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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Uma alegre tosquia

No mesmo dia em que Cavaco ordenou a venda das suas acções da SLN a 2,4 euros, foi vendido um lote bem superior pelo valor unitário de 2,75 euros.
Há quem vá por lã e saia tosquiado. O que, no inverno, pode dar maleita séria.
Mas aposto em que ainda não é desta que metem a viola no saco. É que argumentar com fundamento dá muito trabalho.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Perdão?!... Importam-se de repetir?!...

Ontem, dia 5 de Janeiro, Portugal emitiu pela primeira vez dívida pública em 2011, tendo colocado 500 milhões de euros num prazo de seis meses, a uma taxa de 3.686%. A procura foi 2.6 vezes superior à oferta.

Para o Secretário de Estado do Tesouro, Costa Pina, “o resultado reflecte a confiança dos investidores, nacionais mas sobretudo dos investidores estrangeiros (…) nas medidas do Governo de consolidação orçamental”.

E para o Secretário de Estado do Orçamento, Emanuel dos Santos, a taxa de juro de 3.686% paga por Portugal para emitir 500 milhões de euros em bilhetes do Tesouro a seis meses, foi “muito alta”, tendo em conta a maturidade. Mas destacou que “tivemos procura para colocar mais de mil milhões de euros”, “não obstante o preço ter subido.”

Dá vontade de perguntar: perdão?!... Importam-se de repetir?!...

A questão é esta: Portugal não conseguirá pagar taxas a este nível se elas perdurarem no tempo Depressa se percebe porquê: Ainda há cerca de um ano, para o mesmo prazo, o juro foi de 0.592%; e mesmo em Setembro último, também para uma emissão a 6 meses, a taxa foi pouco superior a 2%.

Ou seja, face a Setembro (nem vale a pena comparar com o sucedido há cerca de um ano…), o custo de financiamento para o Estado agravou-se em mais de 80%. Sim, não há engano: 80%. Claro que com os juros a este (elevadíssimo) nível, a procura só podia ser... robusta!... pudera!... Mas pior: a taxa paga está na vizinhança do que, aqui ao lado, Espanha pagou para se endividar… a 3 anos em Dezembro (para o prazo de 6 meses, o juro pedido aos espanhóis foi de 2.597% há duas semanas)!...

Tendo em conta que teremos que emitir cerca de 46 mil milhões de dívida em 2011, como será, sobretudo, quando tivermos que emitir em maturidades maiores, por exemplo a 5 e 10 anos? Que níveis de juros iremos pagar?!...

… Na próxima semana já saberemos: o IGCP anunciou hoje que tentará colocar dívida a 3 e 10 anos na próxima quarta-feira, dia 12. Mas independentemente do que vier a acontecer, o que é lastimável é a falta de bom senso e de adesão à realidade dos dois responsáveis políticos do Ministério das Finanças.

Não, não é preciso ser miserabilista, nem trágico ou catastrófico… Trata-se apenas de ter a dose necessária de realismo que é sempre tão necessária a quem exerce o poder e tem responsabilidades políticas. Porque só dessa forma será possível mostrar aos nossos credores (esses terríveis “mercados”) que percebemos o que se passa e estamos, por isso, aptos a apresentar soluções. Agora, reacções daquelas, bem que todos as dispensávamos…

O falso tiro da Purdey

Trata-se de “uma questão do foro privado…não há ali qualquer dose de ilegalidade ou de comprometimento no plano da corrupção…há que ter sentido da medida… pois foi um negócio privado”.
Jerónimo de Sousa
, durante uma iniciativa da CDU em Braga, Público de 30.05.09, referindo-se às acções da SLN adquiridas por Cavaco Silva.
“…É sabido que no BPN, muitas pessoas dos círculos do PSD e na altura do cavaquismo, quando o cavaquismo era Governo, se interessaram por esse banco, mas, também até prova em contrário ainda não é pecado ter sido accionista do BPN, coisa que actualmente o Presidente da República não é”.
Miguel Portas
, no final de uma iniciativa de campanha, na Marateca, Público de 30.05.09.

De facto, Alegre não acerta uma. Até os seus correlegionários do Bloco lhe corrigem o tiro. Usa mal a Purdey: é que a arma serve para caçar, não para enlamear.
Nota: A Purdey, publicitada por Manuel Alegre, é considerada a mais sofisticada e cara espingarda de caça do mundo. Tem bom gosto, que a arma é de qualidade.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Terei arte, ou serei, apenas, vítima da arte?

