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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Hoje é o dia da minha Cidade...


...uma cidade daquele interior que só é lembrado quando há eleições ou quando acontece uma desgraça, que há muito não sabe o que é viver sem crise mas encontra na tradição e nos costumes a força para continuar viva. Por isso a sua romaria é a Romaria de Portugal, do Portugal que resiste com alegria, apesar de tudo.

"Sobre-si"

Há expressões sedutoras que nos obrigam a refletir, por serem belas, por encerrarem sons poéticos, pela raridade na sua utilização, por algum arcaísmo, por serem de utilização regional, enfim, pelos mais variados motivos. Quase que me apetece agarrá-las e não as largar mais. Foi o que aconteceu com uma passagem da "Corte do Norte", de Agustina Bessa Luís; "- Está muito magra e come limões verdes. Tomara que não esteja sobre-si. Sobre-si era a maneira cautelosa de a intitular meio louca".
Muitos concidadãos andam tristes, aumentando o seu efetivo cada dia que passa. Nota-se uma certa indiferença, um estranho deixa andar, já não conseguem manifestar angústia, andam simplesmente atordoados pelas manigâncias, incompetências e interesses mais ou menos obscuros de muitas pessoas e instituições que, por esse mundo fora, sempre conduziram este planeta na mais pura das aversões ao que deveria ser o superior interesse dos seres humanos. Mas a culpa não se cinge aos de "fora", cá dentro não faltam dignos representantes de tão predadora fauna, alguns capazes de fazerem inveja aos demais.
Deposita-se a esperança sucessivamente em grupos e pessoas que, muito rapidamente, acabam por defraudar, acabando por se esgotar os recursos humanos dignos de transformações sociais e económicas capazes de minimizar o sofrimento de muitos.
O desemprego, as faltas de apoios, os cortes anunciados em áreas vitais, as medidas anunciadas com um dramatismo teatral, que vão de encontro ao que se esperava, não se acompanhando de pinceladas, ainda que descoradas, de algum otimismo, dão cabo de muitos de nós. Se a situação atual é confrangedora, o futuro perde-se, por sua vez, em densas neblinas incapaz de estimular a criatividade e acalentar esperanças, nem mesmo a solidariedade manifestada por muitos consegue acalmar o desabrochar de algumas reações a apontar para a violência. Sempre ouvi dizer que os mansos também marram e quando o fazem não é com a nobreza esperada de um animal selvagem, acompanha-se de outro tipo de selvajaria, a humana, que tem tudo menos nobreza.
A saúde está a ser alvo de "restruturação", um eufemismo cínico, devido a sequelas de políticas meio loucas seguidas ao longo do tempo, mas não é só na área da saúde, esta é apenas um exemplo dos mais dolorosos porque deixa marcas quer na alma, quer no corpo, e se as da alma já atormentam, então o que dizer quando se associam as físicas.
Parece que querem deixar de comparticipar as "pílulas" e algumas vacinas! Será verdade? E logo dois grupos de produtos altamente eficazes com impactos mais do que reconhecidos em termos de prevenção. Sim, prevenção, não se trata de curar, mas de prevenir doenças e evitar a contraceção. Um sinal inequívoco de retrocesso civilizacional. Presumo, não posso passar da presunção (!) de que a loucura anda a germinar forte e feio, mesmo em áreas em que não seria previsível.
As medidas de austeridade que foram enunciadas pelo ministro das finanças provocou uma certa confusão na cabeça de Mário Soares, que "para dizer a verdade não percebi", disse à entrevistadora. E vai mais longe, afirmando: "Acho que não sou destituído. Já tenho provado que não sou destituído, mas não sei onde quer chegar, nem onde vai e o que pretende". Uma boa frase que pode tanto servir ao atual ministro das finanças, como ao próprio país, como aos políticos que nos governaram, entre os quais, naturalmente, se poderá o próprio incluir. No fundo não passam de loucos, que não andam magros e nem comem limões verdes, obrigam-nos a emagrecer e a comer o amargo citrino. "Tomara que a população portuguesa não venha a ficar sobre-si”, mas se ficar, e mesmo que se aponte para os responsáveis, o que é que irá acontecer? Nada muito diferente do que sempre se verificou. "A miséria fez-se para os mortos", coisa que os menos escrupulosos, crápulas e predadores natos não se cansam de provocar, a coberto de "princípios", ideologias, doutrinas e outras coisas...

