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segunda-feira, 18 de junho de 2012

Coisa pouca: aconteceram eleições em França...


As eleições na Grécia e o euro (do futebol) parecem estranhamente ter obnubilado a importância dos resultados das eleições legislativas em França. Estranhamente porque, tanto ou mais relevante do que o que se venha a passar com a Grécia, o futuro da zona euro, e em boa medida o futuro da própria UE, dependerão do papel que a França estiver disposta a desempenhar. Hollande e o PSF viram confirmada a vitória nas presidenciais, dispondo agora de um confortável respaldo na maioria absoluta dos assentos na Assembleia Nacional e no Senado. Graças, é certo, ao sistema eleitoral maioritário a duas voltas introduzido por De Gaulle (o Le Monde de hoje chama a atenção para a "ilusão de ótica" que o sistema gera já que o PS não chegou a obter 30% de votos expressos) . Mais do que o reconhecimento dos méritos de Hollande (que só o suicídio político de Strauss-Kahn colocou nos caminhos da presidência), estes resultados consubstanciam o que muitos adivinhavam: o afastamento de Sarkozy e do sarkozismo, talvez o sinal mais saudável de uma Europa que acorda para a necessidade de repudiar o arrivismo.

sábado, 16 de junho de 2012

À descoberta da terra dos Ticos - Cataratas La Paz

São cinco as cataratas emolduradas pela bruma da floresta a que se junta a neblina formada pela queda das águas num cenário majestoso. La Paz. No percurso de Poás até lá observámos os efeitos do último terramoto ocorrido há escassos anos. Como constatámos a tranquila convivência dos costa-riquenhos com as forças telúricas que aqui se fazem sentir amiúde, de onde em onde com particular violência como se percebia pela lenta e onerosa reposição das infraestruturas fortemente danificadas. 



Nas imediações das cataratas existe um jardim que exibe uma significativa amostragem da flora e fauna locais, que aliás vimos, em grande parte, representada na caminhada a que nos aventurámos pelas margens do rio.


Foi, porém, o primeiro contato com a multiplicidade de formas e cores das borboletas na parte do jardim que lhes é dedicada.



E de admirar a graciosidade e a policromia das várias espécies de colibris, todos em contínua e incansável laboração.


À descoberta da terra dos Ticos - Parque Nacional Vulcán Poás


Às 6 da manhã é pleno dia e fazemo-nos à estrada em direção ao Parque Nacional do Vulcán Poás e às cataratas de La Paz. De caminho, pequeno-almoço num cafezal (Fazenda Doka) que produz para uma conhecida cadeia norte-americana de venda de café.
O Parque Natural do Vulcão Poás (criado em 1971) é a primeira de muitas outras incursões que haveríamos de fazer pela floresta nublosa tropical da Costa Rica, ecossistema que ocupa uma parte considerável do território. Apesar de junho ser já franca época das chuvas, não poderíamos ter exigido, do tempo, maior favor.
A subida até ao bordo da cratera do vulcão é uma experiência única. Faz-se por um caminho estreito mas cuidadosamente mantido, no meio da floresta povoada por uma enorme quantidade de espécies da flora, enfeitada de musgos e bromélias coloridas encavalitadas nas árvores. 


E a emoção maior acontece quando chegamos ao miradouro, ali sobre o vulcão ativo, numa perspetiva jamais imaginada. É suposto observar um vulcão de baixo para cima, salvo se alguém o sobrevoar. Pois ali estávamos, numa autêntica varanda com a caldeira (300 metros de profundidade e 1,6 km de largura!) e as manifestações vulcânicas bem sentidas aos nossos pés. Fantástica visão de um não menos fantástico fenómeno que tanto tem de potencial destrutivo como de criativo dos solos mais férteis que existem no planeta. O imenso verde da floresta que rodeia o Poás é a melhor prova dessa fertilidade, ao ver-se o processo de substituição, paulatina mas irredutível, da lava que antes cavou profundos vales, por imensas e variadas formas de vida.


Aventurámo-nos a ir mais acima, a um cone inativo, hoje um belíssimo lago de águas de um impressionante verde, o Lago Boto. Valeram bem o esforço, o cansaço e o frio que ali se faz sentir em violento contraste com o calor húmido das terras mais baixas.