Em jovem, tive a oportunidade de ver o filme “2001 Odisseia no Espaço”, devia andar no primeiro ano da faculdade. Recordo a dificuldade em comprar o bilhete, mas consegui um, no pior sítio possível, na primeira fila, no último lugar do lado esquerdo. Como é curioso a memória mostrar-se tão fresca com estes momentos, talvez tenha sido devido ao torcicolo que apanhei e que me perturbou durante alguns dias, porque para poder ver todo o ecrã, já que o filme era “panorâmico”, fui obrigado a fazer um esforço dos diabos.
A parte inicial do filme, sob o tema, “Assim falou Zaratustra”, de Richard Strauss, provocou-me um calafrio intensificado pela simbologia do monólito negro e o comportamento dos nossos antepassados, pré hominídeos, a revelarem a futura faceta humana, a violência, base da sobrevivência e marca de água que ainda perdura.
Se “2001” me marcou, mais mossa me fez o “2010”, como ponto de passagem para o futuro, para a emergência de novas existências e de novas esperanças, como o aparecimento de uma nova estrela, de um novo sistema solar dentro do nosso. Uma explosão. É isso, ainda 2010 vinha longe, muito longe, e eu associava-o a uma explosão, a uma nova existência. Talvez por isso, no primeiro dia de 2010 me tenha lembrado de tantas coisas, e comecei a analisar o que me faltava ainda por fazer. Uma boa data para começar a contagem decrescente, atento ao momento da partida, à procura de novos mundos...
Sentado, tranquilamente, a ver televisão sem a ver, lembrei-me de um convite que me fizeram há alguns anos para proferir uma conferência sobre a polypill, como meio de prevenir doenças degenerativas do foro cardiovascular. Uma mistura de várias substâncias cujos efeitos estão bem documentados. Sendo assim, há quem preconize o seu uso como forma de prevenção primária. É aqui que se discute se vale ou não a pena o seu uso. Há quem diga que sim e há quem diga que não, porque as doses utilizadas são subterapêuticas. No fundo, o que o ser humano pretende é viver com saúde o máximo de tempo possível, usando tudo o que a sua rica imaginação concebe produzir.
Recordo-me de ter feito uma apresentação interessante, e meio problemática, que despertou a atenção dos presentes. Ao terminar apresentei algumas fotografias de John Coplans, fotógrafo britânico, entretanto falecido aos 83 anos, que tinha passado os últimos vinte anos a captar imagens do seu corpo, à medida que envelhecia. Curioso ver as diferentes imagens ao longo do tempo. O artista quis demonstrar que existe uma arte de envelhecimento, traduzida na estética dos anos a passear pelo seu corpo, e, também, na forma como o mesmo deve ser encarado. Com naturalidade, com beleza e sem medos.
Não sou fotógrafo, mas registo, também, uma necessidade crescente de “fotografar” os meus últimos anos de vida, não através das modernas máquinas digitais, ao alcance de qualquer um, mas pelo velho processo da escrita. Não sei o que Coplans pensou quando tinha, praticamente, a minha idade. Presumo que estaria recetivo a aceitar as alterações que, entretanto, iam surgindo. Eu não sou tão otimista quanto Coplans. Posso aceitar o que irá acontecer como natural, mas tenho dúvidas se o farei com naturalidade. A ansiedade, filha dos acontecimentos, muitos dos quais incontroláveis, assusta-me. Olho, penso, questiono e só encontro uma forma de resolver o problema, escrever. Quem sabe se não conseguirei encontrar um pouco de tranquilidade, abafar a ansiedade e, até, encontrar alguns restos da beleza, a forma mais sublime de justificar a existência.
Não nego que haja uma arte de envelhecimento, mas também é preciso envelhecer com arte. É aqui que reside o cerne da questão. Terei arte, ou serei, apenas, vítima da arte?
Talvez um dia destes reapareça para dar a resposta...

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A herança de Torquemada

Se observaste que o teu vizinho alguma vez se cruzou no caminho com alguém que aplicou dinheiro no BPN, denuncia-o, porque é judeu.
Se observares que o teu vizinho cumprimenta alguém que teve funções no BPN, denuncia-o, porque é judeu.
Se sabes que o teu vizinho alguma vez passou em frentre de uma Sucursal do BPN, denuncia-o, porque é judeu.
Se sabes que o teu vizinho emprega alguém que já foi do BPN, denuncia-o, porque é judeu.
Se sabes que o teu vizinho algum dia pensou ter relações financeiras com o BPN, denuncia-o, porque é judeu.
Porque, se não denunciares, tu próprio és judeu.
Tomás de Torquemada, Inquisidor-Geral dos Reinos de Aragão e Castela, ficou como símbolo das atrocidade dos processos de intenção, dos julgamentos e das condenações inquisitoriais. Para o efeito, fez mesmo publicar um conjunto de orientações no sentido de levar a população a reconhecer os possíveis sinais de heresia e de judaísmo, forma prática de não faltar matéria-prima humana para alimentar os processos condenatórios.
Pelo que se vê e ouve nesta Campanha Eleitoral, proliferam os candidatos a Torquemada, e só não acendem a fogueira porque os tempos e o ambiente são diferentes dos do século XV.
Mas, no espírito, permanece indelével a herança de Torquemada.

Fugir da civilização...

A foca-monge-do-Mediterrâneo é uma espécie ameaçada. Estas focas descobriram uma ilha no Mar Egeu onde agora vivem, para se protegerem das agressões da civilização moderna. O instinto de sobrevivência é muito forte. Mas o segredo, pelos vistos, foi descoberto por um grupo de cientistas que quer manter o local incógnito. Por quanto tempo poderão estas focas viver em paz?

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Pobre gente, pobre país!