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Os 946 milhões de dívida da "learninstreet"

A Parque Escolar foi fundada em 2007, há apenas 4 anos, para requalificar e gerir as escolas do ensino secundário. Pois, segundo o Público de hoje, já está no top 6 do endividamento, com uma dívida de 946 milhões de euros, logo a seguir à TAP ( 1,3 milhões) e antes da RTP(717 milhões)!..
Endividamento bem à medida da “visão” que a Parque Escolar tem das escolas, uma “visão” em focada em quatro grandes dimensões:
a) “uma escola descentrada da sala de aula, em que os alunos se espalham por espaços informais, com os seus computadores portáteis, cruzando-se com os professores na biblioteca e discutindo…”
b) “…uma escola com espaços mais informais, uma “learningstreet”, locais para pequenas exposições de trabalhos e, acima de tudo, uma biblioteca, que passa a assumir um lugar central, com jornais, revistas, computadores, Internet…”
c) ”…uma escola levada para fora dos seus limites físicos, trazendo para dentro as pessoas de fora…”
d) “uma escola com um novo conceito de ensino centrado no trabalho corporativo, em vez de centrado no aluno”.
Tudo, pois, bem clarinho. A Parque Escolar a interpretar bem os objectivos dos grandes pedagogos do Ministério da Educação. Na nova escola, as salas de aulas, um aborrecimento, deixam de ser o centro e ficam na periferia. Até serem abandonadas, por obsoletas. Por isso, na "learningstreet”, o espaço nobre, não há lugar para salas de aulas: há vários estabelecimentos, mas nada de salas de aulas. Porque o objectivo é trazer as pessoas de fora para dentro, e ninguém vai à escola para ter aulas. Passa a aprender-se na rua, como no tempo de Sócrates, o velho. Temos que concordar: uma escola pública é para toda a gente e os alunos só irão lá se couberem. E os equipamentos podem ser alugados à hora e à peça. E em Junho haverá até sardinha assada.
Certamente para ajudar ao novo conceito de ensino centrado no trabalho corporativo, em vez de centrado no aluno. O que está certo, pois se o aluno passa por definição para quê trabalhar com o aluno...
Com tão belos propósitos, o endividamento só podia ser grande. Estão desculpados!...Foi tudo A Bem da Nação.

E não é que, subitamente, o natural abuso tornou-se também insustentável?!

Posso até concordar que é desproporcionada por excessiva a publicidade dada a estas orientações dos membros do governo, com especial destaque para a MAMAOT. Mas reconheço-lhes, para além da carga simbólica e exemplar, a virtude de chamar a atenção para aquilo que devem ser elementares boas práticas na gestão dos recursos do Estado, não só por razões ambientais mas também por respeito para com os contribuintes. Para além dessa face inegavelmente positiva, estes despachos têm um tremendo alcance de denúncia. Denunciam, na verdade, práticas desde sempre toleradas como normais, apesar de abusivas. Uma ministra vir dizer num despacho com honras de publicidade no Diário da República e nos media, que as viaturas de serviço só podem ser utilizadas para o serviço, não deixa de ser extraordinário. Tão extraordinário quanto revelador da triste realidade que torna necessário o ministerial despacho.

ISLÂNDIA: notável recuperação, com FMI e correcção cambial...*

1.O FMI divulgou há poucos dias o relatório da 6ª e última avaliação do Acordo de Stand-By (SBA) celebrado em Novembro de 2008 com a Islândia, no qual dá conta do considerável sucesso que constituiu a aplicação do Programa de Ajustamento executado no âmbito daquele SBA.
2.Como alguns comentadores do 4R sabem muito bem, a Islândia foi um dos países mais atingidos pela crise financeira ocorrida no 2º semestre de 2008, sofrendo uma crise bancária de anormais proporções a qual viria a arrastar uma crise de pagamentos ao exterior e uma duríssima recessão económica.
3.Com o objectivo de superar as consequências dessa crise a Islândia solicitou a ajuda do FMI, vindo a celebrar com este, em Novembro de 2008 como atrás referido, um SBA através do qual o Fundo lhe concedeu um apoio financeiro de USD 2,2 mil milhões tendo como contrapartida o cumprimento dum programa de estabilização.
4.Como dados mais relevantes da evolução registada nos quase 3 anos de vigência do SBA, apontam-se os seguintes:
- O activo total do sector bancário que, no final de 2007 equivalia a quase 1.000% do PIB, mostrava-se no final de 2010 reduzido a menos de 200% do PIB, com especial relevância para o emagrecimento dos bancos de poupança cujos activos passaram de 50% para 4% do PIB;
- O número de bancos passou de 23 antes da crise para 14 actualmente, em resultado de um processo de liquidações e de fusões em que credores não preferenciais (nomeadamente não residentes) tiveram que suportar perdas de capital;
- A Krona islandesa sofreu desvalorizações de 20,7% ainda em 2008 e de 18,4% em 2009sem que isso tivesse grande impacto na inflação o que permitiu uma forte recuperação das exportações líquidas de bens e de serviços, de +11,3% em 2008 e de +11,9% em 2009,sustentada no crescimento das exportações e numa acentuada contracção das importações;
- A taxa de desemprego saltou de 1,6% em 2008 para 8% em 2009 e em 2010, esperando-se uma melhoria no corrente ano;
- O saldo da balança de pagamentos correntes com o exterior passou de -23% do PIB em 2008 para -11,7% em 2009 e -10,2% em 2010, esperando-se já um superavit já em 2011;
- O PIB afundou -6,9% em 2009 e -3,5% em 2010, esperando-se no corrente ano uma inversão, com crescimento de 2,3%;
- Os salários reais caíram -7,5% em 2008, -10,1% em 2009 e -2,2% em 2010...esperando-se já uma recuperação em 2011 (de +1,9%);
- O saldo das contas públicas passou de um superavit de 5,4% do PIB em 2007 para um défice de 0,5% em 2008, de 8,6% em 2009 (custos da crise bancária) e de 5,4% em 2010, devendo baixar no corrente ano para 3,3% embora com saldo primário já positivo.
5.Poder-se-ia alinhar mais uma bateria de dados mas estes parecem suficientes para dar uma ideia muito clara da dimensão do problema sofrido pela Islândia bem como da notável recuperação conseguida – e conseguida graças à adopção de um duríssimo programa de ajustamento, bem mais duro do que aquele que estamos nesta altura a suportar em Portugal, incluindo uma forte desvalorização cambial, medidas de contenção orçamental e uma política monetária bastante restritiva:FMI “à la carte”, dir-se-á...
6. Uma das componentes decisivas desse programa – a desvalorização cambial – não é obviamente possível entre nós pelo que, no nosso caso, o principal esforço de ajustamento terá que ser orçamental…
7. …com uma ajuda “trôpega” da política monetária, pois sendo certo que entre nós a política monetária se tornou bastante restritiva, ela estará a atingir com especial dureza as empresas e sectores mais expostos à concorrência, o que deixa sérias dúvidas quanto à sua contribuição para o combate à crise…
8. Um exemplo notável de recuperação, o da Islândia – mas com a ajuda da moeda própria, como já aqui tenho referido…sem moeda própria teria sido impossível em 3 anos apenas chegar onde chegou, partindo de onde partiu…