Se a flora cria mosaicos belíssimos, a fauna fascina pela variedade das espécies, algumas vistas ali, outras achadas mais tarde em diferentes paragens do nosso percurso por estas terras. Mas naquele local, para além de esquilos (existe uma espécie que é endógena do Poás), borboletas e aves de cores fantásticas, vivem tranquilamente magníficos felinos que, porém, raramente se deixam ver.



Jogar sem tola! II

Acabei de ter o supremo privilégio ver o percurso, do balneário ao relvado, que os jogadores portugueses irão amanhã transpor para o jogo com a Holanda, no estádio de Kharkiv. Um caminho sem recuo, como enfatizava o repórter televisivo.
Verifiquei que era um percurso muito curto, razoavelmente largo, iluminado e plano, sem escolhos visíveis, creio mesmo que alcatifado, desenhado de modo a que os atletas não se sentissem psicologicamente afectados por o atravessarem. Claro que de charrette a viagem seria mais cómoda.
Só não compreendi, falha minha, a ênfase da impossibilidade de recuo, tão fácil em caminho assim livre de obstáculos. Não me pareceu tal ênfase de muito bom augúrio, a lembrar outros percursos como os da veneziana Ponte dos Suspiros, atravessada a qual o destino sem recuo era a morte.
Mas não, não é assim. Porque, se assim fosse, por certo que o minucioso repórter nos daria a conhecer, com pormenor, a última refeição.
Aliás, a reportagem foi uma fonte de ensinamentos. Para além de jornalistas, e comentadores, também fiquei a saber da existência de analistas desportivos. O que se aprende com o Euro!... E tantos a quererem ver-nos fora dele!

À descoberta da terra dos Ticos


(Fachada da catedral de San Jose da Costa Rica)

Ouvíramos dizer que se trata de uma das paragens mais belas do mundo. Dominada por velhos relevos, vulcões adormecidos e alguns ativos, pântanos, floresta densa, costas atlântica e do pacífico variadas. Tudo num concentrado de país cujo território, tal como o dos seus vizinhos, assegura a união entre as américas do norte e do sul. Medido em linha reta do seu ponto mais a sul até ao ponto mais setentrional, não se chega aos 500 km. A largura do território, do Caribe ao Pacífico, fica-se por 280 km. Costa Rica. O destino escolhido para, durante duas semanas, ir à descoberta. Descontrair deste ambiente sufocante, esperando por uns dias não ouvir ou falar de crise, da falta de confiança, da ausência de esperança ou de futuro. Uma paragem para observar que há sim vida, muita vida para lá dos orçamentos, dos mercados, das troikas, dos FMI, dos resgates, das incompetências de políticos e dos exageros dos mensageiros, dos analistas e das pitonisas que anunciam para amanhã a desgraça maior, das eurobonds que sim e das eurobonds que não, dos coitadinhos iguais à Grécia e dos que veementemente negam sê-lo... 
A vida que ali se conserva como preocupação prioritária da política, conscientes – políticos e cidadãos - da importância de proteger as riquezas da flora e da fauna, é, afinal, um património genético de importância fundamental para a humanidade.
Um país que surpreende por alguns especificidades. Beneficia de estabilidade política que favorece a relativa estabilidade económica atual,  ultrapassados os conturbados anos 80 do século passado em que 50% dos proveitos com as exportações não chegavam para pagar os encargos da dívida ao exterior. Situação que contrasta com a permanente instabilidade geológica resultante de enormes forças tectónicas que se degladiam ali (mais do que um guia nos disse que se espera a qualquer momento um terramoto devastador, prenunciado por estudiosos japoneses, isto dito com desarmante á-vontade– não é por acaso que Pura Vida é a expressão mais trocada entre os Ticos). 
A Costa Rica escolheu, após a independência concedida por Espanha em 1821, o sistema presidencialista. E é um dos Estados latino-americanos que elegeu para a presidência da república uma mulher (Laura Chinchila Miranda). O parlamento é constituído por uma única câmara e a população de pouco mais de 4 milhões de habitantes, é aí representada por menos de 50 deputados.
Na sequência da Constituição de 1949 que determinou a abolição do exército, a Costa Rica declarou a sua neutralidade. Explicaram-nos que o dinheiro que o Estado não gasta a manter um exército que jamais garantiria a segurança do país se se visse ameaçado, é investido em educação e numa rede, que ouvimos elogiada, de cuidados de saúde.  
A verdade é que a Costa Rica se orgulha do índice de 96% de taxa de literacia, invejada pela maioria dos países latino-americanos. E o que é certo é que pudemos constatar, que mesmo nos pueblos mais exíguos ou remotos, lá existia a escola e uma organizada rede de transportes escolares, mesmo na recôndita região de Tortuguero onde não há estradas e a mobilidade se faz por barco nos imensos canais que retalham a floresta densa.