Três de janeiro de 2011, segunda-feira. Tive de madrugar para ministrar a minha aula. Correu bem, sem problemas. Em seguida fui dar consultas. Logo por azar, o primeiro trabalhador despertou-me a atenção, porque com aquela cara era impossível não o reconhecer. A última vez que o vi foi em novembro de 2009. Não tenho por hábito fazer apreciações muito negativas ou jocosas quando estou investido nas minhas funções profissionais, mas, neste caso, tenho de abrir uma exceção; o senhor apresentou-se com umas trombas capaz de fazer inveja ao mais neurótico dos porcos, com licença das senhorias que estão a ler este texto. Consegui recordar a última vez, porque fiquei com a nítida sensação de que não tinha mudado de expressão. Só realço agora as “trombas”, por causa do que aconteceu a seguir.
O senhor sofre de diabetes, e, como me lembrei das recomendações e cuidados que lhe fiz, a propósito, em 2009, perguntei-lhe, com a maior naturalidade: - Então, o senhor tem controlado como deve ser a sua diabetes, e tem feito medições diárias do açúcar no sangue? Ao fazer estas perguntas, estava à espera de respostas positivas que fossem de encontro ao meu natural anseio. Mas o senhor não respondeu à primeira, pelo que tive de repetir mais do que uma vez. Comecei, então, a sentir algum desconforto, que me alertou para eventuais respostas negativas. Só depois de muita insistência, e quando as minhas palavras já revelavam evidente frustração, é que o senhor respondeu, “Tenho-me descuidado um pouco”. Ao dizer isto, as suas “trombas” ingurgitaram-se, revelando, sem ter necessidade de dizer mais nada, que não tem ido ao médico, nem feito dieta ou qualquer tratamento. Fiquei estarrecido com a resposta e com o silêncio. Na última consulta, o senhor já sofria de diabetes há mais de dezassete anos e, agora, com mais um ano cima, estava a atingir a segunda década da doença. Perguntei-lhe se sabia quais os riscos que corria. Respondeu-me com um silêncio angustiante. Só após alguma insistência, é que disse: - Sim, já ouvi dizer alguma coisa. Foi então que lhe expliquei, detalhadamente, os riscos que estava a correr, sempre de trombas, sem dúvida o maior trombudo que já vi em toda a minha vida, e não se pense que o senhor sofre de algum défice cognitivo, nada disso, pelo menos a testemunhar pelas funções que exerce. Por esta razão, até lhe disse que pessoas com debilidade intelectual não só compreendem a situação como tentam corrigi-la, seguindo os conselhos do médico. - Será que o senhor é um suicida lento? Perguntei-lhe. Ainda tentei saber se era uma questão pessoal, porque qualquer pessoa tem o direito a se tratar ou não, ou se era uma forma de negação da doença. Não tive sucesso. Fiz-lhe ver os problemas que iria acarretar para a família - aqui ainda fui capaz de o obrigar a dizer que era casado e que tinha filhos, mas, depois, nada. Deixou-se examinar sem qualquer obstáculo e, no fim, fiz uma derradeira tentativa, dizendo-lhe que não lhe ia desejar um bom ano, mas um sincero voto de que consultasse o seu médico assistente e seguisse os seus conselhos. Para reforçar o meu voto, socorri-me da minha pessoa, coisa que raramente faço, penso que é a segunda vez na minha vida, dizendo-lhe que sofria da mesma doença, que fazia medicação, dieta e exercício e sentia-me bem, sem problemas de maior. Nada. É a primeira vez que me acontece algo de semelhante. Ao fim de 36 anos de clínica ainda há quem consiga surpreender-me. Também lhe disse que da próxima vez que o visse não ia incomodá-lo mais.
No momento em que o senhor ia a sair, despedindo-se com as suas inconfundíveis trombas: - Então, bom dia! Pensei: - Mau começo do ano. Só espero que fique por aqui. Infelizmente não ficou, porque, passados uns minutos, um telefonema de uma familiar anunciava, com uma voz muito triste, o seu despedimento. Mais uma a engrossar o bando de desempregados e com futuro incerto. Pobre gente, pobre país! Ainda estive tentado a perder o apetite, mas a raiva, com que me espetei à hora do almoço, obrigou-me a comer e a pensar que ainda tenho de lutar...

Cenário pesado: (i) sobrecarga de juros, (ii) crescimento zero, (iii) risco de insolvência

1.A zona Euro conseguiu sobreviver em 2010. E, muito provavelmente, sobreviverá também em 2011...
2.A questão que se pode colocar é a de saber como, a que preço, a zona Euro conseguirá essa sobrevivência.
3.Esta questão é abordada num interessante artigo de Wolfgang Munchau, publicado no F. Times de 30 de Dezembro – as afirmações do nº1 supra constam exactamente desse artigo.
4.W. Munchau diz esperar que Portugal seja o próximo país do Euro a recorrer à assistência do Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF) e do FMI, na sequência da Grécia e da Irlanda, enquanto a Espanha (para já pelo menos) deverá passar sem essa ajuda...
5.O articulista sustenta que, mesmo com o apoio do EFSF/FMI, os países assistidos dificilmente conseguirão evitar uma situação de insolvência mais tarde ou mais cedo.
6.A assistência EFSF/FMI resolve um problema de financiamento, temporariamente, mas não assegura uma situação de solvabilidade que, com o tempo, tenderá aliás a agravar-se.
7.O ponto fundamental do argumento está nas enormes perdas de competitividade sofridas pelas economias dos periféricos, que agora, sem dinheiro e em regime de austeridade muito prolongada, as impede praticamente de crescer: a dívida, vencendo taxas de juro nominais (6%, 7% ou mais) bastante superiores ao crescimento nominal do PIB, condenará essas economias, de modo irreversível, a uma situação de insolvência...
8.A conjugação de (i) um endividamento altíssimo, muito acima de 100% do PIB, vencendo taxas de juro muito elevadas e de (ii) um enorme défice de competitividade -constitui um problema praticamente sem solução se não houver recurso a desvalorização da moeda e/ou inflação...
9.Mas, continuando no Euro – sendo a saída um cenário de terror, sobretudo para os políticos dirigentes – não existe qualquer hipótese de desvalorização e/ou inflação...
10.Um cenário imensamente complexo, sem dúvida, a seguir com a máxima atenção ao longo de 2011...

domingo, 2 de janeiro de 2011

As faces das redes sociais...

