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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

The Shrinking Man

É hoje notícia que 5200 famílias e promotores imobiliários tiveram que entregar as casas aos bancos só em 2011 e que, apenas no mês de Outubro, foram entregues quase 700 imóveis. Se abrirmos os jornais nas páginas dos anúncios, encontramos um mar de execuções fiscais, com o nome dos executados, o valor dos bens e o preço pelo qual vão à praça, sempre muito inferior ao da avaliação fiscal. Uma realidade que, em bem pouco tempo, se tornou tão próxima, já todos conhecemos casos destes, pessoas amigas, vizinhos ou familiares que viviam bem, confiaram no futuro, assumiram encargos que pareciam razoáveis e que, de repente, lhes desaba o mundo e ficam sem nada e ainda com dívidas por pagar, condenados ao ostracismo, dura pena, uma espécie de desterro económico num mundo que vive de economia.
Vi há tempos, no Instituto Franco-Português, uma peça de teatro dos Artistas Unidos chamada Um Homem Falido, de David Lescaut. Tratava-se, em suma, de um homem que se tinha endividado ao ponto de ser declarado falido. A peça desenrolava-se numa assoalhada, toda mobilada e onde se viam vários objectos que ele ia identificando, como se de repente tomasse consciência do valor e da falta que cada um lhe faria, assim mesmo, tal e qual estava, velho, desirmanado, ou absurdo.
Chegou então o mandatário liquidatário. Conversaram, um contando-lhe as amarguras de se ver sem dinheiro e, em breve, sem nada, para pagar as dívidas, o outro gabando-se de como era rápido e eficiente a vender tudo, fosse o que fosse, conseguia obter nem que fosse uns tostões por qualquer peça da massa falida, para abater à dívida. E começou a arrebanhar tudo, peça por peça, o espelho, os pratos, o tapete, só podia deixar o que fosse “essencial à sobrevivência e dignidade” do devedor. Perante cada objecto arrolado, o falido insistia que lhe era indispensável, o outro demonstrava-lhe que não, que podia muito bem viver sem isso, e ele cedia, curvado.
O mandatário saiu com tudo, deixando-o só, enrolado sobre si mesmo no chão da casa vazia. Ficou apenas um livro, “The Shrinking Man”, que contava a história de um homem que começou a encolher, encolhia e sentia o espaço e o tempo a estenderem-se à medida que ele diminuía até ficar minúsculo. Reviu-se imediatamente no livro, era assim que se sentia, quase a desaparecer, perdido e despojado na imensidão que crescia à sua volta.
O outro voltou depois de vender tudo e encontrou-o assim, enrolado no chão a ler, contou-lhe que vendera a patacos todas as mobílias, a colecção de discos, disputados na praça, vendeu-os um a um por uns tostões. O falido, revoltado, perguntou-lhe quem é que ganhava com aquilo tudo, ele tinha ficado sem nada e os credores com pouco, assim tudo vendido ao desbarato. O outro então explicou, muito entusiasmado, que a sua função não era pagar aos credores mas sim libertar as pessoas da prisão das dívidas, daquele tormento de trabalhar para pagar, de deixar de viver para pagar. Mais valia assim, ele tinha-o despojado de tudo, era verdade, mas isso fazia parte do jogo, era preciso mostrar que ele tinha sofrido, o que interessava aos credores não era que ele pagasse as dívidas, isso eles já sabiam que nunca iam receber, o que era preciso era ele poder voltar a ser livre. Era por isso que ele, executor, era tão rápido e eficaz, desde que tinha percebido isso cumpria a sua missão com muita alegria.
Olho o mar de execução de penhoras nos jornais, casas ricas e casas pobres, negócios falhados ou simples moradas de família, vejo as notícias que falam em milhares de casas vazias, oiço as imobiliárias a queixar-se da concorrência desleal dos bancos, que vendem as casa a preços ridículos e lembro-me do homem encolhido, perdido por completo do seu lugar no espaço e no tempo. E tudo isto me parece um imenso absurdo, uma peça surrealista, de humor ácido, em que as pessoas se somem no vazio que cresce à sua volta.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Emissão de dívida pública em Espanha: primeiros sinais?

1.Em Post ontem editado avancei a interpretação segundo a qual a decisão do BCE, tomada horas antes da Cimeira Europeia, de criar uma nova facilidade de cedência de liquidez, pelo prazo de 3 anos, sem limite de montante e a taxa fixa, CONJUGADA com a decisão da Cimeira de não impor perdas aos credores privados em futuras reestruturações de dívida soberana que possam vir a ocorrer na zona Euro, considerando o tratamento da Grécia um caso isolado...
2....poderia constituir um incentivo importante para que os bancos viessem a investir em dívida pública emitida por países do Euro mais sujeitos à pressão dos mercados (Grécia excluída), em prazos que em princípio não excedam 2 anos, realizando com isso um bom negócio uma vez que os fundos cedidos pelo BCE pagam juros muito baixos (1% ou pouco mais) e a dívida pública de países do Euro sujeitos a pressão dos mercados, mesmo nos prazos curtos vencem taxas muito atractivas (5% ou mais).
3.Pois bem, hoje foi notícia destacada o sucesso obtido pelo Tesouro espanhol num leilão de dívida a 12 e 18 meses: não só a procura foi bastante superior a leilões anteriores, mas também a taxa de juro média a que essa dívida foi colocada foi muito inferior, quase 100 bps, às que tinham sido registadas nos últimos leilões.
4.De tal modo a resposta do mercado foi favorável que o Tesouro espanhol decidiu colocar mais dívida do que tinha anunciado: colocou € 4.941 milhões, quando tinha anunciado o objectivo de € 4.250 milhões...
5.Estaremos perante uma primeira reacção do mercado, conferindo aparentemente muito maior crédito às decisões da Cimeira/BCE do que se poderia concluir da avaliação ultra-pessimista da maioria esmagadora dos comentadores (com excepção do 4R e poucos mais) ?
6. Parece-me muito cedo para tirar conclusões nesse sentido, tanto mais que se trata de uma primeira experiência que pode ter outras explicações e não apenas aquela que avancei como hipótese.
7.Mas uma coisa é certa: esta primeira reacção dos mercados está totalmente desalinhada do choro convulso, de pessimismo exacerbado, da esmagadora maioria dos comentadores...o que não deixa de ser estranho...

"Boa sorte!"

Repito o café para ver se consigo aguentar o trabalho. O dia está feio, cinzento escuro, uma aguadilha peçonhenta cai do céu e amolece a alma. Nem assim, o sono continua a incomodar-me. Começo a reler Salinger à mesa do café, ainda falta uma hora, por este andar ainda vou conseguir ler quase toda a sua obra, de uma sedução sem limites, ele não escreve, disseca almas. Deve ser um dos poucos escritores que leio a conta gotas, apenas para prolongar no tempo o seu efeito, e quando não tenho mais, ponho-me a relê-lo, coisa rara em mim. Como já tinha lido meia dúzia de páginas, pensei, o melhor é interromper, foi o que fiz. Nesse preciso momento entrou o velhote das cautelas, com o seu andar típico, a refletir velhas maleitas que a idade e o tempo asqueroso se encarregam de lembrar. Muito curvado, e a coxear com alguma dificuldade, empunhava um maço de cautelas; debaixo do braço oposto, apertava, zelosamente, uma velha carteira cheia de quaisquer coisas relacionadas com o seu negócio. Hoje andava à procura de clientes, noutros dias, na época invernosa, costuma dormitar junto à montra do café, mas quando o tempo está bom prefere sentar-se na esplanada, debaixo da palmeira, onde faz as suas sestas, cada vez mais prolongadas. Não aborrece ninguém, procura os conhecidos e, na maior parte das vezes, aguarda que o chamem. Deve ser um excelente contador de histórias pelo que já me foi dado a observar. Há uns meses comprei-lhe duas cautelas. Não sei por que é que fiz aquilo. Que me lembre comprei poucas vezes, talvez os dedos da mão direita sejam suficientes para ter uma exata ideia, exceto quando era novo. Nessa altura a minha avó mandava-me comprar todos os anos, pelo Natal, uma cautela. Não lhe conheci outra extravagância. O que é certo é que o Natal ainda vinha distante e já se punha a dizer que não podia esquecer-se de comprar a cautela da taluda. Quando sabia que já estavam à venda, mandava-me chamar, dava-me a notita e eu ia todo lampeiro aos cauteleiros da terra comprá-la. Tinha que ser, na altura esgotavam-se com facilidade. Não havia pobre que não tentasse a sorte. Umas vezes comprava ao Menino, um jovem deficiente com distrofia muscular, que andava de cadeira de rodas, outras ao Bertinho ou, então, ao engraxador meio-maluco, a lembrar um fio descarnado, quer de físico quer de comportamento poético capaz de provocar choques elétricos. No dia aprazado, quinta-feira, ao meio dia, era apregoada a sorte num cantar único. Sabia que era assim, porque ouvia através das ondas da rádio. Nunca lhe saiu nada, a não ser uma vez ou outra a terminação que guardava para trocar pela lotaria dos Reis, mas nunca a do Ano Novo. Nunca lhe perguntei qual a razão. Mas não ficava esmorecida, dizia, para o ano há mais, e, nas vésperas do Natal seguinte, voltava a retirar do bolso debaixo do avental mais uma nota e eu ia a correr comprar uma cautela antes que se esgotassem.
Olhei para o velho cauteleiro e deu-me para comprar uma cautela. O senhor estava a conversar com um casal, mesmo à minha frente, dizendo que, em tempos, por esta altura, as cautelas voavam. Nem era preciso andar de mesa em mesa. Agora não. Não há dinheiro e todos os dias há jogo, e elencou o que acontecia em cada dia da semana. Sorri. Fiz-lhe um sinal para se aproximar. Aproximou-se sem pressas e estendeu a mão que empunhava um valente maço de cautelas para que eu escolhesse. - Não. Escolha o senhor. - Então vai esta. Precisamente uma que já estava meia dobrada, e com uma agilidade impressionante recortou-a das restantes. Paguei. Foi então que eu ouvi, boa sorte, ao mesmo tempo que fazia o gesto de tirar o boné. Olhei para o número, achei-lhe piada, como se os números dissessem alguma coisa, dobrei a cautela e coloquei-a na carteira, certo de lhe irá acontecer o mesmo que as antigas cautelas da minha avó.
Mas afinal o que me levou a comprar um número? A lembrança de uma época, claro, mas também, provavelmente, algo que eu procurava, a forma do cauteleiro dizer, boa sorte, ao mesmo tempo que agradece fingindo levantar o boné. Será que haverá alguém capaz de dizer com tanta sinceridade, boa sorte, como fazem os cauteleiros? Desconfio que não, talvez, instintivamente, tenha sido essa a verdadeira razão da compra, mais do que a esperança de ser contemplado com a taluda.
Soube-me bem ouvir: - Boa sorte!

Bolo podre

Trata-se de um dos bolos actualmente mais em voga e servidos pelas televisões.
Ingredientes básicos: Comunicação social, Estruturas partidárias e Pessoal exibicionista.
Mistura-se muito bem uma dose de comunicação social com uma boa dose de estruturas partidárias até ligar e os ingredientes ficarem devidamente dissolvidos e não identificáveis. Junta-se uma pitada de microfone, para levantar e lhe dar voz. É servido ao domicílio por criados exibicionistas, através da rádio e televisão.
O produto reveste diversas formas, com ingredientes especiais e a gosto, de acordo com os apeites informativos e partidários. Indicam-se algumas variedades:
Comissão de Utentes de Auto-Estradas
Comissão de Utentes das Auto-Estradas do Interior
Comissão de Utentes das A 23, A 24 e A 25
Comissão de Utentes da A 23 do Médio Tejo
Comissão de Utentes contra as Portagens
Comissão de Utentes da Linha do Sado
Comissão de Utentes de Transportes da Margem Sul
Comissão de Utentes da Saúde de Lisboa
Comissão de Utentes de Centros de Saúde de Lisboa
Comissão de Utentes da Linha de Sintra
Comissão de Utentes da Linha da Azambuja
Comissão de Utentes dos transportes públicos de Setúbal
Comissão de Utentes do Hospital de S. Bernardo
Comissão de Utentes de Saúde do Sado
Comissão de Pais (nº a tender para o infinito)

Mas, atenção à publicidade enganosa, que o bolo só se destina a alimentar os utentes das comissões.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Zona Euro: torna-se normal viver em crise?

1.O "filme" que temos estado a ver desde 5ª/6ª Feira já é repetido: (i) anuncia-se uma nova Cimeira Europeia rodeada de grande expectativa quanto a decisões para resolver a “crise do Euro”; (ii) regista-se alguma euforia nas horas que se seguem ao anúncio das decisões da Cimeira; (ii) dois dias depois volta-se ao cepticismo anterior à Cimeira.
2.Encontrei a melhor definição para o ½ acordo alcançado nesta Cimeira de Bruxelas, no comentário de um analista financeiro de Frankfurt citado na edição do F. Times de hoje: “ This summit deal is not enough to live with, but it is not enough to die from, either”...este acordo não é suficiente para se poder viver dele, mas também não é por causa dele que se vai morrer...
3.Depois das análises profundíssimas e muito esclarecedoras de quase todos os comentadores profissionais ou especializados que desde 6.ª Feira encheram os tempos de emissão ou as páginas dos nossos media, pouco ou nada resta para dizer aos leigos na matéria, nomeadamente os do 4R...
4....mas, mesmo assim, ouso salientar dois pontos, certamente dos menos debatidos entre nós, que me prenderam a atenção em especial: (i) a decisão do BCE, horas antes da Cimeira, de criar uma nova facilidade de liquidez para os bancos, pelo prazo de 3 anos, a taxa fixa e sem limite de montante; (ii) a decisão da Cimeira, incluída no chamado “fiscal compact”, de não voltar a impor perdas (“hair-cut”) aos detentores de dívida soberana de países do Euro, no caso de ocorrerem futuras reestruturações de dívida, não repetindo o modelo da Grécia que fica assim como um caso isolado.
5.Estes dois elementos combinados são susceptíveis de encorajar os bancos a enveredar por uma forma “subtil” de "carry-trade", investindo em dívida soberana de países sujeitos à pressão dos mercados, obtendo juros generosos, e utilizando essa dívida para colateralizar o necessário “funding”, ao confortável prazo de 3 anos e a taxa de juro baixíssima, junto do BCE...
6....assim facilitando a vida aos países mais endividados (Grécia à parte) que deverão continuar a poder emitir dívida no mercado, pelo menos nos prazos menos longos (até 1 ano ou talvez 2) a taxas não proibitivas, enquanto esperam pacientemente pela concretização da semi-acordada UNIÃO ORÇAMENTAL...
7.Poderemos estar assim perante um cenário de prolongamento da crise larvar na zona Euro, que vai pressionando os países com maiores desequilíbrios orçamentais a corrigir esses desequilíbrios mas sem lhes retirar o oxigénio necessário para continuarem a viver e a financiar-se.
8.Ficarão frustrados aqueles que, com maior ou menor dose de ingenuidade, esperavam que desta Cimeira saísse uma “bazookada” na crise – sob a forma da emissão dos tão sonhados Eurobonds ou do derrame de liquidez pelo BCE - que, pelo menos até ao advento da UNIÃO ORÇAMENTAL nos desse algum tempo de descanso das fadigas desta já longa jornada iniciada com a operação “toalha ao chão” do ex-ministro Teixeira dos Santos...
9. Mas lá diz o velho adágio "Não se pode ter sol na eira e chuva no nabal"...