Estes factos, salvaguardadas distâncias e diferenças, trouxeram-nos à memória que em Portugal se aposta na concentração das crianças e jovens em grandes estruturas e se extinguem as escolas comunitárias, empobrecendo o interior e estimulando ainda mais o despovoamento. Mas também nos fizeram sorrir quando no regresso nos demos conta dos salamaleques dedicados pelo pessoal de bordo do avião a um garboso militar que nos pareceu o ajudante de campo (ou coisa aparentada) de um não menos soberbo ministro da defesa de um minúsculo país africano sem defesa possível...

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Fazer pela inovação...


É uma interessante inovação da Universidade do Minho, chama-se WikiScore, uma espécie de Wikipedia para a produção de conteúdos musicais à escala global. Mas o que é também interessante é a afirmação de um dos responsáveis pela construção da nova ferramenta: “Não podemos esperar que seja a tutela ou uma fundação como a Gulbenkian a digitalizar as obras”. É um sinal de mudança de mentalidade, uma prova de capacidade empreendedora fora das amarras do Estado, um testemunho de que há talentos e vontades para criar e inovar, de que somos capazes de mobilizar recursos locais para produzir soluções globais.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O rigor e o tambor

O enviesamento da informação, fazendo de nós todos tolos, é cada vez mais insuportável. Sobretudo quando vem da RDP, serviço público que pagamos, para informar com rigor.
A propósito do Relatório do Observatório da Saúde, que conclui por indícios de racionamento na prestação de cuidados, a RDP emitiu, esta manhã, uma reportagem feita em dois hospitais. Ia no carro e ouvi. Cito de cor, mas o sentido é autêntico.
Jornalista: Então a saúde está a sair-lhe caro? Adivinha-se a resposta: os medicamentos, as deslocações, um rosário de dificuldades.
Jornalista, agora para outro doente: Então está a diminuir as suas idas ao médico? As taxas moderadoras...
Pois é, dizia o doente, se ganhasse bem, vinha mais vezes…agora com as taxas moderadoras…
E continuou o rol de perguntas da mesma espécie e teor, feitas de encomenda para a resposta pretendida.
Especialmente reveladora foi a resposta do doente que dizia que sem taxas moderadoras iria mais vezes ao médico. Mas não foi precisamente para evitar consultas por tudo e por nada que se instituíram em todo o mundo as taxas moderadoras? Que, em todo o caso, não atingem os mais necessitados, nem certas doenças, como se sabe.
À tarde, e a propósito do fecho da Maternidade Alfredo da Costa, uma reportagem com entrevista à Presidente de uma qualquer Plataforma contra o encerramento. Pergunta da jornalista: O que é que o encerramento põe em causa? 
Claro que ninguém esperaria que a resposta fosse diferente da que foi: punha em causa o serviço, os utentes, os funcionários, a qualidade, etc, etc.  
Informação com perguntas fechadas que naturalmente encerram em si a resposta, não é rigor. É mero tambor, de sons e slogans repetitivos ao serviço de interesses políticos ou corporativos. Lamentável que a RDP, serviço público que pagamos, se preste a ser um mero tambor e voz desses interesses.

Causa perplexidade...