O caso da ENSITEL que nos últimos dias de 2010 originou uma avalanche de críticas nas redes sociais à sua actuação comercial, veio de novo evidenciar o poder destas redes, designadamente a capacidade de mobilização global de pessoas em torno de causas e o poder sancionatório que delas pode emergir.
Este poder sancionatório é tanto mais importante e, eventualmente, perigoso quanto o mesmo se pode substituir ao poder da Justiça, seja porque a Justiça tarda em decidir seja condicionando a actuação de quem aos olhos das redes sociais procedeu mal ou deve proceder num determinado sentido. Mas é também perigoso porque as causas podem não ser meritórias, o que não impede o efeito de contaminação de simpatia ou antipatia próprio dos fenómenos de imitação.
Este novo poder sancionatório é uma realidade que as empresas e o mundo dos negócios devem considerar nas suas actuações perante os mercados, designadamente accionistas, clientes e fornecedores, ajudando a balizar, inclusive, a sua actuação comercial e de marketing.
Sabemos que hoje os consumidores estão no centro das estratégias das empresas, quer criando e produzindo de acordo com as suas necessidades e preferências, quer mantendo com estes uma relação comercial que, não se esgotando no momento da venda, lhes assegure um elevado padrão de satisfação e, indo mais longe, conquiste a sua fidelização. Uma marca vale pelo valor que os mercados lhe atribuem, pelo que a imagem das empresas está inevitavelmente associada à satisfação dos seus clientes. Ignorar este facto pode ser fatal nos tempos que correm.
Depois do tsunami de críticas à actuação da ENSITEL através das redes sociais, a empresa acabou o ano a pedir desculpas ao cliente e ao mercado. Os eventuais danos de imagem, causados pela onda de protestos e de apoios ao cliente, parecem ser, a meu ver, desproporcionais face à perda que aparentemente levou a empresa, no início, a agir judicialmente contra o cliente por causa de um equipamento de telemóvel. A empresa acabaria por ganhar a acção, com a qual o cliente não se conformou.
É já visível o poder das redes sociais, para o melhor e para o pior, pelo que as empresas não podem ignorar a sua força e deverão, como tal, sem prejuízo de defenderem os seus legítimos interesses, adequar a sua gestão a esta nova realidade, encontrando nela oportunidades e retirando dela benefícios que devem ser partilhados com os clientes...

Novos (e curiosos) caminhos de sustentabilidade


Um dos problemas mais sérios que se colocam às políticas de sustentabilidade ambiental, em especial as que visam garantir a manutenção de espécies e habitats, é lidar com espécies não-autoctones, resistentes e muitas vezes predadoras de elementos da biologia local que assim vai desaparecendo. Pois o NYT dá nota de uma nova ideologia: a da preferência pelo consumo de espécies invasoras como forma de controlo.

A década que agora terminou dedicou-a a Europa à defesa das várias formas de vida, e o ano que passou consagrou-o à biodiversidade. Duas iniciativas que, atentos os números que apontam para a continuidade das perdas de espécies e para a redução de indivíduos de grupos em risco sério de extinção, não parecem ter-se saldado por resultados de que as autoridades responsáveis pela condução das políticas de conservação da natureza se podem orgulhar. É, pois, preciso mais empenho e mais imaginação para estancar o progressivo empobrecimento no que ao património genético diz respeito. Esta medida de que dá nota o NYT não peca pela falta de imaginação...




Religião e Suicídio

Com a idade aprende-se muita coisa, até deixar de apreciar os dias festivos. Em pequeno julgava que eram a coisa mais natural do mundo, uma espécie de sorte que nos calhava de tempos a tempos, e sempre menos do que desejaria. Agora, confesso que sofro deste destempero há algum tempo.
A necessidade de encontrar explicações para tudo levou-me a inventar uma, sempre vale mais do que nenhuma, ou os dias festivos são demasiados artificiais, ou, então, sou eu que me tornei insensível ao natural. E se ambas estiverem corretas, tanto melhor, assim reparto as culpas.
Por esta altura, no ano passado, escrevi um pequeno texto sobre a solidão, o que faz todo o sentido, porque este tipo de dor de alma faz-se sentir com mais violência nas datas festivas. Também me recordo das circunstâncias em que a escrevi e da leitura de um artigo sobre suicídio, depressão e formas de prevenção.
É do conhecimento geral que as depressões se agravam nestes períodos. Sendo assim, não é de estranhar que uma das consequências, o suicídio, aumente. Para o efeito, nalguns países, existem planos de atuação para prevenir este problema. Sinceramente, sei que existe uma catrefada de planos de prevenção em Portugal, bem elaborados, verdadeiros exemplos de retórica académica, difíceis de igualar, para tudo e mais qualquer coisa, mas para o suicídio desconheço. Às tantas até deve haver, mas mesmo que haja, sabendo como somos e como andamos, o resultado deverá ser o mesmo, ineficiente.
As alterações sociais e económicas que estão a violentar os portugueses não serão inócuas em termos de saúde mental, longe disso, espera-se mesmo um agravamento substancial, a que não faltará um incremento de suicídios. Não quer isto dizer que somos um povo de suicidas, se bem que Unamuno nos tenha caracterizado como tal. “Portugal é um povo triste, e é-o até quando sorri. A sua literatura, incluindo a sua literatura cómica e jocosa, é uma literatura triste. Portugal é um povo de suicidas, talvez um povo suicida. A vida não tem para ele sentido transcendente. Desejam talvez viver, sim, mas para quê? Mais vale não viver.” Unamuno não era epidemiologista e, como tal, desconhecia que, até, nem nos matamos como outros povos. Mas agradeço-lhe a sua análise sobre nós, porque nos conhecia muito bem.
Quanto mais baixa for a integração social maior é o risco de suicídio. Durkheim, no século XIX, fez interessantes estudos nesta área e até demonstrou que as comunidades católicas se suicidavam menos do que as protestantes. Os seus estudos enfermavam de alguns vieses, porque foram feitos numa base ecológica, de análise de grupo, mas, agora, um interessante estudo epidemiológico efetuado na Suíça, numa base individual, demonstrou inequivocamente que as taxas de suicídio são substancialmente mais baixas entre os católicos do que nos protestantes e nos indivíduos sem filiação religiosa. Este fenómeno ocorre em todos os grupos etários, sendo muito mais intenso entre as pessoas mais idosas e nas mulheres, e, particularmente, no caso de suicídios assistidos. Todos os fatores que possam influenciar estes achados, de natureza educacional, económica, sexo e outros, foram devidamente ajustados, permitindo afirmar que a religião constitui uma força social muito importante na análise do modelo dos suicídios, sendo o catolicismo superior ao protestantismo e, naturalmente, aos não afiliados.
Apesar de não estar provada a teoria social de integração, a religião constitui uma importante força social, pelo que é muito provável que, entre nós, irá ocorrer, nos próximos tempos, um reforço e reativar do fenómeno religioso, ante as expectativas de miséria que já está a atingir muitos portugueses. Não sei se os nossos compatriotas irão, mesmo assim, partilhar da alegria inerentes a algumas festividades, mas se alguém os ajudar a controlar a depressão e o negrume do futuro, tudo bem. Resta saber até onde e quais as consequências, porque em matéria de religião há sempre vontade de ir mais longe ao impor certas ideias e princípios. O tempo se encarregará de esclarecer estes comportamentos.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

