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sábado, 13 de abril de 2013

"Maionese"


Leio com interesse as opiniões sobre a origem do homem e a sua eventual relação com deus. Em pequeno ouvia as explicações, mas era mais fácil acreditar nas prendas que o menino Jesus me dava no Natal do que acreditar nas histórias bíblicas da criação do mundo, ou melhor, do homem, porque o mundo fazia-me muita confusão, era grande demais para mim, já que estava acantonado a uma pequena e desconhecida vila. Cedo comecei a ouvir que os homens se maltratavam uns aos outros. Ouvia muito acerca da guerra, dos mortos, dos feridos, da miséria e da fome. Vi a agressividade expressa na violência brutal que as mulheres eram vítimas durante o silêncio da noite rasgado pelos gritos de dor. Vi a dor expressa nos rostos de pais que perdiam os seus pequeninos. Sentia-me ofendido com a explicação do padre, segundo o qual deus queria "anjinhos", "matando" bebés não batizados, alguns dos quais levei até ao cemitério, sem qualquer cerimónia religiosa. Quando queriam explicar algo mais complexo, ou transcendental, socorriam-de de soluções divinas não passíveis de serem discutidas. Ai de mim se exteriorizasse alguma das interrogações que começavam a germinar dentro da cabeça. Das poucas vezes que me atrevi a fazer perguntas inoportunas, senti, imediatamente, faíscas reprovadoras a quererem queimar-me a alma e sabe-se lá se não o corpo. Crescia e desconfiava. Cada vez mais. As explicações não eram verificáveis nem passíveis de serem contestadas. Calava-me. Era o melhor que fazia. Hoje posso falar sem medo. 
Vejo, repetidamente, a tentativa de colocar deus por detrás de tudo, como se fosse possível explicar tudo o que não se compreende e o que não se sabe. Argumentos? São produzidos à exaustão através de uma dialética intencionalmente complexa, mostrando que assim se pode ir até à causa última. Não digo que me divirto, apenas me surpreende esse comportamento arrogante e típico da espécie humana que se deve julgar como tendo atingido o máximo de inteligência digna de um "deus". Os seres humanos endeusam-se a cada dia que passa e a cada dia que passa demonizam-se a ponto de fazer corar de vergonha o diabo e companhia. No tocante à evolução fazem tudo para colocar deus na sua génese, misturando religião, fé e ciência, uma estranha emulsão que querem fazer crer que é a "solução". Agora já não contestam, já viram que não conseguem. O inexplicável passa muitas vezes para o campo da fé. Um bom refúgio, que permite tranquilizar e morfinar os sentidos da alma. No fundo, até são capazes de terem alguma sorte, não em termos de razão, mas em termos de paz existencial. 
Lembro-me de em pequeno, a par das minhas crescentes desconfianças das explicações que me queriam impingir, que era "obrigado" a fazer maionese. Tinha de ter muito cuidado para "ligar" as gemas de ovo, o vinagre e o azeite. Qual quê! Nunca consegui fazer uma maionese, o que me valia alguns raspanetes e críticas. Acredito piamente que os que acreditam nas explicações divinas ficam satisfeitos com as suas escolhas e visão do mundo, porque sabem fazer maioneses "interpretativas", usando como ingredientes os ovos da criação, o vinagre da imaginação e o azeite da inspiração. Eu nunca consegui fazer maionese...

sexta-feira, 12 de abril de 2013

A cidade que motoriza...

"...A cidade afirmativa, amiga e estimuladora da iniciativa dos cidadãos, das empresas, e, de modo particular, a cidade-capital que motoriza a economia nacional e exemplifica caminho e percursos de desenvolvimento, obriga-se à consideração ajustada e determinada em configurar e sublinhar um renascimento urbano poderoso, a caracterizar-se por aumento verificável da coesão social, da inovação e renovação cultural, da revisão e estímulo a uma base económica aberta e competitiva, contrariando a recessão, e traduzindo-se em avanços de autoestima, promovendo a revalorização do património natural e cultural e ao reforço da governança metropolitana distintiva e assente em modernidade".
Fernando Seara, em artigo no DN, Cidade, Mudança e Atitude II

Aprendei oh gentes, que já é tempo!...

Dívidas públicas do Euro: agora mais uma ajuda, do Bank of Japan...