Atrás de um desmentido vem outro desmentido e depois mais outro e outros desmentidos até ficar a ideia de que não há problema ou que havendo estão todos a mentir, assim a culpa não é de ninguém, diluem-se e misturam-se as responsabilidades, fica a pairar uma nuvem cinzenta que não deixa perceber quem afinal tem razão. O vento encarrega-se de a levar. É um filme a que já estamos habituados, rebobinado vezes sem conta e que muito tem contribuído para o descrédito das instituições políticas e públicas.
Independentemente do novelo dos desmentidos que ainda vai no adro, a notícia que dá conta de que Regulador do Sector Rodoviário (InIR) omitiu factos relevantes ao Tribunal de Contas por ordem do ex-secretário de estado Paulo Campos levanta várias questões importantes.
Em primeiro lugar, este caso deixa clara a fragilidade de algumas instituições que sendo suposto actuarem de forma independente do poder político, estão afinal debaixo da sua tutela sujeitando-se a orientações politicas que violam o estatuto de independência que a lei supostamente lhes confere e condicionam a sua actuação ao ponto de poder perigar o interesse público. A politização destas instituições levanta a questão legítima sobre a razão de ser da sua criação.
Em segundo lugar, este caso mostra-nos que a independência político-institucional é muitas vezes necessária, e que portanto é desejável que em determinados sectores haja uma separação de funções/poderes entre o Estado e as entidades reguladoras/supervisoras, mas também nos mostra que a independência quando necessária deve, então, ser acautelada com condições e mecanismos de governação e fiscalização adequados. Mas estes mecanismos não podem, em nenhuma circunstância, substituir o exercício responsável dos titulares das funções de regulação e fiscalização, dos quais se exigem actuações rigorosas, céleres e consequentes quando há factos graves que não podem ser escondidos ou esperar por melhor oportunidade para serem conhecidos ou denunciados. Este caso mostra-nos que a gestão do tempo politicamente conveniente não é admissível. Causa perplexidade...

quarta-feira, 13 de junho de 2012

No bom caminho...

Temos visto demasiada intervenção do Estado, excessiva em muitos domínios sem que se compreenda a vantagem, tal tem sido a fúria de tudo controlar, introduzindo barreiras ao bom desempenho das instituições, retirando-lhes a flexibilidade e versatilidade de resposta às mudanças. Mas também temos visto demasiada omissão do Estado em domínios em que há “falhas de mercado” e é necessária a sua intervenção.
É muito bem-vinda a medida tomada pelo Ministério da Educação que visa adequar a formação superior às necessidades do mercado de trabalho. A empregabilidade passa a constituir o factor chave na definição do número total de vagas do ensino superior.
A necessidade, há muito sentida, de articular a oferta do ensino superior às necessidades do mercado de trabalho e à realidade sócio económica e a necessidade de justificar e rendibilizar os investimentos feitos no ensino superior com dinheiros públicos são boas razões para que o Ministério da Educação estabeleça um quadro regulador para a definição das vagas e sinalização de recomendações, não deixando contudo de conferir às instituições autonomia e responsabilidade na gestão do processo.
Foi publicado um despacho do Ministério da Educação que estabelece justamente este quadro regulatório e que basicamente vem dizer o seguinte:
- que não pode haver aumento do número total de vagas de cada instituição em relação ao ano lectivo de 2011-2012, podendo ser excedido se a instituição demonstrar a existência de procura na instituição e na respectiva área de formação sem a correspondente oferta no conjunto da rede pública;
- que na fixação de vagas por curso cada instituição deve ter em consideração a empregabilidade do curso e os níveis de desemprego existentes. O Ministério da Educação publicou um estudo sobre o desemprego para apoio da aplicação das novas regras.
Com vista à adequação da oferta à procura, há também um conjunto de recomendações que sinalizam às instituições os cursos em relação aos quais devem reforçar vagas, como é o caso das áreas de ciências, matemática, informática e engenharia, assim como há decisões de redução de vagas por haver excesso de oferta, como é o caso da educação de infância.
Há muito mais para fazer, mas o importante é que o Ministro da Educação está no bom caminho...

A nova definição de traição: notas baixas!...

O Presidente da Confederação Nacional de Associações de Pais considerou que os exames de aferição de Matemática e as notas baixas “são uma traição aos alunos”. Por lhes exigir a demonstração do que sabem ou ignoram.   
Engana-se o proeminente pai da Confederação. Traição aos alunos é a forma como o ensino tem sido visto pelos “pedagogos” experimentalistas do Ministério da Educação, mera forma de entreter alunos durante o dia, e que este Ministro, muito bem, quer alterar.  
Engana-se ainda o proeminente pai da Confederação. Traição aos alunos é procurar esconder a ignorância. Se se puder esconder a nódoa, a roupa até parece limpa. Sem exames, a sabedoria é plena. E os alunos catedráticos à nascença.
A propósito: que representatividade têm estas associações de pais e estas confederações? Como são eleitos e quem os elege? Quantos votos tiveram? Há quanto tempo são os mesmos? Quem verifica se são pais, avós ou mesmo visavós? Ou representam-se apenas a si próprios? 
Porque, se representam os pais, estes têm tido o ensino que merecem. Mas os filhos serão as primeiras vítimas.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Sem pai nem mãe, por obra graça...

Não me espanta o silêncio dos media sobre os contratos paralelos das Scuts, feitos pelo anterior Governo, que agravaram os encargos do Estado (e nossos…) em 750 milhões de euros, segundo informou o Tribunal de Contas. 750 milhões que assim fugiram, de forma descarada, à fiscalização  daquele Tribunal.
De facto, não fiquei surpreendido, porque o montante em causa, 750 milhões, não tem qualquer importância nos tempos que correm; ademais, sonegar contratos ao Tribunal de Contas também não é facto assinalável.
Os media têm mais do que se entreter, que os critérios jornalísticos são coisa exigente.  Curiosamente, ainda ouvi hoje na RTP, serviço público, mais uma da infindável série de reportagens sobre as portagens, com entrevistas e publicitação directa dos boicotes que se preparam. Claro que uma parte dos custos da portagens nada tem a ver com os negócios paralelos das SCUTS. Não senhor e com toda a razão. Porque até parece que esses contratos paralelos nem existem, não têm pai nem mãe. O Secretário de Estado nega a progenitura, mas lá vai dizendo que paternidade, a haver, seria dos Ministros. Estes negam a cópula e, naturalmente, a consequente paternidade.
Enfim, apareceram espontaneamente, por obra e graça, não do Espírito Santo, que está livre desta, mas do Tribunal de Contas. Os media nada têm, pois, a esclarecer. Está tudo transparente. E há muita história de espiões para contar. Mas nada de espiar contratos paralelos. Ainda se fossem os contratos principais…

segunda-feira, 11 de junho de 2012

A Casa da Sombra (folhetim) - último episódio

O resto do Verão decorreu em grande azáfama, entre a renovação completa da casa e do telhado, as exigências das novas culturas que ensaiavam nos campos antes desperdiçados, também nos convites que recebia e retribuía contribuindo com a sua presença para o reanimar da vida social da aldeia. Nunca mais viu ou se preocupou com a sombra, ao ponto de acreditar que tudo resultara da emoção da chegada e do estado de espírito amargurado que a trouxera até àquelas paragens longínquas, tão propício a deixar-se dominar pelo medo da solidão.
Voltou para Lisboa no fim do Outono, para o casamento do filho. Os caseiros esperavam-na lá fora, junto ao portão da quinta, aguardando tristonhos as despedidas mas, antes de fechar a casa da aldeia, foi ver mais uma vez a ala dos aposentos do sogro, agora recuperada, e deixou escancarada a porta do corredor para que, na sua ausência, entrasse um pouco de luz. Foi então que ouviu, sim, ouviu nitidamente, um silvo estranho, de início um soar tímido mas suplicante, uma espécie de lamento contido que cresceu como se fosse incontrolável e logo invadiu a casa quieta, fazendo-a vibrar na sua penumbra. Sorriu com doçura, quase com gratidão, como se sentisse o sofrer de alguém e estivesse ao seu alcance dar-lhe o remédio para tal dor, mas não pôde impedir as batidas fortes do coração antes de se arriscar a encarar a sombra. Afagou as orelhas do cão, na tentativa vã de lhe acalmar os latidos agudos, ganhou coragem e a sua voz soou, alto e bom som no vazio da casa, “sossegue, eu volto em breve, mal chegue a Primavera estou cá, depois de nascer o meu neto, um dia vamos ensiná-lo a gostar da quinta”, o gemido cresceu numa ansiedade tremenda e ela quase a gritar “eu volto, descanse!”, e nesse momento a sombra desenhou-se enfim à sua frente, grande como um homem, um pouco curvada como era o sogro, autoritária e nítida, assumindo a atitude de ousadia desesperada de quem não quer nem aceita ser esquecido. Foi então que ela a olhou, firmemente e, sem qualquer tremura na voz, acrescentou: “Prometo”.
A caseira acercou-se e espreitou pela porta da rua entreaberta, intrigada com tanta demora, mas apenas viu as paredes brancas na casa silenciosa e a senhora curvada sobre o cão, a fazer-lhe um último afago no pêlo eriçado e nas orelhas pontiagudas. Ainda estranhou um lampejo cúmplice que se desvanecia nos olhos da patroa, mas virou costas, resmungando que se fazia tarde para se meter ao caminho, se queria chegar a Lisboa antes de ser noite escura.
Ela fechou a porta devagarinho, com a estranha certeza de que também ali deixava a sua alma, na Casa da Sombra, a aguardar por ela até à Primavera.

A Casa da Sombra (folhetim) - 5º e penúltimo episódio

Já o Verão ia a meio quando o marido e o filho decidiram ir buscá-la sem se anunciarem. Chegaram num dia de calor, cansados da viagem e do pó do caminho, atravessaram a pé o terreiro florido e cruzaram-se com os caseiros que, surpresos, os cumprimentaram com cerimónia e logo se recolheram a casa, levando com eles o cãozito, receosos do que pudesse acontecer.
O carro ficou ali parado, junto ao portão, até ao anoitecer, na casa viam-se as silhuetas agitadas a passar para lá dos vidros das janelas até que a porta se abriu, deixando sair com clareza o som das vozes alteradas, numa discussão breve de despedida, o marido e o filho entraram no carro, o motor arrancou com fúria e a poeira do chão perdeu-se na penumbra da noite. Ela ficou à porta, a vê-los desaparecer na curva da estrada, depois entrou em casa e deixou-se cair no sofá, junto à lareira, com a cabeça entre as mãos, soltando convulsivamente as lágrimas que lhe afogavam a garganta. O cãozito não estava ali para a alertar, por isso ela não viu a sombra deixar a mesa do candeeiro, crescer, crescer imenso até cobrir a parede toda à sua frente, hesitar um pouco e depois, como se obedecesse a um impulso irresistível, deslizar bruscamente até ao chão, deitando-se sobre os seus pés num afago impotente, vacilando fragilmente quando os soluços a sacudiam, como se sofresse com ela.
Acordou no dia seguinte decidida a ficar, abriu a porta trancada do corredor e entrou nas salas bafientas onde vivera o sogro, a avaliar as obras necessárias para recuperar aquele espaço, não fosse o filho mudar de ideias e um dia querer também passar uns tempos na casa. Foi a partir daí que o cão deixou de rosnar baixinho ao fim do serão, ficando muito tranquilo aos seus pés, mas ela procurava em vão a sombra na parede, sem compreender a vaga desilusão que sentia ao encontrar apenas o reflexo luminoso da luz firme do candeeiro na parede branca. (continua)

domingo, 10 de junho de 2012

Jogar sem tola!...

João Pimpim (jornalista de A Bola): Pode dizer-se que este (Portugal-Alemanha) foi um jogo onde a eficácia teria resolvido?
Paulo Bento (seleccionador nacional): Sim, é um factor cada vez mais determinante, pricipalmente em jogos muito equilibrados...
Óbvio!... Nos jogos desequilibrados não há qualquer eficácia. Nascem logo assim!... 

A Casa da Sombra (folhetim) - 4º episódio

Habituou-se a ir à aldeia comprar o pouco de que necessitava e voltava para a quinta, onde tinha sempre que fazer. Tinha ganho gosto pelo cultivo da horta com a ajuda do caseiro que, vencida a desconfiança inicial, lhe prodigalizava os conselhos e ensinamentos e se perdia em conversas sobre os costumes e intrigas dos arredores. Aprendeu a ir buscar os ovos às galinhas e aceitava com modéstia as lições de culinária para aprender a usar os maravilhosos sabores do campo, além de se aplicar na reconstrução do jardim em volta da casa, em substituição do terreiro poeirento e hostil que tivera que atravessar no dia da chegada. Tinha até um cãozito, como sempre desejara, que a seguia por todo o lado e lhe fazia companhia nas horas mais lentas do anoitecer. Tinha sido difícil fazê-lo calar aquele rosnar rouco em que entrava subitamente, quando a luz vacilava à passagem da sombra misteriosa que deslizava de quando em quando, sempre ao fim do serão, a caminho do corredor fechado, mas ela via-lhe o sinal das orelhas alerta e afagava-o até passar o momento de vigília. Lutava contra a ideia disparatada de que a sombra se aninhava ali, junto à parede do candeeiro, para se lhes juntar ao serão, seriam ainda as ideias tontas da caseira a influenciá-la, devia ser certamente, mas o facto é que cão rosnava sem quê nem razão e a luz tremelicava enquanto do branco da parede se descolava de repente aquela sombra escura que nunca conseguia encontrar durante o dia.
Ligava ao marido e ao filho de vez em quando, quando descia à aldeia, contava-lhes os progressos da casa e os êxitos no cultivo da horta, queria até falar dos frutos que amadureciam, generosos, no pequeno pomar recuperado, mas do lado de lá vinham exclamações iradas, que voltasse, que se deixasse de loucuras, logo seguidas do rosário de azares e aventuras sem sentido, e desligava ansiosa por voltar à sua paz. Num dia em que regressou mais nervosa, a duvidar que pudesse por muito mais tempo levar avante a sua teima de ali se instalar, ouviu pela noite um fraco gemido, um queixume doce e triste que vinha do corredor fechado e entrava sem cerimónia no seu quarto misturando-se, confuso, com os seus sonhos inquietos.(continua)



