Salamanca é uma das cidades mais sedutoras que conheço. Uma estranha, intensa e perturbadora sensação, que nunca tinha desfrutado, tipo dejá vu, invadiu-me completamente na primeira vez que a vi. Caminhava numa cidade desconhecida como se tivesse ali nascido e vivido. O verão acenava o seu fim. A brisa suave e fresca do final da tarde brincava aos amores com uma sensual e límpida atmosfera, às descaradas, sob um sol muito vermelho, não sei se afogueado de tanto andar ou corado de alguma vergonha. Mas quem beneficiava desta vermelhidão eram as pedras salmantinas que resplandeciam com um doirado quente e único.
Ia meio inebriado a saborear este espetáculo quando tropecei com a casa de Miguel Unamuno. Unamuno! Recordei a leitura de algumas obras, poucas, que, na altura, já tinha lido, e que me tinham marcado. Estava perante a casa onde tinha vivido alguém que soube amar e que nos soube definir tão bem. Encostei-me às pedras doiradas e quentes e ali fiquei durante algum tempo sem pensar, gozando a sensação de um profundo e enigmático pensamento que nunca esqueci e que até hoje fui incapaz de lhe dar forma. Nem quero tentar.
Foi há muitos anos, numa altura em que viajar não era fácil, e mesmo que Salamanca fosse a máxima aspiração turística do banal português de então, que não conseguia ir mais longe, como motejava, soberba mas não soberanamente, Sttau Monteiro, por mim, ficaria satisfeito se não tivesse conseguido ido mais longe.
Caracterizar um português tem sido uma atividade que atraiu e continua a atrair autores nacionais e estrangeiros, como se houvesse algo de enigmático e de transcendente nos paridos neste pequeno recanto. Mas serão mesmo especiais ou não passam de uns pobres e tristes seres? Não serão eles amigos de António Nobre? Ao selar um soneto, o poeta lembrou-se deles e ofereceu-nos uma estranha e fria chave de ouro: ...Amigos, Que desgraça nascer em Portugal!
Será que somos capazes de nos caracterizar e criar a tal identidade? Não sei. O melhor é ler e ouvir os outros, sempre ouvi dizer que quem vê melhor é quem está por fora. Unamuno viu-nos de uma maneira ao mesmo tempo assustadora e com ternura. Classificou-nos como um povo suicida. “Portugal é um povo triste, e é-o até quando sorri. A sua literatura, incluindo a sua literatura cómica e jocosa, é uma literatura triste. Portugal é um povo de suicidas, talvez um povo suicida. A vida não tem para ele sentido transcendente. Desejam talvez viver, sim, mas para quê? Mais vale não viver.” Arrepiante a sua análise a quem associo a troca de correspondência com o médico e escritor Manuel Laranjeira, um entre muitos outros suicidas, que, ao antever o seu destino, desabafou um dia: “suicídio é um recurso nobre, é uma espécie de redenção moral. Neste malfadado pais, tudo o que é nobre suicida-se; tudo o que é canalha triunfa.”
Crises sociais, bancarrotas ou ameaças, foram e são uma constante neste Portugal. Ciclicamente emergimos durante algum tempo, o que nos permite respirar, mas logo de seguida mergulhamos nas frias sombras. Triste país que continua a perpetuar tragédias atrás de tragédias.
Resta a esperança de poder saborear pensamentos que não consigo recordar, apoiado em pedras quentes e doiradas de fins de tarde, participando em sedutores amplexos amorosos sob o olhar de um sol vermelho e acariciado por uma suave e fresca brisa...Foi há muitos anos, numa altura em que viajar não era fácil, e mesmo que Salamanca fosse a máxima aspiração turística do banal português de então, que não conseguia ir mais longe, como motejava, soberba mas não soberanamente, Sttau Monteiro, por mim, ficaria satisfeito se não tivesse conseguido ido mais longe.
Caracterizar um português tem sido uma atividade que atraiu e continua a atrair autores nacionais e estrangeiros, como se houvesse algo de enigmático e de transcendente nos paridos neste pequeno recanto. Mas serão mesmo especiais ou não passam de uns pobres e tristes seres? Não serão eles amigos de António Nobre? Ao selar um soneto, o poeta lembrou-se deles e ofereceu-nos uma estranha e fria chave de ouro: ...Amigos, Que desgraça nascer em Portugal!