1. Ganharam intensidade, nos últimos dias, notícias e comentários da imprensa especializada referindo o impacto, potencialmente importante e favorável, que a nova política ultra/super-expansionista do Bank of Japan (BoJ) estará tendo nos mercados de dívida pública da zona Euro, incluindo alguns países periféricos.
2. Por todos, posso mencionar (e recomendar a leitura a quem ainda o não tenha feito) um interessantíssimo artigo na edição de 9 do corrente do F. Times, “Starved of yield at home, Japan’s investors go to west”, pág. 9.
3. Esta política do BoJ produz um duplo efeito, baixando as taxas de juro da dívida pública japonesa e causando escassez de títulos de dívida disponível para o mercado (prevê-se que o BoJ absorva cerca de 70% do montante de dívida emitida pelo Governo ao longo de um período que pode ir até meados de 2015), induzindo os outros investidores, institucionais em especial, a procurar alternativas, internas e externas, para aplicação da sua enorme capacidade financeira.
4. Esta política do BoJ, embora no seu início, terá já influenciado favoravelmente os mercados de dívida na Europa, fazendo baixar as yields no mercado secundário nomeadamente para a Itália, Espanha e Irlanda (neste último caso já abaixo de 4% no prazo de 10 anos)...embora não para a dívida portuguesa, por enquanto, graças à oportuna e patriótica intervenção jurisprudencial do TC que lá vai dando uma ajudinha aos “especuladores”...
5. E, segundo as mesmas fontes, um leilão de dívida italiana ontem realizado, aos prazos de 3 anos (taxa de 2,29%), 4 anos (taxa de 2,74%) e 15 anos (taxa de 4,68%), num total de € 7,17 mil milhões, com taxas mais baixas do que em leilões anteriores – passando por cima da crise/impasse político que se seguiu às eleições de Março – teria sido já influenciado pelas notícias da chegada de investidores japoneses a este mercado.
6. Já aqui tinha referido a ajuda do FED, cuja política também ultra-expansionista embora bem menos agressiva do que a anunciada pelo BoJ, havia induzido investidores institucionais americanos a comprar dívida europeia, beneficiando bastante as condições do mercado (incluindo da portuguesa).
7. Os países do Euro encontra-se assim em período de graça, emitindo dívida pública e outras com muito maior facilidade e em condições cada vez mais favoráveis, por efeito destas ajudas objectivas que vão chegando do exterior – dir-se-á que tanto o FED como o BoJ estão trabalhando por conta do BCE que assim nem precisa de se “esforçar” muito...
8...o que não deixará de causar alguma irritação aos profetas da desgraça que por aqui vão prolongando "ad nauseam" os seus cenários catrastrofistas, profetizando desgraças a torto e a direito para o País e para o Euro, chegando ao ponto de recomendar o não pagamento da dívida como solução para os problemas, enfim um rol de charlataniceses que transmite a ideia de um crescente desfazamento da realidade...

A racionalidade dos mercados

Dizia-me um conhecido jornalista que houve quem, nos primeiros tempos da bolsa nacional na sua versão atual, pensava que o índice PSI 20 era o resultado da avaliação do comportamento do mercado bolsista feita por 20 psicólogos. Não o é, mas acredito que psicólogos pudessem ser úteis para ajudar a perceber o comportamento daqueles que determinam o sobe e o desce do mercado bolsista.
Por exemplo, horas antes desta nota anunciou-se que a Portugal foi concedida a extensão das maturidades dos empréstimos-resgate. Efeito: bolsa nacional caiu!
Alguém (que não um psicologo), sabedor das verdadeiras causas virá por certo explicar que isto é racional e se deve, sei cá, aos problemas orçamentais do Malawi...
 
P.S. Nem de propósito. Uma analista pertencente a uma agência qualquer explica que o vermelho vermelhão da bolsa nacional não é afinal devido às dificuldades orçamentais no Malawi, mas à quebra das vendas a retalho nos EUA. Bolas, estive tão perto de acertar...