domingo, 11 de dezembro de 2011

Nomes

No regresso, achei por bem parar na cidade vizinha, onde almoçámos. Não houve tempo para dar uma volta e ver alguns aspetos que há muito desejo contemplar. Não faz mal, talvez haja uma nova oportunidade. Em seguida, quiseram dar uma vista de olhos ao simpático centro comercial, não pus qualquer objeção, já tinha visto uma livraria e várias bancadas de livros no átrio a preços convidativos. Um deles chamou-me a atenção, a "Metamorfose de Efigénia", de Miguel Urbano Rodrigues. Gosto da palavra metamorfose, a lembrar outras obras com o mesmo título e a recordar os tempos em que acompanhava a evolução dos peixes cabeçudos a transformarem-se em rãs. Como era possível acontecer aquilo, pensava eu em miúdo. Uma coisa tão estranha, um ser com uma determinada forma a transformar-se noutra. Não havia coisa mais sedutora.
Abro o livro e começo a ler a pequena novela e concluí que já a tinha lido, mas não sei onde pararia o livro, nalgum caixote, com toda a certeza. Como vi que as "coisas" estavam para demorar, a neta andava entretida no parque mesmo ao lado, deu-me para adquirir a obra novamente. Vai fazer parte daquele lote em duplicado. No fundo uma distinção ao autor da obra, e mais uma vez passei um atestado de desorganização à minha pessoa. Deixá-lo. Sentei-me tranquilamente e li o texto. Admirável, sem dúvida. A natureza é muito complexa e inebriante por vezes.
Às páginas tantas, o autor descreve um diálogo com o seu colega da redação, o Maurício, marido da Efigénia, que, repentinamente, mudou o seu comportamento sexual de uma indiferença absoluta até uma atividade vulcânica, verdadeiramente demolidora, e que fazia confusão ao especialista em tudo o era arte cavalar. Maurício, que queria ajuda do autor para encontrar uma explicação, debitou outros aspetos da sua vida, nomeadamente alguns relacionados com os filhos. Tinha uma tal paixão por cavalos a ponto de a transferir para os nomes deles, o mais velho foi batizado com o nome de João Violento, o mais novo recebeu a graça de Fernão Sublime e a menina a de Maria Loquita. Violento e Sublime foram dois cavalos excecionais e a Loquita tinha sido uma égua argentina ganhadora de importantes prémios.
No Brasil a atribuição de nomes não obedece a quaisquer normas e é muito frequente coisas inusitadas e verdadeiramente fantasiosas. Atribuir nomes de cavalos e éguas aos filhos não é muito normal, mas parece que não incomodam muito os sul-americanos. Ri-me desta passagem, porque comecei a lembrar-me de alguns nomes que andam por aí e que, quer queiram quer não, marcam profundamente a personalidade dos titulares. Do pouco que já li, tudo aponta para algumas influências nada discipiendas quanto à futura personalidade do proprietário, devido à força intrínseca do nome, à poesia e ao simbolismo do mesmo e ao conhecimento e identificação da personalidade de pessoas apodadas da mesma forma, enfim, pode ser tudo uma balela, mas não é de excluir algum "poder". Alguns nomes causam arrepios, outros, simples, cheios de poesia, transmitem alegria, pelo que é preciso ter algum cuidado na escolha, evitando atribuir nomes estrambólicos que possam causar algum mal-estar futuro. No caso em apreço, o do Maurício, que atribuiu nomes equinos aos filhos, espero que não comece a fazer moda. O que está em moda é, por enquanto, o contrário, atribuir nomes de humanos aos animais. Uma espécie de antropomorfização? Um qualquer desejo de metamorfosear os animais de estimação em seres humanos? Não sei. Seria bom aprofundar este tema. Conheço muita gentinha que dá nomes de pessoas a gatos, a cães e a outros animais. Dispenso-me de os enumerar porque são do conhecimento geral. O que eu nunca tinha ouvido foi o meu nome ser atribuído a um cão. Há poucas semanas, num domingo soalheiro, de manhã, estava numa esplanada, quando comecei a ouvir uma senhora a gritar incessantemente: - Cuidado, Salvador. Salvador anda para aqui. Estás a ouvir, Salvador. Salvador para a esquerda, Salvador para a direita. Intrigado, tentei ver o que é que se estava a passar, até que vislumbrei uma quarentona atrás de um cão, novo, penso que era um labrador, irrequieto e muito brincalhão, tentando obrigá-lo a sentar-se a seu lado na mesa da esplanada. Virei-me para a senhora, e para confirmar o que estava a ouvir, perguntei-lhe: - Desculpe, como é que se chama o cão? - Salvador. - Salvador!? Por que é que lhe pôs esse nome, é que eu chamo-me, também, Salvador. Respondeu-me, ato contínuo: - Porque gosto! É muito maluco, nunca está quieto. - Pois é, deve ser uma das facetas dos Salvadores, retorqui. Ainda estive tentado a perguntar-lhe como é que se chamava, pelo sim pelo não até poderia ser uma boa ideia, caso um dia viesse a ter uma nova cadela, mas, como não estou interessado em ter mais cães, fiquei calado, às tantas, pela forma como a senhora falava, ainda a bicha poderia metamorfosear-se na dita, o que não seria propriamente muito agradável...

A ópera bufa socialista




1º Andamento: Andante/Andantino - Há vida para além do défice. Compositor e 1º Tenor: Jorge Sampaio
2º Andamento: Allegretto/Allegro - O dinheiro aparece sempre. Compositor e Barítono: Mário Soares
3º Andamento: Vivace/Prestissimo - A dívida não é para pagar. Compositor, Maestro, 1º Tenor, Barítono e Soprano: José Sócrates
4º Andamento: Grave/Gravissimo: Apoteose final - A culpa é da Senhora Merkel
Coro, Compositor, Maestro, 1º Tenor, Barítono, Soprano e Baixo: Sampaio, Soares e Sócrates, em trabalho colectivo.
Assistente de Produção e Realização: António José Seguro
Nota final: Mesmo sem músicos, porque os salários não eram para pagar, a representação tem tido o melhor acolhimento nas corporações instaladas e na comunicação social. Augura-se-lhe mais uma época de grandes êxitos.

Nota: Segundo o nosso comentador António Pedro Pereira, a frase de Jorge Sampaio teria sido: "há mais vida para além do orçamento". Porque não encontrei ainda a versão autêntica, aqui fica a nota, mesmo tratando-se de uma questão meramente de forma.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Má conduta...