* À especial atenção da ilustre Comentadora Anthrax...

terça-feira, 6 de setembro de 2011

O problema das gorduras...

Por cá, continua a febre dos impostos. O Bastonário da Ordem dos Médicos veio defender a criação de um imposto sobre a fast food. Alguns países europeus já aplicam este tipo de imposto sobre alimentos que têm elevados teores de gordura, açúcar e sal com vista a combater a obesidade. Esta penalização funciona como um incentivo para que as pessoas se alimentem de forma mais saudável, reduzindo assim um problema de saúde pública que é a obesidade e que custa muitos milhões de euros aos contribuintes.
A Hungria introduziu recentemente um imposto especial sobre este tipo de alimentos. A obesidade atinge 18,8% da população e o governo espera arrecadar um suplemento de receitas que serão aplicadas no serviço nacional de saúde. A ideia é que “todos os que vivem de modo pouco saudável têm que contribuir mais para o país”.
Mas este tipo de imposto tem estado em “banho-maria” em outros países, perante os receios de que penalize as populações mais pobres. As famílias com menos recursos teriam tendência para se defender do agravamento do custo dos alimentos, optando por produtos mais baratos com consequências mais gravosas para a saúde.
Sensibilidade social precisa-se num momento em que as dificuldades económicas e sociais estão a aumentar. Esta perspectiva não deve deixar de estar presente nas decisões fiscais. Brevemente teremos um novo agravamento do IVA que não deixará de fora produtos alimentares.
Concordo que a sustentabilidade de um sistema passa por combater o desperdício e a despesa inútil. São duas realidades que durante anos não pararam de crescer, símbolo de uma sociedade feita para o consumo e o facilitismo sem limites. Mas o imposto não é, nem pode ser, a única via para combater a “gordura”. Também o sistema fiscal tem uma sustentabilidade própria da qual se começa a duvidar, tal é o peso dos impostos no rendimento disponível das famílias. O ajustamento também passa por fazer uma cura de emagrecimento de hábitos e comportamentos desadequados e por ajustar os estilos de vida às reais possibilidades. Reeducar e educar precisa-se. É pena que não se possa lançar um imposto sobre a gordura do Estado, mas que não fosse pago pelos contribuintes...

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Para o PS, buraco só é bom se for grande!...

Vejam lá como as coisas são!
Perante a gritaria do PS sobre o colapso financeiro da Madeira, fiquei a saber que a “boa” política do PS foi boa para o País, mas estava vedada à Madeira; e que a má política da Madeira foi, afinal, a que o PS aplicou ao país.
Inexoravelmente, com o mesmo fim: mendigar o sustento do dia seguinte.

Nota: Para que não fiquem dúvidas, tanto condeno o despesismo desenfreado do Governo socialista como o do Governo social-democrata da Madeira.

domingo, 4 de setembro de 2011

Desgraçado povo!

Hoje, num dos jornais da SIC Notícias, o omnipresente comentador Luís Delgado afirmou, e cito de cor, mas creio que o sentido está certo, que num tempo em que, mais do que nunca, se justificavam medidas de apoio do Estado à economia, era nesse mesmo tempo que o Governo português restringia a despesa pública. Ao invés dos EUA que, segundo Delgado, vão continuar com os estímulos estatais.
Eu pensava que a asneira económica pudesse fazer uma pausa, ligeira que fosse, depois do chorrilho dela que colocou o país na situação que está. Para Delgado não bastou já a despesa que nos levou ao desastre. Quer mais.
Desgraçadas televisões, desgraçados comentadores. No fim, são elas e eles os grandes educadores do povo. Desgraçado povo!...
Nota: O mesmo comentador justificava há uns meses o descalabro orçamental com estas palavras, e também cito de cor: Sócrates não tinha alternativa, já que todos nós, comentadores, preconizávamos mais despesa como forma de crescimento da economia...