Remodelação, três notas

1ª. Depois da demissão de Miguel Relvas, comentadores e jornalistas (e jornalistas-comentadores) afirmaram saber que para o seu lugar estavam destinados pelo menos estas personagens: Miguel Macedo, Luís Montenegro e, numa versão que andou por aí jurada a pés juntos, Paulo Portas que ascenderia, finalmente, a número 2 do governo como vice-PM. Confirma-se por aqui o valor do jornalismo e comentário políticos, que vivem das especulações que a muitos interessa alimentar.
 
2ª. Ainda há quem, competente, com passado, história e prestígio firmado em mérito comprovado e reconhecido se disponha a servir o País a despeito dos mais que certos sacrifícios, renúncias, perda de liberdade, invejas e sobretudo das incompreensões.

3ª. Ou muito me engano ou estas mudanças no Governo vão ter por efeito secar muitas das fontes de informação de alguns comentadores da nossa praça.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Decididamente, OCDE e Crescimentistas não conseguem entender-se!

1. A OCDE voltou ontem a reiterar a previsão de retoma económica em Portugal, para os próximos meses, numa surpreendente e lastimável divergência em relação aos nossos estimados Crescimentistas...e desta vez com especial estrondo.
2. Com efeito, o indicador (avançado) compósito da actividade económica para Portugal, elaborado pela Organização, evidencia uma nova subida, agora para mais de 100 pontos, “superando a média de longo praz”, chegando aos 100,28 pontos, sinalizando uma clara recuperação da actividade para os próximos meses...
3. Curiosamente, também a Itália, a Espanha (note-se que as exportações portuguesas para Espanha voltam a crescer em 2013, depois de 2 anos consecutivos a cair), a Irlanda (sem surpresa) e a Grécia (quem diria?) apresentam melhores perspectivas para os próximos meses, segundo a OCDE.
4. Será que a receita de política económica abominada pelos Crescimentistas, que juram a pés juntos jamais poder dar outro resultado que não seja recessão e mais recessão – vulgarmente denominada Austeridade pelos medianamente cépticos ou Austerismo pelos cépticos mais radicais – afinal resulta e vamos, de novo, ter a dita de ver o sol a raiar, dispensando a oferta e a promessa de um dos principais porta-vozes do Crescimentismo?
5. Decididamente, a OCDE e os Crescimentistas que tanto a adularam em tempos passados, estão agora de costas voltadas, não se entendem! Quem diria!
6. Nos próximos 6 meses poderemos ver quem, afinal, terá razão - se a OCDE ou, pelo contrário, os Crescimentistas...
7. Não percam por isso os próximos episódios desta emocionante disputa! Eu, sem qualquer reserva, torço pela OCDE, que me perdoem os simpaticos Crescimentistas que vão passando por este Blog.
8. Nota final: esta notícia passou quase despercebida na onda de comentários que diariamente nos avassalam com a divulgação de múltiplas desgraças, nos mais diferentes "media"...neste ponto, os Crescimentistas estão bem protegidos...

Por muito esforço que se faça...

... ele há coisas que não se conseguem esconder.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

"O miúdo que sabe que tem uma missão"