As palavras que contam

As poucas palavras

Foi um dia, e outro dia, e outro ainda.
Só isso: o céu azul, a sombra lisa,
O livro aberto.
E algumas palavras. Poucas,
Ditas como por acaso.
Eram contudo palavras de amor.
Não propriamente ditas,
Antes adivinhadas. Ou só pressentidas.
Como folhas verdes de passagem.
Um verde, digamos, brilhante,
De laranjeiras.
Foi como se de repente chovesse:
As folhas, quero dizer, as palavras
Brilharam. Não que fossem ditas,
Mas eram de amor, embora só adivinhadas.por isso brilhavam. Como folhas
Molhadas.


Eugénio de Andrade

Não quero que as palavras más invadam a minha vida. Não quero habituar-me a elas, não quero assistir indiferente, ou apenas incomodada, à violência dos que agridem com a dureza do que não deve ser dito, do que não há o direito de dizer, ou dos que simplesmente deixam de proferir a palavra certa, quando ela tem ali o seu lugar à espera, e esse lugar fica irremediavelmente vazio.
Pensei, em jeito de balanço deste ano que finda, nas inúmeras ocasiões em que tive a boa sorte de ouvir palavras amáveis, das vezes que atendi uma voz amiga, das outras tantas em que pude encontrar um lugar de amizade ou das mil uma formas por que se apresentam os laços de amor. Difícil eleger uma ocasião que simbolize todas elas, sou tão afortunada como isso, tenho por onde escolher. E quando revejo cada um desses momentos, por breve que fosse, faço deles um antídoto para as palavras más e os rancores que também todos encontramos no nosso caminho.
Mas vou escolher, apesar de tudo, um desses momentos. Um dia deste ano que agora acaba recebi um telefonema de uma pessoa que conheci há muitos anos e de cuja família fui muito próxima, mas que nunca mais encontrei pessoalmente depois das voltas imprevistas que a vida tantas vezes dá. Ao passar dos anos resistiram, porém, os cartões de boas festas, ou dos parabéns quando era um aniversário, ou a propósito dos momentos importantes, bons e maus, que marcam o nosso percurso e que só as amizades atentas e profundas sabem assinalar. Fiquei surpreendida quando me disse que me queria ver, pedia-me que lhe desse esse gosto, já tem idade avançada e queria encontrar-me ainda uma vez, antes da vida se acabar. Esperou-me com um ramo de flores e um pequeno presente e escondeu envergonhado a bengala que lhe permite ainda deslocar-se sem apoio, sabe, a velhice não perdoa, disse emocionado enquanto os seus olhos, já apertados entre um mar de rugas, procuravam ver em mim os traços da jovem que se tinha habituado a tratar como uma filha. Conversámos longamente, naquele desenrolar caótico de pequenos nadas porque não se sabe por onde começar, de repente como dizer o que foi importante, como contar as alegrias e tristezas, como preencher o tempo do tempo que voou? Por fim, sorriu largamente quando tirou na carteira uma fotografia amachucada onde estávamos todos na varanda da casa de família, a mulher, os filhos e eu, lembra-se?, filha, nesta altura ainda acreditávamos que viesse a entrar para a família, eu e a minha mulher falámos nisso até ela morrer, nunca nos esquecemos de si. E queria agora fazer-lhe uma pergunta, não me leve a mal, mas eu e ela pensámos nisso tantas vezes, não queria morrer sem lhe perguntar, a vida deu-lhe a felicidade que merece?
Espero e desejo que todos possam encontrar no balanço do ano que passa a marca de palavras amigas, de provas de afecto, de sinais de amor e ternura. E que elas se multipliquem sem cessar no ano que agora chega, afastando as palavras más e dando lugar às que, mesmo sendo poucas, valem por todas.
Um abraço amigo e um Ano Novo muito Feliz, como merecem.

