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quinta-feira, 14 de abril de 2011

A trilogia da redenção

“É possível cometer erros e perdoar mas é preciso ver também a vontade de mudar”, diz Estela Barbot, hoje,na Sic Notícias. “A falta de credibilidade lá fora é assustadora”.
Fala-se agora muito em culpa ou não culpa (infelizmente não em desculpa) e fala-se também abundantemente em vergonha e humilhação. Quanto à culpa, esse sentimento judaico-cristão que nos ensinaram a sentir desde pequeninos, aprendemos em casa – quando há muitos irmãos então aprende-se mal se nasce – e no convívio na escola, aquela pesada trilogia assumir/arrepender-se/aceitar o justo castigo. Assumir era uma questão de honra, o acto que devia mostrar uma consciência apurada a distinguir o bem e o mal. Arrepender-se era importante para recuperar a estima e a consideração, pois garantia que não havia intenção de voltar a praticar a asneira. E o castigo, claro, dissuasor de novas tentações era, sobretudo, o preço do resgate ou aquilo a que se chamava redimir o erro. Mas também havia os casos em que todos, de uma forma ou de outra, tinham a consciência pesada, lá sabiam que sem a sua colaboração a asneira não tinha sido feita, e então fazia-se um pacto e ninguém denunciava ninguém. O resultado, claro, era o castigo ser distribuído pelo grupo e, mesmo que não fosse inteiramente justo, pagavam todos pela mesma bitola, as discussões seriam inúteis e só agravariam a ira dos ofendidos. Quanto à vergonha, há repentes patrióticos contra os credores/financiadores que ousam fazer comentários menos diplomáticos sobre a situação e turbulência interna que vivemos. E é verdade que todos sentimos o peso da exposição internacional e a retranca que põem à porta os possíveis financiadores, é verdade que os nossos emigrantes, sobretudo os tais jovens qualificados que preferiram e puderam tentar a sorte como cidadãos europeus, sentem a dor até agora desconhecida do tratamento com laivos de desprezo, logo eles, que quase acreditaram pertencer às “elites” globais do futuro. Essa vergonha é mais dura, porque é isolada, os portugueses sentem o silêncio nos grupos onde até agora eram recebidos alegremente e ouvem piadas pesadas a reparar nos gastos que fazem. Mas acontece que a vergonha não começou agora, tal como uma doença não começa quando o médico faz o diagnóstico e a anuncia com crueza. Vergonha devíamos ter tido quando nos deixámos andar desleixados, ignorando avisos e evidências, fazendo orelhas moucas ou mesmo desclassificando as “cassandras” (lembram-se?) que, essas sim, tiveram vergonha na altura certa. Agora, o que temos é que reunir o orgulho que ainda temos e encarar com coragem o remédio que nos há-de tratar. Podemos exorcizar a culpa, enfrentar a vergonha e dispor-nos a suportar o preço para recuperar a nossa credibilidade, fazendo fé na velha trilogia da redenção.

5 comentários:

Bartolomeu disse...

Os 3 ângulos de um triângulo que deveria ser equilátero, mas que está em constante mutação... conforme as conveniências.

MariaCalado disse...

Paixão, morte e ressurreição. Interessante reflexão.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
É caso para termos muita vergonha, por não sabermos cuidar de nós. É uma humilhação o que se tem escrito e falado lá fora sobre o nosso país. Há "parceiros" europeus que não nos querem ajudar.
Agora deveríamos mostrar que queremos mudar, que estamos a trabalhar nesse sentido.
Mas o espectáculo na política não para, com guerras desnecessárias e inúteis que em nada ajudam a transmitir responsabilidade perante a ruína a que chegámos. É preciso, realmente, não ter vergonha!

José Soromenho-Ramos disse...

Um bom assunto e um bom post, como de costume, do qual vou apenas fazer um comentário sobre os jovens portugueses expatriados.
Com excepção dum ou outro grande nome histórico, a reputação dos portugueses nos países desenvolvidos nunca foi grande coisa, desde a fuga da corte para o Brasil sob protectorado britânico, até à imagem de parolos “cornus” deixada em Paris pelos filhos-família, como o que casou com a prostituta imortalizada no Hôtel de la Païva. Mais recentemente, português que não fosse emigrante, pedreiro ou concierge, “ne semblait pas portugais”.
Quando as primeiras gerações de portugueses começaram a competir em carreiras internacionais decentes, ouviam comentários do género: “You are Portuguese?! Actually born in Portugal? You certainly don’t look/sound/behave like one. We can forget that”. Como se fosse um defeito de origem, que era generoso perdoar. Quando o Português se revelava conhecedor dos estereótipos respectivos, com os quais retribuía sarcasticamente os cumprimentos, as coisas equilibravam-se.
Foi um trail blazing constante do qual beneficiaram as novas vagas, que têm a obrigação de continuar o esforço, sem queixinhas.

Suzana Toscano disse...

Margarida, eu nunca concordei com os "castigos exemplares",porque são sempre, a meu ver, a confissão da injustiça de não se poder castigar todos, ou de se ter que deixar prevaricar os que não se ocnseguem apanhar.Em regra, quando se exige uma punição "exemplar" está-se a usar de força excessiva (e abusiva) em relação ao que ficou à mercê do julgador, ou seja, pune-se o fraco porque assim se imagina que poderá dissuadir-se o forte.Vem isto apropósito de a Ministra das Finanças francesa ter declarado que "Portugal será a porta corta-fogo para evitar outras situações na Europa". Alguma vergonha nossa, sim, sem dúvida, mas se estão todos tão imaculados qual é o receio de o "fogo" se espalhar??
Caro cagedalbatross, acho graça a essa expressão das queixinhas, é bem verdade, aguentem-se que já foi bem pior,e defendam-nos a nós, que aqui estamos,já agora.