Cada vez dou mais atenção à garotada. Gosto de os ouvir e admiro a construção dos seus pensamentos. São infantis? Sim, são, mas não deixam de ser pintados com pureza. Desprovidos de preconceitos, e ricos de fantasia, acabam por proporcionar novas visões do mundo permitindo compreender melhor os comportamentos dos mais velhos. Aprendo com eles e quero continuar a aprender.
Há dias escrevi um pequeno texto, intitulado "Imaginação", em que relatei um pequeno episódio de um coleguinha da minha neta, no qual o miúdo dizia que tinha o "mais poderoso de todos os poderes, a imaginação". Publiquei-o. A minha filha contou-lhe que tinha em casa o texto com a história para lhe dar. Ficou de boca aberta e, ansiosamente, perguntou-lhe quando é que lhe dava. Hoje deu-lhe. Ficou satisfeito e sentiu-se muito importante. Tem cinco anos e obrigou-a a que lhe contasse a história. Sentaram-se na salinha do colégio onde estavam os outros meninos. Não lhe leu o texto, contou-o para que o entendesse. Atento, de olhos esbugalhados, absorvia tudo. Afinal tudo tinha a ver com a imaginação, o seu mais "poderoso poder". - Sim, eu tenho muito poder. A certa altura, como tinha escrito que ao falar lançava perdigotos, manifestação do seu entusiasmo, perguntou: - Que é isso de perdigotos?- Perdigotos é isso que me estás a deitar na minha cara. A cuspir-me toda. Riu-se. No fim, a propósito de ter dito que a imaginação é uma forma de fugir à realidade, disse com muita ênfase: - Mas isto é a realidade! Isto é a realidade! E sabes, nós todos temos uma missão na terra, todos os dias, que é salvar o planeta. E eu tenho uma missão muito importante, um dia ainda vou cumprir uma missão, quando for mais crescido. - Claro, quando fores mais crescido. E quando fores mais crescido vais gostar mais desta história. Agora és muito pequenino. Vais guardar a história para ler mais tarde. - Ah, pois vou. Pois vou. Vou guardá-la, vou guardá-la para sempre e quando morrer vou levá-la comigo. Vai comigo. A forma excitada como o miúdo se expressava cativava num crescendo a contadora do meu texto, enquanto os coleguinhas se acotovelavam, dizendo que também tinham poderes. Demonstravam inequivocamente possuírem "poderes", poderes que gostariam de ser retratados também em textos, para mais tarde os lerem e guardá-los, como o meu amigo, que tem o "mais poderoso dos poderes", estava a fazer naquele momento, apertando com as duas mãos a fotocópia de um texto, inspirado em si, contra o peito, com medo que lhe o tirassem. Um pequeno papel que estava a atrair a atenção dos coleguinhas, desejosos de terem, também, o seu. E deveriam ter.
O miúdo que lança perdigotos ensinou-me que "nós todos temos uma missão na terra, todos os dias, que é salvar o planeta". E também tem consciência de ter "uma missão muito importante". Um dia ainda vai cumpri-la, quando for mais crescido. Tem cinco anos e pensa. Pensa e ensina. Ponho-me a pensar se não valeria a pena registar as histórias de crianças para os adultos lerem. Afinal, a garotada também sabe ensinar, e de que maneira...

Morreu um "poeta" da medicina.


Um homem brilhante. Não teve uma vida fácil, mesmo nada. Merece o maior respeito pela sua obra, graças à qual muitos casais são hoje felizes. Contribuiu para a correção de certos "erros" da natureza. Paz e honra à sua memória.


Em 4 de outubro de 2010 escrevi um pequeno texto, intitulado "A técnica mais poética da medicina moderna", em homenagem a Robert Edwards quando lhe foi atribuído o Prémio Nobel da Medicina.

Cortes e reformas, reformas e cortes...

A questão é sempre a mesma. Somos capazes de fazer melhor com o mesmo ou menos? O facto de o investimento ter decrescido na educação é pronúncio de que vamos fazer pior ou que não teremos condições para continuar no caminho de nos aproximarmos dos nossos parceiros europeus?  Como se relaciona o investimento realizado com o nível de desempenho? É este tipo de preocupações que precisamos de ter quando se fala no célebre corte de 4 mil milhões de euros nas funções sociais. Faz toda a diferença entre cortar ou reformar. E faz toda a diferença avaliar os custos de perda de qualidade e de resultados dos serviços quando se reduzem orçamentos. E o contrário também é verdade. Atirar dinheiro para cima dos problemas pode ser um problema e não uma solução. A medição de impactos é fundamental nas decisões políticas. Há cortes que são produtivos, há outros que são destrutivos. Em ambos os casos é fundamental fazer uma medição. Sem medir não é possível avaliar. Por cá estamos cheios deste tipo de procedimentos. Decide-se e depois logo se vê, decide-se no momento porque é popular, o resto não conta. Ou decide-se porque a necessidade é mais forte. É por isso que as reformas são importantes porque tendem a introduzir racionalidade económica e social nas medidas e opções políticas. Seja na educação, saúde, segurança socail, etc. Uma coisa é certa, precisamos de melhorar as nossas qualificações para competirmos no mercado global...

Este mundo está mesmo a ficar perigoso!