A crise do dever. Manifestações.

O ´Publico´ de hoje publica um extenso dossier sobre as ´secretas´ portuguesas, um dos temas mais apetitosos para os media. De facto, há algo mais estimulante para quem tem de noticiar para vender publicidade, do que transformar matéria muito séria numa novela de espiões? Do que desvendar  os desvios de organizações criadas actuarem discretamente?
O trabalho jornalístico sobre os serviços de informações da República visa sublinhar a ideia com que abre uma das caixas a partir do depoimento de um dos muitos especialistas nacionais, surgidos ultimamente, sobre os serviços de inteligência: "estes serviços, aparentemente, têm acomodado mais interesses diversos do que servido directamente o interesse nacional". O assunto tem muito que se lhe diga muito para além da superficialidade como vem sendo assim tratado no espaço público, sobretudo no plano  da interferência das actividades de recolha e tratamento de informações com os direitos, mas sobretudo com as liberdades e garantias dos cidadãos. Mas para além da leveza com que é abordado pelos media que dão voz a inúmeros novos gurus, o que mais choca é uma notória ausência do sentido do dever de gente que se supunha estar consciente da necessidade de a ele permanecer estritamente vinculado. E isso explica muito. A mesma edição do ´Publico´ no intuito de sublinhar a ideia essencial que perpassa pelo dossier, foi ouvir um "antigo alto responsável". Pois bem, essa personalidade não se coibiu de fornecer ao jornal a sua interpretação de factos que confirmam a tese. Mas não o fez de cara destapada. Fê-lo sob anonimato pois, segundo o ´Publico´, solicitou que assim fosse "devido ao dever de sigilo". Veja-se bem que sentido do dever tem este ex-alto responsável de serviços tão sensíveis como os de inteligência: para ele a obrigação de sigilo não o impede de falar sobre as matérias em que interveio. Impede-o de dar a cara! Eis uma prova mais que o problema não está nem na lei nem na organização das instituições. Está em quem as corporiza. Nenhuma razão existe para pensar que esta personagem de cara coberta, aparentemente afastada dos serviços, não teria do dever de sigilo o mesmo entendimento quando era um alto responsável no activo.

Premonição

É dona de um sorriso sereno e consegue transformá-lo num encanto quando termina as curtas frases, enchendo-o de timidez, de alegria, de dúvidas, de muitas interrogações e poucas exclamações. E o timbre? Suave, doce e sem arestas. Conheço alguma coisa da sua vida. Nos últimos tempos, um revés familiar esfacelou-lhe a alma. Sofre, intensamente. A dor obriga-a a falar. Calo-me, ouço e sinto que é a altura em que o tempo desaparece, não o sinto. Conta-me o sucedido, não de forma chorosa, mas através de algumas reflexões e interrogações. Delicada, manifesta amiúde preocupação em estar a roubar-me o tempo. Informo-a, através de monossílabos, ou de alguns gestos, de que não está, que pode e deve continuar a falar, com receio de que perca o raciocínio e análise. A morte da nora, ocorrida pouco tempo após diagnóstico de doença maligna, apanhou-a de surpresa, provocando-lhe um mal-estar e uma sensação de perda que se mantém. Não conheci a familiar, mas seria decerto alguém muito especial em termos de caráter, de ação e em beleza. Sintetizo desta forma as longas conversas que vamos mantendo desde a altura em que soube que estava doente, e já passou algum tempo. O que me incomoda é não conseguir dar resposta às suas interrogações, de alguém que já viu e sentiu o que era a morte. Viveu a morte dos pais, de irmãos, de sobrinhos, de uma neta, precisamente a filha da nora, de muitos familiares, de colegas, de amigos, enumerou-os às carradas. Ao terminar o parágrafo de obituária, sorriu, como que dizendo: não poderia ser de outra maneira, não é verdade senhor doutor? O que é que se pode esperar de alguém que já chegou aos 91 anos? Diz a minha amiga que não consegue compreender as razões para este sentimento de perda, apesar de ter tido muitas vivências com a morte. Não consigo perceber por que é que eu sinto isto. Já passei por tantos casos! Eu sei que estou perto de ir, não me preocupo muito, tem de ser, mas não consigo entender porque é que a G. desapareceu. Não consigo! O seu sorriso intensificou-se, ligeiramente, como sentisse vergonha de estar a confidenciar algo muito pessoal. Eu acredito que há qualquer coisa do lado de lá, que a vida não se restringe apenas àquilo que nós vemos e nos rodeia. Acredito que há alguém que tenha criado o mundo, as pessoas, as estações do ano, bem é certo que as estações já não são o que eram, riu-se, ao ter consciência da irregularidade temporal. Eu acredito que vou encontrá-la e que deverá estar bem. Neste momento, o seu belo sorriso encheu-se de alguma inquietação e interpelou-me, não acha que é assim senhor doutor? Confesso que não estava à espera da pergunta. Respondi-lhe que estas matérias são do foro pessoal e que as crenças são merecedoras do maior respeito. Senti que não a defraudei, porque continuou com algumas descrições de passagens pessoais, continuando a dizer que não percebia porque é que continuava ao fim de tantos meses após o passamento a sentir estas coisas, embora esteja muito melhor. Agora ela está no sarcófago com a filha ao lado, mas em cinzas. Sabe, também não consigo entender, nem sei bem como foi feito, a cremação. Custa-me tanto imaginar a entrar no forno com aquela cara tão bela a ser destruída pelo fogo e agora ali em cinzas... E eu para aqui a roubar-lhe o tempo, senhor doutor. Não rouba nada. Sabe, sinto-me melhor depois de falar consigo. Também eu! Pensei. Em seguida, formalizei o receituário, expliquei-lhe a inocuidade de alguns sintomas e acompanhei-a ao longo do corredor, prolongando a conversa com coisas circunstanciais e cogitando quanto tempo restará para podermos conviver desta forma. Senti uma estranha angústia, uma sensação de perda. Premonição?
Não sei porquê, mas acabei por associar esta conversa com um artigo sobre Derek Parfit, um filósofo que explica que o egoísmo racional pode ser transformado em altruísmo universal. No fundo pretende ensinar como é possível ser-se bom. Tudo passa pelo facto da identidade pessoal se transformar ao longo do tempo, acabando por sermos diferentes daquilo que éramos no passado, logo, todo o investimento com o objetivo de beneficiar o que viermos a ser no futuro, à custa de sacrifícios no presente, não é mais relevante do que o investimento que se faça no presente em relação a outros. A síntese doutrinária, de tão ilustre pensador, talvez explique as razões da "incompreensão" da minha doente, é que a sua identidade é diferente do que era, e ela não sabe, mas também não lhe disse. A minha identidade, com toda a certeza, está a transformar-se e a minha amiga tem a sua quota-parte, nada pequena...