sábado, 9 de junho de 2012

As grandes frases

"...O sistema de gestão territorial, em que emerge a importância maior dos planos regionais de ordenamento do território, dos planos diretores municipais e dos designados planos especiais de ordenamento do território, não pode persistir no desconhecimento da realidade dos créditos verificados, hoje imparidades de dimensão significativa, devendo, no quadro da revisão dos instrumentos de gestão territorial designados, convergir na necessidade de redinamização do mercado imobiliário, dirigindo-se à potenciação de procuras não satisfeitas e ao estímulo de domínios estratégicos da economia portuguesa, devendo aprender a saber fazer, isto é, diferenciar o que não pode ser estimulado e o que deve ser reconsiderado face à necessidade de corresponder, enquanto sector instrumental, aos desafios colocados pela globalização competitiva, pela competição acrescida entre cidades, regiões e territórios económicos."
Fernando Seara, no DN, com o título Territórios Económicos (ou resíduos tóxicos).
Chegar ao fim do parágrafo e ficar sem resíduos tóxicos merece condecoração no 10 de Junho!... 

Medidas concretas precisam-se...

Mantém-se o ritmo acelerado de entrega de casas aos bancos pelas famílias incapazes de manter os compromissos assumidos nos créditos à habitação contraídos. Dediquei a este assunto várias reflexões aqui no 4R.
O acelerado incumprimento no crédito à habitação é um dos reflexos da gravíssima crise que atravessamos, a atingir dezenas de milhares de famílias que perante a guilhotina do desemprego, a redução de rendimento, o aumento dos impostos e a escalada do aumento dos preços de bens e serviços considerados essenciais, a que em muitos casos se juntam situações de sobreendividamento com recurso desajustado e descontrolado a outro tipo de créditos, não conseguem satisfazer os contratos com os bancos, não lhes restando outra saída que não seja a entrega da casa, com tudo o que a perda de um “tecto” significa para a vida de uma família que se vê no desespero de ficar no “meio da rua”. São milhares de dramas pessoais e familiares de difícil solução quando a solução é perder o que resta de um caminho penoso de um acumular de dificuldades e sacrifícios. Não custa pensar a brutalidade que pode atingir uma tal perda.
A necessidade de encontrar um regime excepcional para lidar com os incumprimentos, evitando perdas irrecuperáveis para ambos os lados, as famílias de um lado e os bancos do outro lado, surgiu tarde, já o fenómeno se apresentava como um flagelo social. A primeira proposta política para lidar com esta situação crítica surge em Março pela mão do BE e seria um pouco depois, em Abril, pela mão de um juiz de Portalegre que o assunto assume maior visibilidade e discussão, com o governo e os partidos políticos a virem a terreno dizer de sua justiça, informando que o assunto não estava esquecido e estava a ser estudado, e diversas organizações da sociedade civil e vários comentadores e especialistas opinando e alertando para a necessidade de medidas políticas urgentes e consequentes.
Uma coisa é certa, os partidos políticos apresentaram diversas propostas - no plano preventivo e no plano curativo - pelas notícias que li são dezoito, que foram esta semana discutidas na Assembleia da República. Sendo diferentes nas soluções e nos impactos e no campo das definições – incluindo obrigatoriedade de reestruturação das dívidas das famílias por parte dos bancos, regras para a revisão dos spreads, introdução de moratórias/períodos de carência, transformação do crédito em arrendamento com opções de recompra, entrega das casas em dação de pagamento, com aplicação mais ou menos alargada ou restrita em função da situação económica e social das famílias – é importante registar, pela sua raridade, o alinhamento nas preocupações e o consenso político gerado em torno da vontade de trabalharem em conjunto uma solução que responda ao problema.
De facto, a sangria do incumprimento impõe urgência numa solução política, que ainda que seja rápida terá uma tramitação legislativa demorada até à sua entrada em vigor. Esperemos que se entendam até ao fim e que sejam capazes de aprovar um regime que aproveite os contributos de todos, que seja capaz de fazer uma justa redefinição e redistribuição dos custos e dos riscos em presença, protegendo em particular a parte mais fraca, em especial as famílias que pela sua condição económica e social nas circunstâncias se apresentam mais vulneráveis e necessitadas de uma ajuda efectiva. Aguardemos positivamente...