E não é que comeram o camelo do Presidente francês?

terça-feira, 9 de abril de 2013

Ler

Cheguei de véspera, o que me dá um particular prazer, não fazer nada antes de trabalhar. É nestes momentos que consigo encontrar algo que me satisfaz ou me induz a pensar sobre o que fazer. Meia-hora é um tempo precioso para o início de um novo dia. Olhei para o templo do outro lado da rua. Há muito que me anda a seduzir, convidando-me para ver os seus interiores. As portas de grades estavam fechadas. Contornei-o na esperança de encontrar uma outra entrada, mas nada, voltei à fachada principal e contemplei o pequeno átrio, onde numa parede se encontravam placas comemorativas, umas medievas e outras modernas. Sorri. Não sabia que a visita àquele local de um presidente da república fosse tão importante a ponto de ter uma placa comemorativa. Ridículo, pensei. Ainda bem que outros não tenham aparecido ou sido convidados, se não ainda acabariam com a elegância da fachada. Estava para me ir embora, quando ouço o som de uma velha fechadura a abrir-se. Será que é da porta? Aguardei uns instantes e nada, a fechadura, velha, e a porta de dimensões razoáveis, não deveriam ser fáceis de abrir. A porta abriu-se, logo, tive a esperança de poder ver, ainda que por breves momentos, o seu interior. Em seguida, um senhor fino, de cabelos brancos, abriu, também, as portes gradeadas de ferro. Saiu e disse-me, bom-dia. Bom-dia, ripostei. Entrei e viajei por um espaço que outrora deverá ter sido de uma beleza ímpar. Frescos, muitos destruídos, mas, mesmo assim, reveladores de uma beleza artística capaz de aquecer a alma do mais impuro e insensível dos seres humanos. Fiquei impressionado. Percorri todo o templo numa semi penumbra fresca e quente. O padre, devia ser o padre, reentrou e foi para o altar. Começou a ler o Livro, talvez para se inspirar, para dizer algo a quem o queira ou possa ouvir. Ele lia no Livro e eu lia nas paredes, nas imagens, nos frescos, no silêncio de um espaço decadente e ao mesmo tempo sublime. Sem riqueza, apenas com beleza. Adotei-o instintivamente. Pensei, mais um local onde posso descansar o tempo que procuro achar e que não acho. Uma caverna onde se pode encontrar um refúgio, encontrar encantos e mensagens de outras eras, enigmáticas, doces, quentes e nutritivas. Ele, o padre, presumo que deveria ser o padre, continuava a ler e a inspirar-se, e eu também, ele à sua maneira, com a sua crença, e eu à minha, à procura de uma crença...

Solnado revisitado

A TSF está a relembrar bons momentos de humor passados naquela estação de rádio. Hoje foi buscar uma das imbatíveis histórias de Solnado, no caso um telefonema a pedir a presença dos capacetes azuis na aldeia da Abrolha. O caso foi que tinha sido anunciado o pagamento de subsídios aos agricultores que arrancassem as vinhas, o pai do rapaz queria aceitar e disse-lhe que o futuro ele ele ir estudar para médico, quem sabe talvez chegasse a director de um hospital, mas o padrinho, também dono da vinha, dizia que não, que quando ele acabasse o curso já tinham fechado todos os hospitais e que, se mantivessem a vinha, ao menos “sempre ia pingando qualquer coisa”. Entraram depois em cena, sucessivamente, outro tio, uma prima, o padre, uma vizinha, enfim, gerou-se uma crise total, ao ponto de ele, o rapaz, ter pegado no telefone para pedir a intervenção das forças da ordem internacional para meter nos eixos a aldeia da Abrolha, onde ninguém se entendia e, palavra puxa palavra, se multiplicavam as crises.
Às vezes o nosso País parece mesmo uma história do Solnado, se não fosse tão grave até dava vontade de rir.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Margareth Tatcher

"...Vocês não se importam que os pobres fiquem mais pobres desde que os ricos fiquem menos ricos..."
"...Não interessa que os ricos fiquem mais ricos, se essa é a condição para que os pobres fiquem menos pobres..."
"...Não há essa coisa de sociedade, há indivíduos e famílias..."
Margareth Tatcher
Foi sempre severamente criticada pela Oposição Trabalhista. Mas nenhuma das suas grandes reformas foi posta em causa quando a oposição trabalhista se tornou Governo.
Por isso, os seus concidadãos prestam-lhe justa homenagem. Uma grande líder e uma enorme estadista. Exemplo para a Europa.   

PAEF: 7ª Avaliação emperrou? Mas ainda faltam (pelo menos) mais 5...