sábado, 3 de setembro de 2011

AR sem espaço para reduzir despesa em menos de 15%?

1.Em Post editado no mês passado,discorri sobre a hipótese de um corte de 3 a 5% no orçamento da AR para 2012 que havia sido anunciado por uma alta responsável administrativa da Assembleia.
2.Referi então que me parecia muito insuficiente um corte de apenas 3 a 5%, uma vez que (i) havia a noção de que o Governo iria exigir cortes mais substanciais em muitos serviços e fundos autónomos e tb em empresas públicas e que (ii) caberia à AR dar o exemplo ao País nesta fase de enorme aperto financeiro em que nos encontramos e que está exigindo sacrifícios significativos a quase todos os cidadãos.
3.Assistimos entretanto àquilo a que se poderá chamar de “tsunami” fiscal, que nos atingiu com especial intensidade na semana passada, culminando o anúncio de um conjunto de medidas de agravamento tributário para a generalidade dos portugueses e tb (muito discutivelmente atento o estado da economia) para as empresas.
4.Esse “tsunami” fiscal, se bem que possa ser justificado pela necessidade absoluta de conter o défice orçamental em não mais de 5,9% do PIB, não constituiu propriamente uma “obra prima” em termos de mensagem política, tendo suscitado críticas mesmo dentro da base de apoio do Governo.
5.A situação política que daí derivou e que estamos agora a viver, coloca uma enorme pressão sobre o Governo para que mostre, de forma iniludível, que vai mesmo cortar na despesa, "a torto e a direito", assegurando por essa via uma fatia majoritária do esforço de ajustamento orçamental em 2012 e seguintes…
6.O Governo vai por isso ter de impor à generalidade dos serviços integrados, bem como aos fundos e serviços autónomos, e ainda às empresas públicas, cortes na despesa que deverão exceder largamente os cosméticos 3 a 5% que a AR se preparava para apresentar…
7.Não tenho dúvidas em dizer que um corte de 3 a 5% no orçamento da AR seria nesta altura uma AFRONTA aos portugueses, colocando a AR numa posição insustentável de descrédito…
8.Concluo pois que a AR parece não ter nesta altura espaço político para reduzir as suas despesas em 2012 em % inferior a 15%...aguardemos para ver…

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Os homens que deviam ser ouvidos