Dez grandes interrogações económicas para 2011

1.No declinar do ano 2010 estamos defrontados com um grau de incerteza pouco usual quanto ao cenário económico e financeiro para 2011, em especial no que diz respeito ao País em que residimos.
2.Por isso ocorreu-me deixar aqui 10 grandes interrogações sobre pontos importantes desse cenário, a saber:
1ª) Em que mês – se é que em algum -irá Portugal apresentar formalmente o pedido de assistência financeira ao Fundo Europeu de Estabilização e ao FMI?
2ª) Como irão comportar-se as exportações, nas quais estão depositadas todas as esperanças, em termos líquidos?
3ª) Será o crescimento das exportações, em termos líquidos, suficiente para contrabalançar a esperada contracção da despesa interna e manter o PIB a flutuar marginalmente acima de zero ou pelo contrário iremos ter um cenário de contracção acentuada da actividade económica?
4ª) Será que as receitas fiscais, em especial as dos Impostos Directos e do IVA, vão aguentar-se apesar da esperada quebra do rendimento das famílias e do consumo privado?
5ª) Até quando poderá o Estado português financiar-se nos mercados de dívida? Será que vai ser capaz de cumprir o programa de emissão de dívida (parcialmente) anunciado há dois dias ou vai esse programa ser interrompido pelo facto mencionado na 1ª interrogação?
6ª) Conseguirá o Governo cumprir o objectivo de redução da despesa corrente primária? E como irão comportar-se os encargos com juros da dívida pública (...)?
7ª) Irá o BCE manter os generosos apoios de liquidez que tem concedido aos bancos da zona Euro e às dívidas dos países em dificuldades, mesmo depois da saída de Trichet?
8ª) Como irá evoluir a opinião pública alemã em relação à questão da manutenção do Euro como moeda comum europeia? Irá continuar a deslizar no sentido negativo, como foi revelado por uma sondagem divulgada no início desta semana?
9ª) Qual será a evolução do preço do petróleo e das matérias-primas minerais e alimentares? Iremos continuar a assistir a uma escalada das cotações, pressionadas pela procura dos países emergentes, em especial da China e da Índia?
10ª) Será que a inflação vai finalmente obrigar os Bancos Centrais dos principais blocos económicos a subir as taxas de juro ou iremos assistir a mais um ano de política monetário do tipo “laissez faire, laissez passer”?
3.Muitas outras questões se poderiam colocar, porventura mais controversas do que estas – por exemplo será que o BPN, agora tanto no centro das atenções, vai finalmente ser "privatizado" em 2011 ou vamos continuar a assistir ao arrastamento indefinido do cenário actual?... – mas parece-me que, no que toca à evolução da política económica e financeira, tudo se vai decidir em função das respostas que a realidade dos acontecimentos vier a dar àquelas 10 questões...
4.Os nossos habituais e amigos Comentadores são livres, como é evidente, de acrescentar outras questões que entenderem pertinentes...
5.Para os ilustres Bloguistas do 4R e para os nossos Comentadores, os meus mais sinceros votos de um Ano Novo que mantenha pelo menos viva a nossa esperança num futuro melhor...e muita saúde para todos!

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Contradições

Ficámos esclarecidos que é “uma questão de justiça social”. Pensionistas e desempregados que aufiram rendimentos acima do rendimento mínimo passam a pagar taxas moderadoras. Ficámos a saber que o rendimento mínimo é a fasquia no SNS para se alcançar a justiça social, ou seja, que acima desta fasquia – 485 euros – as pessoas e as famílias não precisam de apoio social.
Aos poucos e poucos o Estado Social vai ficando cada vez mais pequeno, sem que se discutam e esclareçam quais são as regras e os critérios que definem o que queremos e podemos ter. Quando o bolo para distribuir é pequeno, mais necessário se torna estabelecer como deve ser repartido e quem o pode comer. É por isso fundamental que seja feita uma discussão esclarecedora sobre qual é a definição de Estado Social defendida pelas diversas forças políticas, designadamente o PS e o PSD, e como é que é assegurada a sua sustentabilidade, em termos de direitos e do seu financiamento.
O PSD fez bem em lançar o tema para a discussão pública. A reflexão é incontornável. Estamos a ver que assim é. É preciso fazê-la mas de forma transparente e responsável para que não fiquem dúvidas sobre o que uns e outros querem e o que têm realmente para oferecer aos portugueses, sem ziguezagues, com verdade e sem disfarce. Igualmente importante é sabermos que modelo preconizam para concretizar o Estado Social, ou seja, qual o papel que o Estado deve ter na garantia da sua realização.

Sacos de plástico

Os italianos não estão com meias medidas, vão proibir os sacos de plástico. Sim senhor!

Até sempre, Jorge

O Jorge partiu. Estava à espera da notícia depois de há umas semanas, com chocante á-vontade, me ter comunicado o paradoxo de ter resistido anos e anos à condenação de um cancro no pulmão e agora sucumbir a uma outra doença que a medicina conhece bem, mas para a qual não encontrou ainda remédio. Foi num almoço onde apareceu, tranquilo, bem disposto e entusiasmado com o trabalho que tinha em mãos. Compreendo hoje que aquele encontro - que tantas vezes adiámos e que sempre renovávamos através dos recados mútuos comunicados pelo barbeiro comum transformado em mensageiro - foi, afinal, uma despedida. A partir de certa idade vamo-nos acomodando à ideia da partida e conformando com a erosão que a morte provoca na vida dos que permanecem. Não nos tornamos indiferentes, porém, a estes estes gestos de imensa coragem de quem não quer omitir o último tributo à amizade. Obrigado, Jorge. E até sempre.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Avisos (VII)

A Propósito da Situação de Portugal
in XXXIII Congresso Nacional do PSD, Abril 10, 2010

Vamos ser claros: quer o Orçamento, quer o PEC, não são bons para o País. E por isso causou estranheza na sociedade, e admito que ainda mais no nosso Partido, por que razão permitiu o PSD a viabilização de ambos pela via da abstenção.

(…) Todos temos que estar conscientes do enquadramento internacional que enfrentamos desde o final do ano passado, quando estalou a crise orçamental e financeira na Grécia, que conduziu a uma generalizada desconfiança quanto ao facto de Portugal poder ser o próximo país a aproximar-se de uma crise de rotura de pagamentos.

Perante quaisquer sinais de que os objectivos de redução do défice público e da dívida poderão ser mais difíceis de cumprir ou perante uma situação de instabilidade política, o rating do País ficará novamente sob ameaça e as condições de financiamento externo serão muito penalizadas.

Ora, na prática, isso significa uma forte pressão vendedora dos activos nacionais (com a sua consequente desvalorização), taxas de juro mais elevadas – quer as que são exigidas ao Estado, quer ao sector financeiro – e, portanto, repercussões muito negativas para toda a sociedade, nomeadamente uma (muito) maior dificuldade no acesso ao crédito, uma diminuição da riqueza pela desvalorização dos preços dos activos, um menor dinamismo, um muito maior desemprego.
(…) Nesta conjuntura, (…) o nosso País estava obrigado a escolher entre soluções que não eram boas (o Orçamento e o PEC) e… o caminho para o desastre absoluto, o que teria consequências económicas catastróficas, que fariam com que as propostas do Orçamento e do PEC parecessem… menos más. Ora, perante a decisão das restantes forças políticas da oposição de reprovarem o Projecto de Resolução do PS sobre o PEC, e dispondo o Governo do apoio de uma maioria relativa no Parlamento, só o PSD poderia evitar o desastre total!