1. No último Post que aqui editei, citei algumas passagens da declaração conjunta EU/FMI/BCE referente à 7ª Avaliação do PAEF, das quais se podia concluir que essa Avaliação não estava ainda fechada, faltando um plano orçamental de médio prazo (com especial incidência em 2013 e 2014), construído a partir das medidas de reforma/redução da despesa pública (os míticos € 4 mil milhões)...
2. ...programa esse que o Governo se terá comprometido a aprovar e publicar a muito breve prazo, certamente beneficiando dos preciosos “inputs” da muito esclarecedora discussão pública do tema, que decorreu há algumas semanas com a participação das elites bem-pensantes do País, envolvendo mesmo um escol de indignados...
3. Mas acrescentei, cautelarmente, no final desse Post, que seria ainda necessário conhecer a ansiosamente aguardada jurisprudência do TC, da qual era legítimo esperar algum contributo para a ultrapassagem das dificuldades com que estamos defrontados, porventura oferecendo maior consistência ao referido programa de reforma/redução da despesa pública.
4. Conhecida a aguardada jurisprudência, na qual ficou bem assinalado o exacerbado patriotismo e o espírito filantrópico dos altos magistrados, o cenário com que nos achamos defrontados já não é o de reforma/redução da despesa pública, mas sim o de exaltação/agravamento da mesma.
5. Neste contexto, assistimos a uma curiosa evolução semântica, que consiste em passar de um cenário de ENCERRAMENTO para um cenário de EMPERRAMENTO da 7ª Avaliação, começando a parecer que esta Avaliação está ensombrada, não se podendo imaginar quando dela sairá (se é que alguma vez vai sair) alguma conclusão útil...
6. Escusado será dizer que os estimados Crescimentistas estão mais do que exultantes - pressentindo que a sua hora está a chegar é visível como salivam abundantemente - prontos para oferecer à Pátria as suas propostas salvíficas, as quais, apesar de envoltas em grande mistério, não deverão afastar-se muito (até para não correrem riscos desnecessários) do guião da nova política de Hollande, cujo sucesso tem vindo a galvanizar a França como bem sabemos.
7. Há entretanto um pormenor em que talvez convenha reparar: é que depois desta 7ª Avaliação do PAEF estavam ainda agendadas (pelo menos) mais 5...por este andar, parece que a conclusão do Programa vai ficar mesmo encomendada a Sta Engrácia...
8....mas não creio que tenhamos razão para nos preocuparmos: na altura própria, as soluções mágicas dos Crescimentistas tudo resolverão sem mais custos. Basta por os olhos em França

"O negro vestido de cor-de-rosa"


Nesta altura do ano costumava ser bafejado pelos beijos e carícias da natureza. Não sei o que lhe aconteceu, anda triste, chorosa e cinzenta. Para a contrariar fui ao meu álbum de pequenos textos e retirei este. Deixei-me embrenhar nos sons, no sol e no cor-de rosa. Fez-me bem...

"O negro vestido de cor-de-rosa"