Desde há muito que dedico particular atenção à fraude e à má conduta científica. Não me lembro quando, talvez quando comecei a fazer investigação, quando senti a importância da mesma e, sobretudo, as enormes dificuldades para fazer o que quer que fosse, mesmo as coisas mais simples e básicas. Tantos desaires, tantas deceções, tanto tempo despendido à procura de uma solução, de uma interpretação ou de uma conclusão. De vez em quando, lá surgia alguma coisa, e sentia uma alegria tal como uma criança quando recebe a prenda sonhada, mas, na maior parte dos casos, nada, ou até o oposto do esperado, o que constituía uma surpresa avinagrada, como a provar a idiotice da hipótese.
Sempre admirei e admiro os investigadores que dão novos mundos ao mundo, mas confrange-me, sobremaneira, todos os que, não tendo um mínimo de pudor, são capazes de falsificar os dados apresentando à comunidade científica e à sociedade em geral "grandes" descobertas, muitas delas publicadas em revistas científicas de primeiríssima linha. Depois são descobertos, acabando por serem obrigados a retratar-se, quando fazem! Existe muita literatura publicada sobre esta matéria.
A última notícia de má conduta científica foi praticada por um psicólogo holandês, Diederik Stapel, e tem sido alvo de debate nalgumas das mais importantes revistas. Uma das propostas para minimizar esta conduta, passaria pelo acesso, a todos cientistas, às respetivas bases de dados da investigação, ficando salvaguardados os direitos de uso, a confidencialidade e outros aspetos relevantes. No fundo, a base ficaria sob o escrutínio de qualquer investigador que provaria em qualquer momento a qualidade e o tratamento dos dados. Poderá parecer uma espécie de Big Brother da ciência, mas a mim não me repugna minimamente, pelo contrário, sempre se evitaria o mau uso e fraude com todas as consequências decorrentes. Ou seja, o peer review far-se-ia a montante da apresentação do trabalho e pela generalidade dos cientistas.
Afinal, os cientistas, mesmo alguns de elevada craveira intelectual e técnica podem ser pessoas de caráter mais do que duvidoso, e não é por serem mais inteligentes e capazes do que a maioria que estão isentos de má conduta.
Não é só na economia, na política, no desporto e na "arte", que se encontram vigaristas, também existem na ciência.
Em termos genéricos, quase que poderia afirmar o seguinte: seja qual for a área em que nos movemos, a personalidade e o caráter de uma pessoa está sempre presente. Se um indivíduo é caloteiro e chegar a primeiro-ministro, o que é que poderá acontecer? Um governação com calotes. Se um indivíduo for um forreta assumido e chegar a primeiro-ministro, o que poderá acontecer? Começa a aforrar como um somítico. Se um vigarista chegar à administração de um banco, o que é que poderá acontecer? O bom e o bonito, e o desgraçado do Zé Povinho terá de pagar os dislates financeiros. Existe na ciência um paralelismo, falta de caráter gera pseudo conhecimentos com prejuízos incalculáveis para a sociedade. No fundo, o sucesso, o progresso e o bem-estar das pessoas passa pela forma como se comportam as pessoas. Quando atingem certos lugares, de primeira folha, quer a nível científico, académico, político e económico, não são as suas elevadas capacidades técnicas, científicas ou culturais que marcam a diferença, o que marca é sem dúvida o seu caráter e honestidade e quando não existem em doses mínimas, então, é fácil de prever, o que poderá acontecer...

Estranha hierarquia de valores


Quem atenta contra a vida dos seus semelhantes, conduzindo contra todas as regras da prudência, quando muito é punido com coima, inibição de conduzir por uns tempos e, nos casos mais graves em que a lei considera crime o comportamento do condutor faltoso, com pena de prisão quase sempre remível por sanção pecuniária ou por prestação substitutiva de trabalho comunitário. E, note-se, as normas que prevêem tais sanções tutelam os superiores valores da vida e da integridade física. 

Lealdade

Eu, abaixo-assinado, declaro por minha honra, que cumprirei com lealdade as funções que me são confiadas

Já perdi a conta às vezes em que pronunciei alto e em bom som, e com determinação, este juramento. Faço-o sempre com convicção, com respeito pela honra que me é atribuída ou pela alegria da conquista que me levou àquele momento, caminhos nem sempre fáceis, longos, por vezes dolorosos, mas sempre pautados por princípios e, sobretudo, pela lealdade às instituições, às pessoas com quem me cruzo e a mim próprio.

Coloco com extrema e apetitosa facilidade muitas esperanças nos preferidos, escolhidos ou aprendizes. É natural que tal aconteça, no fundo não é mais do que o resultado de uma simbiose em que o meu desejo se combina com a qualidade intelectual do candidato. Umas vezes bate certo, outras nem por isso, por várias razões. Não excluo que possa ter alguma quota de responsabilidade nalgumas situações, embora considere um paradoxo, porque seria o equivalente à autodestruição de uma vontade. No entanto, nem sempre as coisas correm de feição, incompreensivelmente começam a surgir de tempos a tempos sinais, pequenos e espaçados, que me fazem pressentir o pior. Tento negá-los, embora sinta que é apenas uma esconjuração pagã a deuses já jubilados. Quando a situação se agrava, sinto que começo a esmorecer e faço todos os possíveis para evitar o abandono, que ameaça destruir futuros que esperava serem abençoados, mas não, o conformismo instala-se como se fosse um direito, obrigando a esquecer o que nunca deveria ter sido olvidado. É então que o fenómeno de dessensibilização começa a impor-se; não sei se espontaneamente ou se construído. O que não deixa qualquer dúvida é o ajustamento à nova realidade que acaba por se impor como se fosse um direito. Os deveres esvanecem-se como uma tarde outonal e as promessas são momentaneamente requentadas como a quererem oferecer uma eventual refeição sem gosto.

Ficar preso e refém de boas vontades não é propriamente o mais indicado quando se pretende construir, dinamizar e inovar. O tempo passa, a angústia cresce, a alma fica destemperada e a vontade estremece em dilemas difíceis de solucionar. Até que chega um momento, o momento de desistir ou tentar, num último fôlego, em que a idade e a doença são determinantes, fazer qualquer coisa. Quase que me apetece dizer que o melhor é desistir, porque as melhores soluções não são compreendidas, não são aceites e passam a ser sinal de iniquidade e de deslealdade, como se as regras do jogo construídas pela vontade de terceiros fossem as mais respeitáveis e as mais nobres.

Não entendo, mas deveria entender que este mundo não é para todos, apenas para alguns, para os que distorcem as regras a seu belo prazer ou de acordo com as necessidades de momento.

Quando a angústia nos invade como se fosse uma coluna de gelo a querer emergir em pequenas gotículas de suor frio é altura para pensar, para parar, para refletir e sobretudo para anonimizar. É o que me acontece neste momento, em que não basta ter razão, nem ser suficiente a invocação do passado, quer o mais afastado, quer o mais próximo, em que a perplexidade e a necessidade de proceder a mudanças foram mais do que esclarecidas e, entretanto, regiamente esquecidas.

Podemos ser o melhor do mundo, o exemplo, a integridade em pessoa, mas se tivermos que aplicar os princípios que deverão nortear o comportamento das pessoas então corremos o risco de sermos considerados como desleais. Depois, depois é o habitual, reconhecem ou tentam reconhecer que a situação é delicada, interiorizam o problema e solicitam humildemente nova oportunidade. O pedido feito nestas condições acalenta mais uma vez a frouxa chama da esperança, que um dia não mais bruxuleará, e, desejoso de aliviar a malvada angústia, acabo por aceitar. Faço bem? Não interessa. O melhor é cavalgar a todo o galope para me embrenhar no deserto dos não humanos. Não sei onde fica, mas deve ser o lugar mais encantador para viver ou descansar e, se possível, no mais profundo e perfumado anonimato.

Heranças da prosperidade...

Este artigo (que me foi sinalizado pelo nosso Caro Ilustre Mandatário do Réu) sobre a onda de repúdios de heranças não é por certo um fenómeno exclusivo de França. Merece reflexão. Não é um fenómeno novo, a morte com dívidas era algo típico de sociedades muito estratificadas social e economicamente, com um pequeno número de ultra-ricos e uma legião de miseráveis e de remediados empobrecidos, como acontecia no período da primeira revolução industrial, sobretudo em Inglaterra e em França, os países mais desenvolvidos do tempo.
As heranças endividadas e o seu repúdio reflectem uma mudança grande no rumo que o desenvolvimento ocidental conheceu nas últimas décadas.
Depois da 2ª Guerra tivemos uma época gloriosa de crescimento e de compressão das desigualdades, de uma economia social de mercado, com disciplina, moderação nos consumos e revalorização do factor trabalho. Com uma adequada participação do Estado na economia e na sociedade e com um Estado Social razoável, mas sem excessos.
A globalização desregulada, a desindustrialização da Europa, a desvalorização dos salários reais e dos rendimentos da maioria da população, o prosperar do crime económico, o desenvolvimento financeiro desmesurado dos off-shores sem regulação e supervisão adequadas, a impossibilidade de tributar o capital, cada vez mais móvel e escondido em paraísos fiscais, trouxeram mais desigualdades e ameaças a uma classe média próspera e ao Estado Social que não parou de crescer na sua fictícia generosidade. Se somarmos o envelhecimento da população, com um cada vez menor número de activos para um cada vez maior número de pessoas idosas, percebemos que é elevado o risco de mais empobrecimento na velhice.
A coesão social está a dar sinais de erosão e começa a emergir uma classe de novos pobres, sobretudo pensionistas de baixos rendimentos e com hábitos e referências de consumo próprios da classe média. Daqui ao sobre endividamento é um passo muito rápido e muitas vezes sem retorno. Que podemos esperar de uma sociedade que prosseguiu por este caminho?

A insustentável hipocrisia dos agentes da constituição

Andam muitos constitucionalistas, pais, mães e parentes da Constituição, governantes e ex-governantes, deputados e ex-deputados, muito preocupados com a adição de mais um artigo, creio que o 300º, à lei fundamental, que limite o défice público. Porque traduz uma perda de soberania. Ou porque não é aplicável.

Não entendo o argumento. Porque o que não é aplicável é termos soberania. Sócrates acabou com ela, de forma perfeitamente constitucional, ao duplicar a dívida pública em 6 anos. De forma perfeitamente constitucional, logo sem qualquer reparo dos donos e agentes exclusivos da Constituição. Que concordaram, sem críticas, com o procedimento. Perfeitamente constitucional, pois, a perda de soberania. Mas agora que já está perdida, aqui del-rei, que não a podemos perder. É anti-constitucional!...

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O critério da desinformação

Os 17 países do Euro e mais 6 não aderentes à moeda única acordaram esta madrugada num Pacto para reforçar a zona euro, fortalecer a moeda, e controlar as dificuldades que se colocam aos países com mais problemas no financiamento da sua dívida pública.

Este foi o facto fundamental, que qualquer critério informativo deveria salientar.

Mas não. Nos primeiros noticiários televisivos da manhã, o que logo ouvi foi que os países da UE não tinham chegado a acordo, porque a Inglaterra, ou porque a Hungria, ou, ou, ou... E só depois, em pé de página, lá veio a informação marginal de que tinha havido acordo entre os aderentes à moeda única e tinha sido assinado o acordo intergovernamental proposto por Merkel e Sarkozy.

Isto é, o desacordo de dois sobrepôs-se ao acordo de 23 e, no futuro, de 25 países.

Na nossa (des)informação, tudo vale para lançar desconfiança, dúvidas e suspeitas sobre as difíceis, mas conseguidas, soluções para a o futuro do país e da Europa, e para denegrir os esforços feitos pela dupla Merkel/Sarkozy. Fossem estas personalidades de esquerda, e logo o critério jornalístico dos nossos editores informativos salivaria de encómios e elogios.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Portugal e a curva de Laffer

Sem surpresa, o Parlamento aprovou no último dia de Novembro o Orçamento do Estado para 2012 (OE’2012). Um Orçamento marcado pelo corte de salários nas Administrações Públicas e no Sector Empresarial do Estado, bem como nas pensões de reforma, consubstanciado, na versão final do documento, na redução e eliminação dos subsídios de férias e de Natal a partir de EUR 600 e EUR 1100 por mês, respectivamente.

