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domingo, 18 de agosto de 2013

É espantoso...

... como todos consideram que os senhores conselheiros do Tribunal
Constitucional são pressionáveis. Mais surpreendente só o facto de esse sentimento que une governo, oposição e opinion makers ser encarado com toda a naturalidade...

O novo pelourinho

Por mero acaso liguei a televisão ontem quando estava a ser entrevistado pela jornalista Judite de Sousa um rapaz muito jovem de seu nome Lourenzo de Carvalho. Pelo que percebi, o motivo de celebridade era o facto de o jovem, com pronúncia brasileira, ser rico, viver em Portugal, e ter gasto muitos milhares de euros numa festa de anos com artistas da moda vindos de fora, mais uns detalhes absurdos sobre quanto teria o jovem pago para ter esses tais convidados. Primeiro pensei que era mais uma daquelas formas de encher o tempo de Verão com notícias tolas mas intrigou-me o motivo por que teria o rapaz direito a tempo de antena, aliás longuíssimo, a entrevistadora referiu que ele era corredor de automóveis e fiquei à espera de saber quais eram os seus feitos de destaque. Pois enganei-me. A entrevista destinava-se, espantosamente, a "denunciar" a fortuna do menino e forma "fútil",  dizia a jornalista com insistente agressividade, como ele gastava o dinheiro dos pais. Foi penoso assistir ao espectáculo de pura exploração de baixos sentimentos dos incautos espectadores, a insistência malévola no modo de vida, a invocação das despesas do jovem, ao ponto de indicar, uma a uma, as peças e o custo provável dos enfeites do rapaz ali, naquele momento, e mais um ror de questões do foro pessoal que deixariam qualquer adulto furioso com o atrevimento e a falta de decência daquela devassa. Tudo isto esbarrava, diga-se a verdade, com uma surpreendente serenidade do rapaz, que respondia calmamente e com bastante acerto às invectivas "indignadas", que incluíam perguntas sobre a origem da fortuna dos pais e se o jovem não sentia remorsos por levar "aquele estilo de vida", quando há tantos pobres no país e tantos jovens a passar mal. O tempo do inquistório sobre as boas acções do rapaz, se ele ajudava os mais necessitados, enfim, o que é aquele desviado de bom samaritano tinha a alegar em sua defesa, tudo, mas absolutamente tudo naquela longa e despropositada entrevista foi de molde a deixar no espectador um sentimento de abuso, uma espécia de vergonha de estar a assistir àquilo, um exemplo vivo de como se incita aos maus instintos, à inveja, sobretudo dirigido aos jovens, levando ao pelourinho da praça pública um rapaz que terá tido a ingenuidade de pensar que se tinham interessado por ele. Defendeu-se muito bem, é um facto, terá saído gorada a intenção de o expor ao ódio e à revolta dos desventurados, mas foi um bom exemplo, aliás um péssimo exemplo, do que não deve fazer-se em televisão ou na vida, expor alguém que talvez não se saiba defender, usar o que se sabe dele para o deixar ficar mal e tudo isto sem dó nem piedade, a troco de coisa nenhuma, ou seja, de uma tentativa pouco dignificaste de "mostrar" as injustiças do mundo parecendo que se está do lado dos "bons" a denunciar um "mau". Nunca tinha ouvido falar do jovem, mas custou-me ver aquilo e vi com crescente incredulidade, levar alguém a sentar-se no lugar do entrevistado não pode ser um engodo maldoso, ao menos com alguém que, manifestamente, não contava que fosse ser "julgado" à luz do primarismo de espírito que ameça tornar-se prática em prime time. Lamento, sinceramente, não pensei que fosse possível.

sábado, 17 de agosto de 2013

Passear cá dentro...


Lagoa das Furnas (vista do Pico do Ferro)

São impressionantes as belezas naturais. São infinitas e únicas as vastas paisagens, sejam as lagoas, as montanhas, os picos e os vales, os caminhos ladeados de flores, as plantações de chá, sejam as caldeiras e as manifestações de actividade vulcânica e os recantos do mar. A natureza é exuberante, é difícil de descrever. É fantástica a variedade dos azuis e dos verdes que, em especial, São Miguel tem para oferecer. Em alguns pontos sentimos o paraíso, há uma espécie de contemplação perante a natureza perfeita e silenciosa.
São muitos os contrastes entre as ilhas, todas diferentes, mas todas com história e cultura para conhecer. E a hospitalidade é portuguesa. Dei este tempo de férias por muito bem empregue. Voltarei aos Açores para recordar as suas inesquecíveis belezas e conhecer o que ficou por visitar.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Renovação dos mandatos, a hipocrisia dos órgãos da soberania

Basta ler as intervenções no debate do Parlamento referente à aprovação da Lei 46/2005, que estabelece limitações à renovação dos mandatos dos autarcas, para ficar a saber que o espírito da lei e o seu objectivo se centravam na não elegibilidade ao fim de três mandatos. Aliás, na ocasião, o PSD, através do Deputado Montalvão Machado e o Governo, através do Ministro Silva Pereira, digladiaram-se sobre quem defendia com mais força e há mais tempo tal limitação. Limitação essa considerada em termos absolutos e ponto final. 
Passados oito anos, a hipocrisia dos partidos e do próprio Parlamento fez esquecer o debate; e o que foi uma resolução política importante tornou-se uma especiosidade semântica, centrada numa preposição ou na contracção de uma preposição com um mero artigo.
Mas se os partidos e o Parlamento entraram numa brincadeira cara e de mau gosto, também os Tribunais comuns foram obrigados a entrar no jogo, semeando sentenças a esmo, contraditórias entre si e abrangendo todas as cores e paladares. 
Deste modo, partidos políticos, Parlamento e Tribunais competiram entre si no desprestígio da justiça, como há muito não se via. Poucos portugueses compreenderão, a não ser uma minoria ínfima que domina os formalismos legais, tal desencontro de sentenças.  Mas também não fica isento de culpas o Tribunal Constitucional. Há muito se sabia que a decisão final seria a sua. Mas, tendo já apreciado processos, ainda não arranjou forma de se pronunciar sobre a questão substancial. 
Num país onde os órgãos de soberania actuassem com um mínimo de bom senso e respeito pelo cidadão, o ridículo problema estaria resolvido há muito. Em Portugal gasta-se tempo e dinheiro para perpetuar absurdos. O menor dos quais seria a constitucional sentença vir depois do acto eleitoral.
E que diferença isso fazia, se já ninguém acredita na lei da renovação dos mandatos, e ela já foi, assim, subvertida?  

Perplexidades não faltam...

Duas associações de reformados - Cidsenior e Apre - decidiram recorrer aos tribunais para impugnar a decisão do governo que determina que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social deve investir 90% dos seus recursos financeiros - 10,9 mil milhões de euros - em dívida pública portuguesa. Com esta medida, o então ainda ministro das finanças encontrava no Fundo um mecanismo para assegurar o financiamento de mais necessidades do Estado - 4,5 mil milhões de euros – e, em simultâneo, não agravar o rácio da dívida pública - 2,5% do PIB.
Não surpreende a iniciativa destas Associações. Dizem que a decisão do governo é insensata e irracional. Sendo o Fundo financiado essencialmente pelas contribuições dos trabalhadores – financiamento privado – e sendo uma almofada financeira da Segurança Social para fazer face ao pagamento de pensões, a decisão de aumentar a capacidade do Estado se financiar à custa de um património que pertence aos actuais e futuros pensionistas é o ponto de discussão.
Mas não é apenas a decisão em si mesma que é questionável. É questionável que a gestão do Fundo esteja sujeita a orientações políticas que colidem com a natureza do Fundo e a gestão financeira prudente a que deve obedecer a composição da carteira de activos. Pergunta-se, então, para que serve o conselho de administração da entidade que gere o Fundo. 
O argumento de que a dívida pública portuguesa paga mais juros que as outras dívidas públicas da OCDE e que, portanto, é um bom negócio para o Fundo é uma visão que ignora o risco. A diversificação de activos é uma regra de ouro para reduzir o risco, a que acresce o facto de no caso de Portugal ser muito elevado o risco da dívida pública.
O argumento de que o Fundo deve ajudar o Estado porque os contribuintes estão a financiar - através de transferências do Orçamento do Estado (2012 e 2013) - os saldos negativos da Segurança Social não colhe a meu ver. Esta opção política levanta uma outra questão: se o FEFSS é uma almofada financeira para pagar pensões, então poderia ser utilizado na actual conjuntura obviando-se ao aumento da carga fiscal.
A crise não pode tudo justificar. A “nacionalização” do FEFSS ou “expropriação” como alguém lhe chamou está em linha com a estatização de uma boa parte dos sistemas de pensões privados a que temos vindo a assistir nos últimos anos. Uma situação que agrava a sustentabilidade dos próprios sistemas públicos de pensões e que tem consequências graves para os pensionistas e os contribuintes. Perplexidades não faltam...

Por terras de nuestros hermanos

Por estes dias em que os media espanhóis abordam no essencial os temas estupidificantes próprios da época, dois assuntos sérios chamam a atenção: o caso do ex-tesoureiro do Partido Popular no poder, Bárcenas, que confirma que a profunda crise de credibilidade dos partidos (e de honestidade dos seus dirigentes) atinge todos e não é um fenómeno endógeno de Portugal como muitos por cá querem fazer crer (encontraram por aí o acesso à glória mediática); e o conflito aberto entre Espanha e Reino Unido, agora a propósito da passagem de vasos de guerra ingleses e as medidas mais ou menos assumidas de retorsão com o reforço de controlo do que se tornou numa verdadeira fronteira entre territórios de Estados que pertencem a um espaço político-económico sem fronteiras. Este litígio põe a nú uma das fragilidades da UE, a falta de uma política externa comum, recte, de uma política que permita resolver nos centros de decisão europeus conflitos territoriais entre Estados membros. E ainda há quem jure que o futuro da UE é o federalismo...

Intervalo filarmónico...

Sempre gostei de ver as bandas filarmónicas desfilarem a preceito, sempre prontas para acompanharem as festas das suas colectividades. As gentes das terras têm nelas orgulho. Juntam novos e velhos, juntam quem sabe e quem aprende, juntam diferentes classes sociais e juntam diferentes profissões. São, com efeito, centros de socialização relevantes nas comunidades em que se inserem. Portugal tem grande tradição nestes grupos musicais. São patrimónios culturais e históricos que fazem parte da nossa identidade. São muitas as vilas e cidades que por esse país fora fundaram bandas filarmónicas que são em muitos casos verdadeiros ex libris
Vem isto a propósito da decisão do Governo que instituiu o Dia Nacional das Bandas Filarmónicas – 1 de Setembro – como reconhecimento pelo trabalho desenvolvido em prol da sociedade de cultura. Uma decisão que tem essencialmente valor simbólico. Vale por isso.
Bem sabemos que há dias nacionais para tudo e mais alguma coisa, muitos deles nem os conhecemos nem compreendemos a razão da sua existência. Aguardemos para ver como vão as bandas filarmónicas festejar no próximo dia 1 de Setembro a distinção que acabam de receber. Não sei se os ranchos folclóricos já foram contemplados com um dia nacional...

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

"Coisas"...


Reconheço que a principal característica de um ser humano é a sua tendência para a espiritualidade. Uma forma de se encontrar, uma forma de saborear o mundo, uma forma de fazer poesia, uma forma de criar, uma forma de amar, uma forma de ajudar, uma forma de compreender, uma forma de justificar o futuro e o passado. Sentir essa força não é sinónimo de religiosidade nem sinónimo da aceitação de um Deus maior ou de deuses menores. É uma enorme responsabilidade senti-la, sobretudo na ausência de um Deus a quem se atribui princípios e dons capazes de explicar o inexplicável. A dialética da religião, seja ela qual for, é muito elaborada, mesmo sofisticada, com argumentos complexos e difíceis de entender, tudo serve para a justificar e para fazer entender a sua existência aos que não aceitam entidades divinas. A dialética da espiritualidade, não, é simples, é fácil de entender, embora por vezes seja um pouco complicada na atuação. Não tenho nada contra os que têm fé e se alimentam dela. Eu também me alimento, mas de espiritualidade humana, mais comezinha, mais terrena, mais compreensível. O comportamento dos que têm fé seduz-me, mas não os invejo. Olho-os com curiosidade e com respeito. É o meu dever, aceitar as diferenças. Relativizo muito dos seus comportamentos, equiparando-os a uma forma de poesia, nada mais do que isso.
Escrevinho estes pensamentos devido a várias circunstâncias que este período normalmente me desperta. Mas hoje, o motivo é um pouco diferente. Li a notícia segundo a qual uma pequena criança de três meses e meio, que sofre de um grave problema cardíaco, foi sujeita à implantação de um coração artificial, encontrando-se à espera de poder receber um transplante. Situação complexa e muito delicada. Um esforço enorme de homens e mulheres que querem salvar um semelhante, talvez a forma mais pura de espiritualidade humana. Neste caso uma pequenina que merece viver. O conhecimento, o empenho, a dedicação e o fervor da ajuda merecem ser realçados. Neste momento, de festas, de alegrias, de calor, de descanso, há quem sofra, há quem corra risco de vida, há quem se agarre a outros seres humanos na esperança de poderem partilhar as suas vidas e os seus desejos. São tantos os que desejam amar e não conseguem. São tantos os que querem viver e vão morrer. São tantos os que lutam pelo seu semelhante. No fundo, são os representantes máximos da beleza e da espiritualidade humanas, fazendo e dizendo coisas que só os humanos, esta estranha espécie que ainda anda por aqui, conseguem dizer uns aos outros. Compreendo os humanos, na grandeza ou na miséria, e é com eles que me vou encontrando e descobrindo. Para mim é suficiente.

Um Reis com jeito de maltrapilho

“Isto não passa de um jogo gratuito de números...", perora o emérito José Reis, dito economista, a propósito do aumento do PIB no 2º trimestre do ano corrente. 
Que o homem não respeite a ciência ou a arte que ensina, pouco me interessa, embora deva interessar muito aos pobres alunos; mas que identifique as variações do PIB como um jogo gratuito de números já devia seriamente importar à Universidade de Coimbra, onde detém o cargo institucional de Director da Faculdade de Economia.
E um Director de uma Faculdade de Economia não pode comportar-se na análise económica como político maltrapilho que diz tudo e mais alguma coisa, mas nem sabe do que fala. A não ser que seja mesmo essa a sua natureza. 

PIB 2º trim/2013 cresce, bem mais que previsto: e agora?

1. A notícia hoje divulgada do crescimento do PIB no 2º trim/2013, de 1,1%, muito acima das expectativas dalguns institutos de previsão, deverá ter deixado aturdidos os nossos amigos Crescimentistas (reagem, curiosamente, com um contentamento descontente).

2. Pior ainda, esta notícia adiciona-se à que foi divulgada na pretérita semana, da redução significativa do desemprego, de 17,7% para 16,4%, também do 1º para o 2º trimestre de 2013.

3. Estas notícias parecem abalar – ou mesmo fazer desmoronar – os DOGMAS proclamados pelos Sectores mais Crescimentistas, ao longo dos últimos 2 anos, insistente e megafonicamente repetindo que, com a actual política económica, estranhamente etiquetada de “neo-liberal”, não poderíamos esperar outra coisa que não quebras na actividade económica e aumentos sucessivos do desemprego...até à implosão da mesma política...

4. Mas esta mudança de cenário económico, apesar da fragilidade que ainda apresenta, ajuda-nos a perceber aquilo que por 2 vezes tinha já sucedido com outros (e muito duros) programas de ajustamento a que a economia portuguesa foi sujeita, em 1976/7 e em 1983/4: uma vez obtido o reequilíbrio mais fundamental, entre produção e despesa, a actividade económica encontra sempre forma de recuperar...

5. É certo que o actual contexto – ou o regime económico, se quiserem – é muitíssimo distinto daquele em que decorreram os 2 anteriores programas de ajustamento: “graças” ao Euro, desta vez foi possível arrastar os desequilíbrios por muito mais tempo (15 anos), o endividamento dos diferentes sectores (Famílias, Empresas, Estado) cresceu muitíssimo mais, e o processo de ajustamento consequentemente tem sido mais demorado e penoso (e não está concluído, não esquecer)...

6. A grande incógnita, neste momento, está em saber como (e se) vai ser possível conciliar a manutenção de um ritmo crescente de actividade económica, libertando-nos do “jugo” da recessão, com o prosseguimento da Consolidação Orçamental (é possível que esta expressão, entretanto caída no purgatório, venha ser recuperada depois destas notícias, quem sabe?), a qual como sabemos condiciona a restauração de normais condições de financiamento da economia (não só do Estado)...

7. A resposta a esta questão vai depender muito da evolução da actividade nos nossos principais parceiros europeus - Alemanha, França, Itália, Bélgica - que, como lembrei em Post anterior, pouco nos ajudaram no 1º semestre deste ano (com a notável excepção da Espanha), pois as nossas vendas para esses mercados registaram uma queda...

8. Se, durante o 2º semestre do ano, as economias desses parceiros acelerarem como os indicadores disponíveis parecem sugerir, poderemos assistir à confirmação da melhoria da actividade em Portugal ao longo do mesmo período, até porque ainda se espera uma aceleração das vendas para outros importantes mercados como é o caso de Angola...

9. Mas convém notar que o factor Orçamento/2014 ainda pode vir trazer alguma (ou muita) perturbação a este cenário, nomeadamente agora que o jurisprudencial TC volta a entrar em cena...tudo é possível, temos de ser realistas!

terça-feira, 13 de agosto de 2013

"Gavetas"...


As férias servem para muitas coisas, para descansar, para viajar, para conhecer novas gentes e velhos lugares, para ler, para por o corpo e a mente em sintonia com a natureza e para abrir gavetas. Sim, abrir gavetas é um encanto que me enche de prazer. Encontro sempre coisas que me surpreendem e que me fazem reviver velhos episódios. É uma forma de viajar no tempo, é uma interessante maneira de me encontrar e de compreender o que sou e o que fiz. A gaveta não é muito grande e estava tudo bem acondicionado o que me preocupou, porque sempre que mexo em qualquer coisa fico sem espaço para recolocar as coisas nos seus lugares, um pouco à semelhança de quando eu desmontava um brinquedo, sobravam sempre peças. Atrevi-me e encontrei velhas fotografias. Não me foi difícil relembrar esses momentos e períodos. Numa delas tinha um pequenino cavalo de baquelite cujas pernas e cabeças se movimentavam com pequenos gestos. Vinham dentro de pacotes de café, que o petroleiro, no seu veículo esquisito, onde cabia um pouco de tudo e que era puxado por uma mula, vendia porta a porta. Fazia-se anunciar pelo som de uma corneta acompanhado pelo ruído das rodas e dos cascos do animal a saltitarem no empedrado. Vinha cedo. Perguntava logo se ia comprar café. - Hoje não, hoje não é preciso. - Mas compra. Compra. Dizia numa voz doce. Tantas vezes pedia à minha mãe para comprar que acabava por me fazer a vontade. - Posso abrir? Posso? - Não. Está ainda um aberto. Se o abres perde o cheiro. - Não perde nada. Deixa-me abrir. Depois pões numa lata. Anda lá, deixa-me abrir o pacote. Após tanta insistência, mais do que premeditada e nada discreta, deixava-me abri-lo. Quando o fazia, com muito cuidado, saia um cheiro tão agradável que me inebriava os sentidos, duplamente, o odor a café e o facto de saber que lá no meio deveria estar um cavalinho pequeno de baquelite. - Não vejo nada! Não traz um cavalo. - Dá cá que eu vejo. E, com muito cuidado, começou a verter o café para uma lata meia vazia, misturando-se os dois odores, o novo e o velho, até que surgiu a cabeça do cavalo. - Estou a vê-lo! Estou a vê-lo! É verde. É verde. É tão lindo! Quando fez a trasfega deu-mo para a mão. Fiquei tão feliz que nunca mais o larguei. Nesse dia tiraram-me algumas fotografias. Disseram-me para largar o meu cavalinho. Respondi que não, que não o deixava. - Dá cá o cavalo. Dá cá! - Não, não dou. O cavalo é meu. O cavalo é meu e não vou largá-lo. Venci. Tiraram-me as fotografias. Eu estava feliz, porque tinha um cavalo de baquelite verde que mexia as patas e a cabeça. Sempre que passo por aquele sítio, lembro-me dele, do inebriante odor a café e soube o que era ser feliz. 
É o que acontece quando se abre uma velha gaveta.

"Estrela cadente"...


Lembro-me das noites quentes de verão. Não havia televisão e os fracos candeeiros mal conseguiam imitar as estrelas. