ou mais ainda...creio que aceitará a distinção...

Bartolomeu disse...

:)
Sem o menor esforço, caro Dr. Tavares Moreira.
Nem precisamos de nos situar no milhar de milhão... isto como parece evidente, encontrando-se o país na situação de bancarrota financeira. Pois se a dívida pública actual não parece ter já solução, mesmo a longo prazo.
Fácil para o governo admitir agora, a 3 meses de eleições, a calamitosa situação real económica do país... contando que isso possa ser o papão que amedronte e faça recear os futuros candidatos oponentes.