Foram múltiplas as vozes, de diversos quadrantes da sociedade e do espectro político e institucional, que se levantaram contra a injustiça que esta medida configurava, tendo sido proposto, em alternativa, o lançamento de um imposto extraordinário que levaria “apenas” um dos subsídios para toda a sociedade – e não apenas para o sector público e os reformados.

É sabido que, muito antes de estes cortes salariais acontecerem – aliás, bem antes dos do ano passado – avisei, num Congresso do meu Partido, o PSD, para uma tal inevitabilidade. Continuo hoje a pensar que, no actual contexto, não havia outras possibilidades – como não existiram, no ano passado, ainda com José Sócrates como Primeiro-Ministro. Já nem se trata de esgrimir argumentos quanto à injustiça desta medida (haverá medidas violentas de austeridade, como esta, que sejam justas?...), ou de nos agarrarmos à repartição do esforço de ajustamento orçamental estipulado no Programa de Assistência Económica e Financeira em Maio último (2/3, no mínimo, do lado da despesa pública; 1/3, no máximo, do lado da receita), ou de, comprovadamente, os ajustamentos assentes maioritariamente na redução da despesa terem uma muito maior probabilidade de sucesso do que os baseados mais no aumento da receita. Não.

Tudo isto é verdade – e já foi por mim abordado, recentemente, em intervenções orais ou escritas. Apresento hoje outro argumento que me parece ser também muito válido para defender este desagradável corte salarial contra um adicional aumento de impostos. Uma análise da evolução dos números da receita fiscal mostra que, a soma do montante cobrado em impostos directos e indirectos, e incluindo ou não as contribuições para a segurança social, estará, em 2012, de acordo com o OE agora aprovado, sensivelmente ao mesmo nível da importância de 2008: cerca de EUR 61 mil milhões ou cerca de EUR 41 mil milhões, respectivamente.

Sucede que, entre 2008 e 2012, assistimos, em Portugal, a vários (e fortes) aumentos da carga fiscal: em todas as taxas do IVA, no IRS, no IRC, no IMI, no Imposto sobre produtos petrolíferos, no Imposto sobre veículos, no Imposto sobre o tabaco… e a lista poderia continuar, até cobrir praticamente todos os impostos e taxas que pagamos. O que isto significa é que já nos encontramos, claramente, na parte descendente da conhecida curva de Laffer[i] (a sombreado na figura), em que aumentar mais os impostos já tem efeitos contraproducentes na receita cobrada, seja porque prejudica mais do que proporcionalmente a actividade económica, seja porque incentiva a fraude e a evasão fiscais…

… Pelo que, lançar mais impostos (do que os já estão previstos para 2012 e que, infelizmente, não são poucos…) conduziria, está-se mesmo a ver… a uma receita menor do que a que seria previsível (o que, mesmo nas actuais circunstâncias, é um risco bem real: por exemplo, com uma recessão mais profunda do que se estima, mais empresas encerrarão portas, o desemprego será maior e o consumo diminuirá ainda mais – logo, a receita cobrada, seja em sede de IRS, de IRC ou de IVA, entre outros impostos, será menor).

t* - nível óptimo de tributação, a partir do qual taxas de impostos mais elevadas diminuem a receita cobrada.

Assim, na actual conjuntura, trocar o corte de salários e pensões pelo lançamento de uma sobretaxa extraordinária seria trocar o certo (a redução da despesa pública que os cortes proporcionam e que o Governo sabe com exactidão) pelo incerto (um imposto cuja cobrança poderia, com grande probabilidade, e como já referi, situar-se abaixo do previsto). Isto para além dos factores que já atrás referi (que, no contexto que enfrentamos, não podem ser ignorados), e de agravar (mais…) a já de si muito desfavorável posição de Portugal em termos de competitividade fiscal no contexto europeu e global (situação que, como é público, muito me tenho esforçado por denunciar e combater desde há mais de 10 anos, infelizmente sem grandes resultados). Seria, pois, aumentar o risco – que, como se sabe, já existe – de termos que lançar mão de (ainda) mais austeridade para atingir o défice previsto para o próximo ano. Com todas as negativas consequências que daí decorreriam. Sinceramente, mesmo que outros factores não existissem – e existem, como se viu – só este não seria mais do que suficiente para não se optar por uma tal solução?!...


[i] A curva de Laffer, da autoria do economista americano Arthur Laffer, estabelece a relação teórica entre o valor arrecadado com impostos por um Governo e todos os possíveis níveis de tributação ou de carga fiscal. Se a tributação for nula, obviamente a receita arrecadada também o será; até um determinado nível de tributação considerado óptimo (t*), o aumento da receita cobrada será mais do que proporcional ao aumento da carga fiscal; a partir daí, o lançamento de mais impostos conduz a perdas de receita, porque, teoricamente, a partir de um determinado nível de tributação, os incentivos à produção ou à criação de valor são decrescentes (no limite, com uma carga fiscal de 100% não há qualquer incentivo para que o sujeito passivo da obrigação fiscal crie valor – pelo que não haverá qualquer receita cobrada).

Nota: Texto publicado no jornal "Sol" em Dezembro 09, 2011.

Números esmagadores...

Entre 2001 e 2011 44% da população não passou do 1º ciclo. Em 2011:
Apenas 13% possui o ensino secundário.
Apenas 12% da população possui o ensino superior.
19% da população não tem qualquer nível de ensino.
São números esmagadores. Não são propriamente novidade. Explicam o nosso nível de desenvolvimento e a dificuldade de empreendermos e inovarmos. São números que evidenciam a prioridade da educação e formação. Faltou-nos visão estratégica. Perdemos muito tempo e muitos recursos financeiros a construir um país de “betão”. E não ficou pago.
Sem qualificação não temos futuro, como não tivemos no passado. Estamos a viver um tempo crítico em que convergem a urgência do investimento na qualificação e a emergência de uma crise financeira e orçamental. A situação é grave. Basta pensarmos que há jovens que não podem prosseguir nos estudos por falta de condições económicas. É penoso assistirmos a estas roturas. Por quanto tempo?