É, assim, minha convicção que, dadas as circunstâncias que vivemos, o PSD actuou como todos os Portugueses esperariam que actuasse, e de acordo com o lema de Francisco Sá Carneiro, lema que nunca devemos abandonar: primeiro, sempre o País; só depois o Partido.

Mas, caros companheiros, isso não significa que, colocando sempre o interesse nacional acima de tudo, não possamos, nós mesmos, apresentar verdadeiras alternativas que contribuam para resolver o difícil e estrutural problema económico do País. Temos duas prioridades simultâneas, ambas com máximo grau de urgência.

Uma é o relançamento do crescimento económico, que tem sido anémico (e tudo aponta para que assim continue). E isso não se fará com os custos de contexto que são conhecidos, que afastam qualquer investidor do nosso País. São necessárias alterações profundas em áreas tão fulcrais como a justiça, a legislação laboral, a burocracria na Administração Pública, ou a política fiscal. Com alterações nestes domínios estaremos a contribuir para aumentar a produtividade, tornar o país mais atractivo e competitivo, e reduzir o nosso défice externo.

A outra prioridade é a imperiosa e inevitável redução do défice público e da dívida pública – o que contribuirá também para reduzir o endividamento externo.

Ora, no ponto em que estamos, esta correcção da trajectória das contas públicas deve – e tem que – ser feita de forma sustentável, isto é, do lado da despesa pública.

As experiências passadas que promoveram a redução do défice público e assentaram no aumento de impostos resultaram em verdadeiros fiascos, como hoje todos sentimos na pele. Só serviram para liquidar a nossa economia, reduzir a olhos vistos a nossa competitividade.

Portanto, a mesma receita pretensamente correctora, queremos nós ver pelas costas!...

Aliás, nós temos é que trabalhar para, por um lado, reformar o nosso sistema fiscal e, por outro, para reduzir quer a carga fiscal, quer o esforço fiscal, matéria em que comparamos muito mal na Europa. Mas para isso, é preciso reduzir o peso da despesa pública no PIB.

Ora, já no discurso que proferi no último Congresso referi que, do lado da despesa, as opções não são muitas.

As rubricas com maior peso são os consumos intermédios (os gastos do Estado no dia-a-dia), as despesas com o pessoal (massa salarial) e as prestações sociais. E portanto é aqui que temos que actuar, sem o que não conseguiremos combater a dimensão da despesa pública.

Hoje, neste Congresso, vou mais longe: em minha opinião, será preciso uma nova reforma da Administração Pública, porque o PRACE foi um verdadeiro fracasso e nem em termos financeiros produziu resultados. Uma reforma que terá que começar por algo que nunca foi feito em Portugal: a discussão das funções do Estado, a definição das áreas onde o Estado deve e não deve estar presente, e de que forma o deve fazer.

Será também preciso combater o desperdício em todas as áreas do Estado.

E sejamos claros: as áreas dos salários e das pensões poderão não escapar a cortes. Será injusto?... É possível. Mas não seria inédito.

Porque, por exemplo, nos salários, quando o FMI esteve em Portugal nos anos 70 e 80, e fomos obrigados a desvalorizar o escudo e a subir as taxas de juro, os salários perderam poder de compra. Ou seja, houve de facto redução de salários – só que encapotada. Porque tínhamos poder sobre instrumentos económicos como as taxas de juro e a moeda, o que hoje não acontece. E portanto, a correcção terá que ser feita às claras. E como é sobre a função pública que o Governo tem controlo, e é a função pública que serve como referência para toda a economia, é aí que se tem que actuar… Provavelmente com uma actuação diferenciada, isto é, com reduções proporcionais aos níveis salariais, o que permitirá que os salários mais baixos não sejam afectados. E com os decisores políticos a dar o exemplo! Como ainda recentemente aconteceu na Irlanda.

E também na área social não será possível deixar de congelar e impor tectos em diversas prestações sociais não contributivas.

(…) Creio que será inevitável que estas opções ou opções parecidas com estas sejam tomadas em Portugal. São duras?... Claro que sim! E sei que será difícil explicá-las a uma população que já está cansada de fazer sacrifícios e que ainda não viu chegarem os resultados (...).

“Das leituras e da medicina”