"Eu vejo isto: há 20 anos eu recrutava uma secretária com o 12º ano, neste momento tenho que recrutar uma licenciada, porque quem me aparece com o 12º ano, infelizmente, já não está ao nível das necessidades... Temos um país mais ignorante do que há 20 ou 30 anos e o potencial de enriquecimento foi enfraquecido".
Peter Villax, em entrevista ao jornal i de hoje, 2 de setembro.
Aliás, uma excelentíssima entrevista.
Peter Villax é um grande empresário, Vice-Presidente da Hovione e filho dos fundadores. A Hovione é uma empresa de princípios activos farmacêuticos, tem sede em Portugal, factura 100 milhões de euros e tem fábricas em Portugal, Irlanda, EUA e China. Sabe do que fala. Considera ainda que o Instituto superior Técnico é uma das melhores escolas de engenharia do mundo: eu sei, diz, porque temos na Hovione engenheiros das melhores escolas do mundo.
Fora do mundo industrial mais avançado, dos meios muito bem informados e das escolas de engenharia alguém conhece Peter Villax? Alguma televisão ou rádio se interessa pelo que pensa e diz? Ou pelos que, como ele, poderiam influenciar decisivamente a maneira de pensar e agir e a cultura instalada? Claro que não: o lugar é sempre dado aos papagaios. Os mesmos de sempre.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

"Trazos de una realidad global desconcertada"

Interessante artigo assinado por Manuel Escudero no El País de hoje sobre os traços que em seu entender moldam uma nova era mundial, chamando a atenção para a necessidade de levar por diante a grande e fundamental tarefa social de nos desprendermos das crenças prevalecentes e de fazermos um esforço para ver a realidade tal como ela é.
Já tenho dado comigo a pensar e a tentar adivinhar a nova ordem económica, social, financeira e política que se está a desenhar. Para onde vamos? Vivemos tempos de grandes desequilíbrios e as soluções terão agora que ser encontradas numa escala mundial ao invés da escala local ou regional a que estávamos habituados. Já não é mais possível pensar "pequeno". O global tomou conta de nós. Como vamos resolver os nossos problemas e os dos outros?
Todos os traços são importantes para construir a fotografia da realidade global, mas achei particularmente bem apontado o traço 5:
5. También ha cambiado un aspecto extraordinariamente importante de la fábrica social: la generación de legitimidad. La legitimidad -la licencia moral para operar- proviene de la opinión pública (Habermas). Pero en nuestros días la opinión pública no es solamente generada por los medios locales-nacionales de comunicación sino, sobre todo, por las redes sociales globales: una cantidad exponencialmente creciente de análisis, opiniones, comentarios y enlaces generados por los propios usuarios. A través de Internet y sus plataformas (Twitter, Likedin, Facebook, Google, blogs, etcétera), un número creciente de ciudadanos de a pie se han convertido en una poderosa fuente de reflexividad (Giddens), de creación rápida de estados de conciencia y de legitimidad tanto para los poderes públicos como para los privados.

Ir à despesa...e sair tributado?

1.Tinha-se criado uma enorme expectativa em relação à declaração ontem apresentada pelo Ministro das Finanças, antevendo-se o anúncio de “cortes históricos” nas despesas das Administrações Públicas em 2012 e seguintes...
2.A declaração surpreendeu-nos, uma vez que acabou por ser bem mais concreta em matéria de tributação – mais tributação, claro – do que em matéria de cortes nas despesas do Estado (em sentido amplo).
3.Em matéria de tributação temos então uma sobretaxa – aplicável a título extraordinário em 2012, se bem percebi – sobre os rendimentos mais elevados sujeitos a IRS, bem como sobre os lucros das empresas na parte em que excedam € 1,5 milhões.
4.E temos ainda redução da despesa fiscal, que significa agravamento dos impostos a pagar em sede de IRS, sob a forma de cessação de deduções com despesas de saúde e na reparação de imóveis, entre outras.
5.Curiosamente nada foi dito, que eu tenha reparado pelo menos, no que respeita às tão esperadas alterações (agravamentos) em sede de IVA...e não vi ninguém comentar esse ponto...
6.Quanto à DESPESA, algumas orientações gerais sobre as despesas com pessoal e com a aquisição de serviços, com especial saliência para o congelamento total (mesmo que existam progressões de carreira, não poderão ter consequências financeiras foi o que percebi) das despesas com pessoal nos próximos 2 anos pelo menos...
7.Regista-se a intenção de redução dos efectivos na Administração Central em 2% ao longo de 2012, o que deverá acarretar alguma poupança desde que consigam conter eficazmente as novas admissões...mas cabe perguntar: e quanto às demais Administrações, Regional e Local, não há redução de efectivos?
8.Uma nota de pitoresco sobre a declaração do Ministro em relação à situação financeira da Madeira: INSUSTENTÁVEL foi a expressão utilizada, bastante forte sem dúvida, “tiro o chapéu” ao Ministro...Mas para ter dito isto em público, imagino o que o Ministro será capaz de dizer em versão privada...
9.A conclusão interessante é que, não deixando de ser importantes as medidas de contenção da despesa – que agora terão de ser devidamente especificadas nas diferentes rubricas do OE/2012 – ficou-me a sensação de “ir à despesa e sair tributado”, para citar, em versão orçamental, o velho ditado...