A Casa da Sombra (folhetim) - 3º episódio


Encorajada pelo sorriso franco com que a sua ousadia foi recebida, passou à sala iluminada e tirou do aparador um prato, um copo, os talheres e esperou que a patroa fizesse as honras ao pitéu. Só depois lhe perguntou se sempre era verdade que havia um fantasma na casa ou se as almas estavam em seu devido descanso, como Deus queria. È que na aldeia não se cansavam de lhe perguntar e já parecia mal que não se interessasse, além disso, se a patroa vinha para ficar havia que afastar boatos, para não ficar naquela solidão, e começar a receber visitas tal como o antigo patrão tanto gostava de fazer, aquela casa, ninguém diria, tinha conhecido dias de grande alegria de que muitos ainda se lembravam com saudade.
Ela riu-se, divertida. Havia ruídos na casa, sim, assustou-se muito até aprender a conhecê-los, nos primeiros dias o que mais lhe custou foi que a faziam sentir-se uma intrusa, como se alguma força oculta a quisesse expulsar da quietude que ali se instalara. Mas logo pensou que seriam as madeiras a ranger, ou os gonzos das portas mal oleados, gemidos não, pelo contrário, o que ela ouvia eram sons de regresso à vida, seriam talvez afinal uma forma da casa lhe dar as boas vindas, pensara assim para sossegar e logo os sons se tornaram familiares, embalando-a cada noite até adormecer. Revira isso tudo antes de responder, mas só disse, “Não se preocupe, mulher, vá descansada, aqui não há almas penadas e, além disso, eu não tenho medo dos mortos, só dos vivos, esses é que nos fazem mal…”
A caseira guardou as mãos no avental, para esconder a reza em que se embrenhara enquanto ouvia falar dos espíritos com aquele desafronto e suspirou, conformada. “Pois será, patroa, mas cá para mim eles afastaram-se com a sua vinda, o patrão velho não se conformava com o abandono da casa, foi o que foi, ralhou até alguém da família o ouvir, os espíritos têm muita força, é ver como veio de tão longe para aqui sozinha e, no entanto, já lhe fugiu a tristeza, que dava dó só de a olhar quando chegou. O espírito andava aí mas sossegou, não se fala mais nisso, amanhã já digo na aldeia, a casa chamava por si e agora a alma do seu sogro está em descanso. Ámen.” E benzeu-se, enquanto se dirigia para a porta, ainda a matutar no que ouvira. Por isso não reparou que o sorriso da patroa se esbatia enquanto o seu olhar seguia, intrigado, a estranha sombra que deslizava sob a luz do candeeiro e se esgueirava, sorrateira, pela frincha da porta trancada do corredor, desaparecendo na ala escura onde ainda estavam, intactos há anos, os antigos aposentos do sogro.
“Amanhã vou arranjar os canteiros à volta da casa”, disse ela em voz alta, a iludir o súbito arrepio, “depois mando caiar as paredes”, acrescentou. Só então lhe ocorreu que falava alto talvez para que a sombra a ouvisse e pudesse enfim descansar na certeza do seu propósito de ficar. Ah, a caseira e as suas crendices tinham-na influenciado, a ela, uma mulher da cidade, ainda acabaria uma velha tonta, a falar com as galinhas e a limpar as mãos ao avental enquanto desfiava rezas em surdina. Riu-se com ideia e isso apaziguou-lhe o espírito antes de adormecer profundamente na casa enfim silenciosa, enquanto a lua subia no céu, iluminando os campos até perder de vista. (continua)