Há uma pequena recordação de infância que nunca pude esquecer, pela beleza, pelo toque e, sobretudo, pela sensação que me produziu. Nesta altura do ano, quando me levantava mais cedo, agora é mais do que habitual, passou a ser um castigo, sentia ao alvorecer a ameaça do calor e a frescura matinal. Uma estranha combinação, sensação de calor e de frescura simultaneamente, que ocorre apenas durante um breve período. Está dito, é a combinação mais preciosa que conheço, porque consegue justificar a vida, pelo menos temporariamente. As justificações têm uma duração própria, renováveis caso o interessado assim o manifeste.
Hoje, durante a curta viagem, surgiu na minha mente a figura do negro vestido de cor-de-rosa da cabeça aos pés. Chapéu cor-de-rosa, casaco, camisa, gravata, calças e sapatos cor-de-rosa a realçar o negro brilhante da cara. Na mão direita um trompete e na esquerda um lenço, também cor-de-rosa. Surgiu do nada, no outro lado da rua, em pleno início da manhã. Tinha acabado de tomar um pequeno-almoço prematuro. Com tempo mais do que suficiente para retomar as minhas atividades deu-me na veneta dar uma volta pela cidade, cidade que se esqueceu dos passeios. Era a segunda ou terceira vez que visitava aquele lugar, que não me desagradava de todo, confesso, exceto a mania de fazerem tudo de carro, esquecendo-se da importância de caminhar na urbe. Outro país, outro continente, outros hábitos, outra cultura. De repente, surge no meio daquela combinação, que tanto aprecio, ameaça de calor e frescura matinal, o estranho e enigmático negro vestido de cor-de-rosa. Acenou-me com um largo sorriso mostrando-me o piano perfeito dos seus dentes. Aproximei-me cheio de curiosidade, estava na idade em que ainda se aprende muito. Olhou para mim, fez um pequeno compasso de espera, colocou o trompete na boca e começou a tocar um solo surpreendente que encheu por completo a atmosfera de calor e de frescura naquela manhã cheia de vida e de esperança. Tocou, as notas pareciam pequeninos diamantes lançados com alegria por uma alma tranquila, desprendida e deliciosa. Fiquei de boca aberta, não queria acreditar no que via, e ouvia. No final, limpou as bocas, a sua e a do instrumento, e olhou sorridente para mim. E agora, pensei, o que é que vou fazer, será que tenho de lhe dar alguma coisa, talvez tenha exteriorizado as minhas interrogações com um levantar dos ombros. Riu-se. Lançou uma rouca gargalhada, tão bela como os acordes que tinha tocado, e disse, it's for you my friend, it's for you. Have a nice day. Virou as costas e pôs-se a balancear ritmicamente como só os negros sabem, como se estivesse a ouvir os acordes de uma qualquer banda de jazz composta de anjos e serafins. Deixei de o ver quando se embrenhou na primeira cortada, deixei de o ver, mas nunca deixei de o ouvir. Hoje deu-me para pensar, por onde andará o negro vestido de cor-de-rosa? Não sei, mas gostava de o ver e que muitos mais também o pudessem contemplar. Se um dia alguém me perguntar como imagino um anjo, digo de imediato, negro, vestido de cor-de-rosa da cabeça até aos pés e a tocar um belo solo de jazz, tal e qual como naquele breve período matinal onde a ameaça de calor copulava voluptuosamente com a agradável frescura do novo dia...

Requiem por Maastricht?


Os últimos sucessos na Europa do euro, de que o episódio mais recente ocorreu a propósito da decisão do Tribunal Constitucional português, põem em cima da mesa, como nunca antes tinha estado, a questão do projeto de uma UE baseado nos pressupostos do Ato Único e do Tratado de Maastricht.
Entre nós, tal como aqui ao lado, está a quebrar-se a unanimidade nos partidos do arco governativo, existente desde a adesão, quanto ao projeto europeu. Mais: no seio do PSD e do PS, tal como no seio do PP e do PSOE no país vizinho, surgem a cada dia que passa mais vozes a criticar o modelo assente  numa convergência meramente nominal, modelo que - é já uma evidência -, conduz na realidade ao aumento da divergência real entre os Estados.
Mas mais grave do que esta constatação é a perceção de que a moeda única, para além da destruição das economias estruturalmente mais débeis, está a corroer os valores sobre os quais se construiu o edíficio europeu: a igualdade, a solidariedade e a democracia. Bem vistas as coisas não foram estes valores que estiveram em causa na decisão do Tribunal Constitucional?

domingo, 7 de abril de 2013

A nova praga...