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O ambiente e as pessoas

Eu pensava que a defesa do ambiente se destinava preservar e a aumentar o bem-estar do ser humano, e não constituía nenhum valor em si, ou nenhuma finalidade de per si. Hoje de manhã, fiquei a saber o contrário, num destes programas da rádio de defesa do ambiente.
Contava a autora que a sílica era usada no processo de fabrico utilizado pela indústria de confecções para tornar os jeans rotos ou com ar de usados, antes de serem postos à venda. Como a sílica constituía um atentado ao meio ambiente, os consumidores deveriam abster-se da compra desse tipo de jeans. E terminava: o ambiente agradece.
Portanto, aí está a mensagem: não comprar esse tipo de jeans, porque faz mal ao ambiente; que faça mal às pessoas, isso não tem qualquer importância.
Percebe-se o que a menina queria dizer. Mas utilizar o ambiente como razão final e não as doenças que a sílica causa a quem a ela fica exposta vem apenas comprovar que, lá no fundo, as pessoas são uma segunda ou terceira derivada no mundo dos ambientalistas. Porque o ambiente está acima de tudo.

Vargas Llosa e a Jornada Mundial da Juventude

Excelente, o artigo de Mario Vargas Llosa no El País de hoje, sobre a Jornada Mundial da Juventude. Aqui fica um excerto:
" Es esto bueno o malo para la cultura de la libertad? Mientras el Estado sea laico y mantenga su independencia frente a todas las iglesias, a las que, claro está, debe respetar y permitir que actúen libremente, es bueno, porque una sociedad democrática no puede combatir eficazmente a sus enemigos -empezando por la corrupción- si sus instituciones no están firmemente respaldadas por valores éticos, si una rica vida espiritual no florece en su seno como un antídoto permanente a las fuerzas destructivas, disociadoras y anárquicas que suelen guiar la conducta individual cuando el ser humano se siente libre de toda responsabilidad".

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Terá pernas para andar?

Interessante a defesa da aplicação de um imposto que tribute a degradação dos recursos naturais e a poluição. Os números avançados impressionam. Se “Portugal aplicasse uma taxa de carbono de 10 euros por tonelada, sobre todas as emissões nacionais de CO2, “a receita obtida era a mesma” que a obtida pelo imposto extraordinário que vai cortar 50 por cento do subsídio de Natal dos portugueses”. A medida apresentada permitiria substituir e reduzir os impostos sobre o rendimento, aliviando a carga fiscal que incide directamente sobre o rendimento disponível das famílias e das empresas, e poderia constituir um incentivo para que as actividades económicas adoptassem procedimentos que reduzissem nos processos produtivos a emissão de CO2, contribuindo desta forma para o desenvolvimento sustentável, preservando o ambiente e protegendo os recursos naturais.
Evidentemente que a aplicação do imposto requer estudo e como tal tempo. Não é um imposto ao qual o governo pudesse deitar imediatamente a mão. Se é verdade que estamos numa situação de emergência, que temos um conjunto de obrigações perante os nossos credores que temos de cumprir escrupulosamente, não deixa de ser necessário pensarmos como podemos a médio prazo estruturar de forma diferente uma série de domínios que são fundamentais para emagrecer o Estado e revitalizar a economia. Será que este imposto tem "pernas para andar"?

Dizem que em Setembro se resolverá o problema do modelo de avaliação dos professores

Pode ser que então se comece a falar de educação. Vale mais tarde que nunca. Mas já não é cedo.


Porque não se tributam a si próprios?

1.O PS, depois da insistência no agravamento da tributação dos rendimentos de capital – ou seja dos juros dos Depósitos a Prazo e dos dividendos (ainda) distribuídos pelas empresas – vem agora preconizar, sempre com grande solenidade, a aplicação de uma sobretaxa de 3,5% sobre os lucros das empresas superiores a € 2 milhões.
2.Não sei se esta nova proposta é para fazer esquecer a anterior, por entretanto se terem apercebido do erro crasso que seria agravar a tributação dos rendimentos de capital no contexto extraordinário que a economia do País enfrenta...
3.Não sei, mas também pouco imposta pois para este Partido aquilo que realmente interessa, ao que parece, é agravar a tributação em todos os domínios, visando fornecer mais recursos para o Estado que, como sabemos, tem gerido exemplarmente recursos muito "escassos"...
4.Esta paranóia fiscal, vinda de um Partido cujo governo, saído de funções há escassos 2 meses, deixou o País à beira da asfixia financeira exactamente pela total falta de moderação nos gastos públicos – apesar de não ter tido tempo para concretizar alguns projectos megalómanos que nos teriam deixado na mais completa penúria por muitos mais anos – é tão insólita que poderá justificar uma análise de tipo freudiano.
5.É bem possível que esta boa gente ache mesmo, apesar de toda a evidência em contrário, que é com uma enorme azáfama tributária que as nações podem prosperar e que, quanto mais se tributar, maior será a riqueza das nações...
6.Sendo assim, provavelmente não terão cura e até seria simpático fazer-lhes a vontade – desde que nós possamos proteger-nos das suas ideias e sobretudo dos seus propósitos de tributação obsessiva...
7.Uma solução seria permitir-lhes que se tributassem a si próprios, podendo a AR autorizar, excepcionalmente, que as suas propostas de nova ou agravada tributação sejam aprovadas sob a condição de terem como incidência subjectiva apenas aqueles cidadãos contribuintes ou as empreas cujos dirigentes se afirmem partidários das propostas rosa...
8.Se for indispensável uma alteração constitucional para o efeito, pois certamente reuniria os 2/3 necessários...
9.Creio que, para além de justa socialmente e economicamente menos nociva, essa solução teria uma vantagem adicional: reforçaria consideravelmente a base de apoio popular das ideias rosa...