Será que somos capazes de nos caracterizar e criar a tal identidade? Não sei. O melhor é ler e ouvir os outros, sempre ouvi dizer que quem vê melhor é quem está por fora. Unamuno viu-nos de uma maneira ao mesmo tempo assustadora e com ternura. Classificou-nos como um povo suicida. “Portugal é um povo triste, e é-o até quando sorri. A sua literatura, incluindo a sua literatura cómica e jocosa, é uma literatura triste. Portugal é um povo de suicidas, talvez um povo suicida. A vida não tem para ele sentido transcendente. Desejam talvez viver, sim, mas para quê? Mais vale não viver.” Arrepiante a sua análise a quem associo a troca de correspondência com o médico e escritor Manuel Laranjeira, um entre muitos outros suicidas, que, ao antever o seu destino, desabafou um dia: “suicídio é um recurso nobre, é uma espécie de redenção moral. Neste malfadado pais, tudo o que é nobre suicida-se; tudo o que é canalha triunfa.”
Crises sociais, bancarrotas ou ameaças, foram e são uma constante neste Portugal. Ciclicamente emergimos durante algum tempo, o que nos permite respirar, mas logo de seguida mergulhamos nas frias sombras. Triste país que continua a perpetuar tragédias atrás de tragédias.
Uma forma de esquecer as misérias.
5 comentários:
Salamanca é de facto uma cidade onde reina permanentemente uma atmosfera mágica.
É uma cidade onde adoro perder-me, sem que nunca me sinta perdido. Uma cidade recheada de história e de locais envolventes.
Miguel de Unamuno, dedicou muito da sua atenção às características do povo luso, sem contudo as separar das que caracterizam o povo castelhano.
Penso que o filósofo entendeu que este povo, a quem ele chamou triste e suicida, é afinal um conjugador conpulsivo do verbo ser.
E de tanto o conjugar, sentiu a necessidade de se derramar pelo mundo, conjugando sem sessar; eu sou, tu és, ele é... eu sou, tu és, ele é... eu sou...
Caro Professor Massano Cardoso:
Pese embora o facto de possuirmos uma longa e rica história, é curioso como tantos “outsiders”, desde sempre, nos catalogaram como gente triste e melancólica; e é verdade, por mais que nos custe aceitar, as últimas três décadas levam-nos a concluir que somos um país com projectos permanentemente inacabados. Porque será!?. Por culpa do povo!?…
Este lindo texto é como se fosse um “roller coaster”, uma montanha russa com um percurso suave (que não existe! Cada vez são mais radicais!) Primeiro pensei: lá vou viajar mais um pouco; depois veio a tristeza dos portugueses, com tendências suicidas e para terminar, as reminiscências de um passeio “poético” que marcou! Pois é, basta ouvir o fado para os estrangeiros se aperceberem da melancolia que caracteriza o povo português! Ao menos os brasileiros – pobres mas alegres – passam o tempo a sambar e a ver futebol! Stress é problema que parece não existir!
E que fazer? Será a melancolia uma característica nata ou adquirida?
Somos melancólicos porque não desistimos de sonhar e, como a realidade teima em nos perseguir, acabamos mesmo muito tristes. No entanto, sobrevivemos, século atrás de século. Ontem estive a ver um programa sobre a construção da Barragem de Cahora Bassa, uma obra titânica, que exigiu um esforço brutal, financeiro, militar e estratégico. É impressionante como nos atrevemos a construir aquele gigante no meio do nada, já em guerra, um povo pobre de emigrantes. Mas lá está, e a factura ficoámos a pagá-la muitos e muitos anos, honrando os nossos compromissos.Acho que somos um povo surpreendente, não merecemos esta permanente frustração dos nossos sonhos, não havemosnós de ser melancólicos?
Alembreimagoradeste, do Camões, nos Lesíadas, a Don Sebastião:
Vereis amor da pátria, não movido
De prémio vil, mas alto e quási eterno;
Que não é prémio vil ser conhecido
Por um pregão do ninho meu paterno.
Ouvi: vereis o nome engrandecido
Daqueles de quem sois senhor superno,
E julgareis qual é mais excelente,
Se ser do mundo Rei, se de tal gente.
Sou tão parvinho... benza-me o Altíssimo!
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