Como qualquer miúdo, cedo soube identificar o Coliseu de Roma. Local onde os romanos iam assistir a jogos medonhos, cruéis, onde se praticavam sacrifícios dos pobres cristãos, perseguidos e humilhados pelas suas crenças. Não conseguia compreender como é que algo tão horroroso conseguia despertar interesse e provocar gáudio aos cidadãos romanos, que faziam parte de uma civilização notável. Demorou muito tempo a compreender a expressão latina "Panem et circenses", pão e circo. Ao cidadão de Roma era dado diariamente a sua dose de pão e entrada gratuita na sala de espetáculos. Estavam entretidos e com os estômagos cheios. Deste modo, agradeciam aos seus "dirigentes" tamanha generosidade, numa altura em que o "desemprego", ou o seu equivalente, atingia uns trezentos mil cidadãos. 
Olhando agora com outros olhos para esta situação, desenhada na altura pelo império romano, podemos concluir que era já um sinal de decadência civilizacional, como se comprovou posteriormente.
Nos tempos que correm o Coliseu de Roma foi substituído pela televisão. Alguns tipos de espetáculos são medonhos, cruéis, permitindo assistir em direto, ou em diferido, a sacrifícios humanos, que, apesar de não envolverem a morte e o sangue, destroem e desvalorizam a alma e a dignidade das pessoas. Quanto a espetadores é coisa que não falta. Cada um dos canais luta com fervor e imaginação para aumentar as audiências, usando todos os truques, mesmo que ponham em causa os mais básicos princípios subjacentes à dignidade humana. E não têm pejo em usá-los. Dentro das estratégias televisivas contam-se os comentadores políticos, uma praga em crescendo. Em vez de ajudarem a esclarecer o pobre do cidadão, acabam por alimentar a desconfiança, através da construção de factos com objetivos pouco confessáveis; desejam manipular os eleitores, não se coíbem de branquear comportamentos e condutas pouco edificantes, ou seja, comportam-se como alcoviteiros e calhandreiros de péssima qualidade. São ouvidos? São, e de que maneira, a ponto de fazerem inveja aos patetas alegres dos seus colegas dos programas desportivos. Esta epidemia é muito perigosa e pode causar mais mal do que bem. Afinal, será que o cidadão comum precisa deste pessoal? Será que não consegue interpretar e analisar os factos e acontecimentos que se vão desenrolando no nosso dia-a-dia, com todas as diferenças que nos caracterizam? Então, porquê este massacre televisivo? Para obter audiências, para que possam vender mais e mais caro a publicidade? Para ganharem mais dinheiro? Só pode. Tem de haver motivos na base desta conduta e não me digam que o fazem por interesse público! Oferecem-nos um circo, que não é tão à borla como isso, e ganham o seu "pão", eles, a maior parte dos comentadores e as estações que os contratam, à custa de um verdadeiro espetáculo de política e politiquice através de politiqueiros que se comportam como verdadeiros "sacerdotes", despertando e mantendo a fé dos seus discípulos de acordo com as suas "religiões".
Karl Popper escreveu em tempos, conjuntamente com John Condry, um pequeno ensaio muito interessante intitulado, "Televisão: um perigo para a democracia". De acordo com o filósofo "a televisão é uma ladra do tempo", mas não rouba só o tempo, também pode matar a liberdade de pensar. Assim, quando sou "apanhado" por mesas-redondas de "gladiadores políticos" ou "imperadores de opinião", emudeço a televisão ou mudo para um canal temático, cultural, histórico, documental, musical, ou, em última análise, para um infantil. Muito mais saudável. Sempre posso preservar a minha liberdade.

Pensamentos intemporais

  • "Ser independente da opinião pública é a primeira condição formal para realizar qualquer coisa grandiosa ou racional, tanto na vida como na ciência. Com o tempo, este feito será seguramente reconhecido pela opinião pública, que na altura conveniente o transformará em mais um dos seus preconceitos" - Hegel.

Tribunal Inconstitucional

Perfeitamente constitucional a independência dos doutos conselheiros indicados pelo Partido Socialista no chumbo das disposições orçamentais contestadas pelo seu partido. Cinco dos seis votaram sempre a favor da inconstitucionalidade. Cumpriram o seu dever, estavam lá para isso (para cumprir o seu dever, claro está).
Honra a Maria João Antunes, dependente das suas convicções na interpretação das normas e que, de acordo com elas, votou sim ou não, consoante os casos. Porventura um atentado ao seu partido e, mais grave, à Constituição.
E honra ainda aos Conselheiros indicados pelo PSD e pelo CDS que, também dependentes das suas convicções na interpretação das normas, votaram sim ou não de acordo com elas, três contra todas, um a favor de todas, e dois a favor ou contra, consoante as disposições em causa.
O conselheiro independente, cooptado pelos seus pares, votou sempre a favor da constitucionalidade das normas.
No fim, numa coisa o PS pode estar descansado. Na frente do Constitucional, não há crise, nem divisões.
Nota: Limitei-me a constatar um facto, o da ordem unida dos conselheiros socialistas. Extravasar para o que eu, pessoalmente, penso de cada uma das normas, é abusivo e sem sentido.