"Gene faustiano"...

Se há algo que me seduz até aos limites são as lendas. Considero-as poemas da existência, porque permitem, ou melhor, conseguem dar vida e significado ao inexplicável. Afinal de contas andamos à procura de quê? Andamos a ver se conseguimos encontrar o sentido das coisas, mas só através das lendas é que é possível satisfazer tamanha aspiração. A ciência ajuda um pouco nesta busca incessante do inexplicável ao legitimar alguns mitos e ao provocar a criação de outros, graças a Deus, Ele mesmo um mito. Paralelamente, a filosofia encarrega-se do restante, ao criar novas angústias em cima de angústias mortas.
Há muitos anos, era um recém-médico, li, numa bela manhã de verão, recordo-me perfeitamente, um artigo na Science, descrevendo que na gruta de Shanidar, atual Iraque, há muitos milhares de anos, neandertais tinham realizado uma cerimónia fúnebre e utilizaram flores. Fiquei impressionado com este gesto de uma espécie, ou subespécie, com as mesmas origens que a nossa, e com a qual convivemos durante dezenas de milhar de anos até se extinguirem ou serem "exterminados" por nós, Homo sapiens. É sabido que as características morfológicas destes "não humanos" são por demais conhecidas, mais robustos, com crânios maiores, arcadas supraciliares muito desenvolvidas e sem praticamente queixo, dando-lhes um ar de brutalidade complementado pelo arqueamento dos fémures, só para citar alguns aspetos. Conviveram durante dezenas ou centenas de milhar de anos com a nossa espécie até desaparecerem há cerca de trinta mil anos. Tudo aponta para que este cantinho, onde hoje vivemos, tenha sido o último refúgio dos representantes de seres "não humanos", seres que tiveram pouca sorte. Coisas do diabo!
Os cientistas têm feitos estudos extraordinários no sentido de encontrar as diferenças genéticas entre nós e os neandertais. Em breve será possível “identificar” o que nos tornou humanos. Até agora tudo aponta para que as diferenças não sejam tão substanciais como à partida pareciam ser. Tudo leva a crer que terá ocorrido uma mutação qualquer, não muito substancial, algo que estivesse na base da "loucura", originando o aparecimento do "gene faustiano". Ninguém sabe ao certo qual é e onde se encontra, mas tem de existir uma base genética para a notável capacidade que nos caracteriza, em termos de arte, de imaginação, de aventura, de descoberta e de angústia. As análises comparativas entre os sapiens e os neandertais revelam que estes últimos não se notabilizaram na criação e desenvolvimento de artefactos, nem de coesão social e seriam portadores de genes diferentes em termos de "produção óssea", dos da fala, dos genes do autismo, apesar de terem ido para a cama com os nossos antepassados, talvez seja por isso que, à exceção dos africanos, sejamos portadores de um a quatro por cento dos seus genes. Afinal não estão completamente extintos, parte dos seus genes vivem em nós. Mas as coisas não ficam por aqui, outros seres "não humanos", como os devisonanos, também desaparecidos, deixaram alguns dos seus genes na nossa espécie, e estou convicto de que o futuro ainda trará mais surpresas.
O mistério do desaparecimento dos neandertais, e de outros, será o menos relevante, porque o grande mistério é saber o que é que nos tornou humanos, uma espécie com tanto "sucesso" que substituiu tudo e continua a substituir ou destruir o que encontra pelo caminho. Não há evidência de que os outros "não humanos" tenham sido responsabilizados por qualquer substituição ou destruição do que quer que seja. A única que teve um sucesso dos diabos, ou à custa do diabo, foi a nossa. Uma casualidade terá provocado mutações nalguns genes inclinando-nos para a loucura, só assim se explica a notável capacidade para criar e destruir, para amar e odiar, para salvar e matar. Um gene faustiano à solta, e aqui, entra na lenda, uma de muitas lendas, a do pacto entre a alma desejosa de tantas coisas e um Mefistófeles simpático que lhe faz a vontade. Apetecia-me regressar ao bar de Leipzig, onde Goethe se inspirou numa lenda que se auto reproduz ao longo dos tempos para explicar a natureza humana, uma ótima ideia, mas fico-me com a recordação dos neandertais que um dia, mesmo apesar das limitações ante os sapiens, se lembraram de colocar algumas flores na tumba de um dos seus. Quem sabe se os tais “um a quatro por cento” de genes neandertais que transportamos não serão os responsáveis?