Gonçalo M. Tavares, o escritor português que nos tem dado muitas alegrias, e honra como poucos a língua e a literatura portuguesa, escreveu, hoje, no DN, um editorial que merece alguma análise. Ao ler o título, “Das leituras e da medicina”, mergulhei com curiosidade no pequeno e elegante texto. Vale a pena lê-lo.
De acordo com o autor, médicos responsáveis não deviam limitar-se a “órgãos que ainda estão vivos”, deviam colocar, após à questão, “o que é que come?”, outra, “o que é que lê? "e que imagens é que vê habitualmente?”.
A partir daqui, e muito bem, realça a importância da cultura, da leitura, da apreciação de quadros, de filmes, de tudo o que alimenta e revoluciona o pensamento, obrigando o cérebro a trabalhar e a contribuir para a saúde e bem-estar dos cidadãos. Concordo plenamente com esta abordagem. No final do texto pergunta onde estará esse médico capaz de tão salutar ação terapêutica ao aconselhar “dietas intelectuais”? “Provavelmente não existe”.
Quando li este editorial estava sentado no consultório prestes a iniciar mais uma jornada. Ao meu lado esquerdo tinha acabado de depositar três livros, livros que me acompanham por toda a parte, à espera de algum momento de ócio. Gosto de aproveitar breves ou longos minutos para ler algumas páginas, às vezes leio apenas uma, outras, nenhuma.
Ao acabar de ler, fui obrigado a rever mentalmente os doentes e os trabalhadores que, por força da lei, têm de se sujeitar a exames. Concluí que muito dificilmente poderia prescrever um livro ou qualquer manifestação cultural. Quem convive com os cidadãos, nas circunstâncias em que um médico os observa, sabe da impossibilidade deste tipo de terapêutica. Ao fim do dia queixo-me frequentemente do baixo nível cultural da população portuguesa, da dificuldade em transmitir certas informações, da incapacidade em aceitarem conselhos simples, básicos, elementares, para não falar na baixa adesão à terapêutica e às dramáticas insuficiências económicas. São apenas os mais velhos os atingidos? Não, os de meia-idade e os mais jovens também manifestam estas características. Quando vejo um doente ou um trabalhador com um livro, aproveito a ocasião para tecer alguns comentários e enveredar por um diálogo cultural, mas é muito raro. Como se pode fazer terapêutica literária, se nem a outra conseguimos? Mas o problema só está no lado dos cidadãos que vão ao médico? Não, também existe um problema deste lado. A formação dos médicos é cada vez mais intensa e complexa e, praticamente, todos os esforços formativos são direcionados para a componente técnica, descurando-se a parte humanística, irmã siamesa da prática médica. Foram separadas, infelizmente. Tenho tentado, nas minhas atividades docentes, realçar a importância desta faceta. Em vão, talvez por incapacidade minha ou talvez pelos motivos já enunciados. É pena esta dissociação, porque a medicina foi, ao longo dos tempos, um importante alfobre da cultura.
Olho para as três obras em cima da minha secretária, “Mariana Sirca”, de Grazia Deledda, “A saga de Gosta Berling”, de Selma Lagerlof e “Os peixes também sabem cantar”, de Halldór Laxness” e penso: - De bom grado daria um destes livros. Entretanto, uma colega, em conversa informal, perguntou-me qual dos três andava a ler. Respondi: - Os três ao mesmo tempo. Ao ver a sua admiração disse-lhe: - É uma questão de gastronomia intelectual, os livros também têm sabores diferentes, e, ao passar de um para outro, consigo ter um prazer difícil de explicar.
Dificilmente conseguirei prescrever “dietas intelectuais”, como aconselha Gonçalo M. Tavares, e, por isso, prefiro embebedar-me com belas obras, o que me fez relembrar Baudelaire, “É preciso que vos embriagueis sem tréguas. Mas de quê? De vinho, de poesia, ou de virtude, à vossa vontade”, ou, se quisermos ser um pouco mais comedidos, e citando Flaubert, “Embriagar-me com a tinta vale mais do que embriagar-me com aguardente”. É o que eu preciso neste momento...

Crise na Europa? Mas qual crise?...

1.Aquilo a que tenho aqui apelidado “retórica da desculpabilização” – a utilização das desculpas mais variadas, por porta-vozes ou “opinion-makers” afectos ao regime para imputar a terceiros a responsabilidade pelas graves consequências dos erros de política próprios – constitui hoje uma tarefa dominante ou mesmo obsessiva.
2.Todos os dias somos bombardeados com novos afloramentos dessa “retórica da desculpabilização”, que assim procura confundir os cidadãos, tentando leva-los a acreditar, por exemplo, que as dificuldades que estamos suportando (e que vamos continuar a suportar, com acrescida gravidade) têm sobretudo uma origem externa...
3.Numa das modalidades mais em uso, muito frequente por exemplo em debates televisivos, é normal ouvir-se a referência a uma crise da Europa, em particular da zona do Euro... “que diabo, isto é uma crise europeia, não somos só nós” (refrão)...
4.Fica assim “explicado” que as nossas dificuldades são mais ou menos comuns aos restantes países europeus, o que assegura naturalmente absolvição dos graves erros de política que nos lançaram neste calvário de dívidas e que nos vão endividando mais e mais...
5.Em recente mensagem natalícia, num estilo realmente incurável, foi-se ao ponto de explicar que todos os países da Europa foram obrigados a “rever as suas agendas” - formula redonda, mas hábil, de lavar as causas, sobretudo domésticas, dos problemas gravíssimos que enfrentamos...
6.Estamos em presença de um gigantesco exercício de desinformação, que recorre a todos os meios e que conta com uma colaboração activa ou passiva da generalidade dos “media”, sendo muito poucos aqueles que lhe resistem.
7.Recordei-me deste gigantesco exercício de desinformação quando li, na edição do F. Times do pretérito dia 19, um interessante artigo de Tony Barber (“Expect adventures in euroland until leaders craft a plan”), no qual parodia a ideia de crise na Europa.
8.Barber cita a Alemanha, que representa cerca de 30% do PIB da zona Euro, cuja economia deverá crescer este ano cerca de 3,5%, graças sobretudo ao desempenho das suas exportações (sendo que, conjuntamente, os mercados de Portugal, Grécia e Irlanda não chegam a 2% dessas exportações...) e em que a confiança dos empresários apresenta, no corrente mês, o valor mais elevado desde...Janeiro de 1991!
9.Barber questiona, com humor, essa falsa ideia de crise na Europa, reconhecendo que a crise existe em alguns países, sim, fruto do enorme desequilíbrio das suas economias e do sobre-endividamento...e que essa crise pode ainda agravar-se se não houver uma resposta convincente da parte dos lideres europeus.
10.Aqui chegados, é pois altura de perguntar aos habituais porta-vozes e “opinion-makers” do regime: onde é que está a crise económica da Alemanha? E a da Austria, da Holanda, da Finlandia, do Luxemburgo, da França, da Bélgica, da Eslováquia ou mesmo da Itália? E que “mudanças de agenda” são esses países obrigados a fazer (a não ser trocar a de 2010 pela de 2011...)?