Os professores de Sócrates

Pagar a dívida é uma ideia de criança. Foi assim que eu estudei.
Ficámos a saber que Sócrates, afinal, estudou. E eu acredito. Até posso nomear alguns professores.
Em Coimbra, certamente com José Reis, Director da Faculdade de Economia. E também com Boaventura Sousa Santos.
Em Lisboa, seguramente com António Mendonça, Coordenador Científico do Mestrado em Economia do ISEG.
No Porto, indubitavelmente com Teixeira dos Santos.
Todos eméritos Professores Doutores. Sócrates tinha mesmo que aprender. O que faz uma boa aliança entre um 1º Ministro e o super-sumo das nossas Escolas de Economia!...

Não sabia que estava a ser filmado!...

"...pagar a dívida é uma ideia de criança...", disse José Sócrates.

Mas, atenção, Sócrates veio agora esclarecer que se referia ao "pagamento da dívida por inteiro e de forma imediata".

Além disso, "não sabia que estava a ser filmado"!...
Ignorância profunda. Ficamos elucidados.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

"Atentados urbanos"

Ultimamente sobressalto-me com relativa frequência quando o estupor do telefone toca. Já mudei várias vezes o toque, mas mesmo assim não consigo evitar um estranho sentimento de angústia. Olho imediatamente para o visor para ver se aparece o autor da chamada, umas vezes sim, outras não, número privado, e algumas vezes surge um número sem correspondência com um nome. De acordo com o visualizado começo a antever o que poderá vir do lado de lá na tentativa de esconjurar qualquer má notícia, o que é relativamente fácil quando identifico a pessoa, mais complicado quando se trata de uma instituição e perfeitamente impossível no anonimato. Estou farto. Só me sinto bem quando não toca. Uma maravilha, uma graça divina, que aprecio cada vez mais.

Acabo de almoçar. Sou atacado mais uma vez e fico irritado, confirmando-se que, afinal, não tem a ver com o tipo de toque, incomodo-me apenas porque o telemóvel é meu; os toques dos outros não me causam grande mossa, exceto se os donos se lembrarem de "copiar" os meus. Nestes casos levo alguns segundos até saber quem é o real proprietário, quanto aos outros, com toques diferentes, até acabam por me divertir com as suas melodias, pois não, a conversa eletromagnética não me diz respeito, passa-me ao largo.

Não conheço o número e, à cautela, deixo que o outro lado se espraia dizendo o que quer. Um silêncio pronto a fabricar a resposta adequada. Ao fim de alguns segundos entendo a pretensão e começo a responder um pouco mais aliviado. A chaminé larga fumos? Se deita não é por estar a queimar resíduos, não senhora, são fumos que se libertam quando põem a caldeira do aquecimento a funcionar. E enquanto não estiver quente sai muitas partículas, muito fumo, mas depois desaparece. Sei, porque tive oportunidade de interpelar os diretores do hospital a esse propósito e as explicações foram essas. Considero-as plausíveis, embora os fumos sejam aborrecidos e momentaneamente perigosos, mas é devido à queima da nafta durante o arranque. Pronto! Consegui acabar com uma eventual e interessante notícia. Mas já que estávamos a conversar, perguntou-me se não tinha algumas novidades ou notícias sobre o ambiente da cidade ou iniciativas a realizar, o que fez com que libertasse a língua. E libertei. O telefonema não era para me chatear, nem para dar más notícias, e aproveitei para dizer o que achava, o que pensava, enfim, deu-me na bolha para dizer algumas coisas. A cidade está cada vez mais barulhenta, o ruído é o principal problema, muitos cidadãos queixam-se por não conseguirem descansar, alguns chegam a sair da cidade para irem dormir a outras localidades, há uma profunda falta de respeito pelo sossego dos demais, a autarquia anda surda às queixas, embora seja a principal responsável porque é quem licencia, as autoridades fazem o seu papel, que, como sabemos, é, na prática, uma espécie de faz de conta, e os cidadãos que se divertem à custa do bem-estar dos outros estão-se marimbando para os direitos destes. Mas as coisas não ficaram por aqui. Lembrei-lhe da sujidade crescente, com garrafas, latas, papéis espalhados em vários sítios, o vandalismo urbano, os carros estacionados nos passeios a dificultarem a vida de quem tem a mobilidade reduzida, pondo em risco a sua segurança, as bermas dos passeios demasiado ecológicas para o meu gosto, com ervas a crescerem a torto e a direito, mais a torto do que a direito, os dejetos de caninos a pulularem por tudo quanto é sítio revelando a sujidade cívica dos seus proprietários, o cheiro a urina, e não só, sobretudo em certas zonas da cidade, nomeadamente na Alta, Alta que pretende ser património mundial da humanidade, só espero que na candidatura não enviem amostras do material orgânico apensos aos dossiers, e que podem ser encontrados com facilidade nos referidos espaços, enfim, concluí, muito prosaicamente, que a cidade de Coimbra está a ficar porca demais para o meu gosto, em perfeita dessincronização com os seus pergaminhos e pretensões, mas em perfeito equilíbrio com alguns dos seus cidadãos desprovidos do mais elementar sentido cívico, contribuindo para a destruição de uma imagem que deveria ser ímpar e de referência a todos os níveis.

O que fazer para inverter estas situações? Sei lá! Quando uma cidade, que se pauta por possuir tantos neurónios cheios de conhecimentos, se comporta desta maneira, é de ficar desconfiado quanto ao futuro, um futuro de m...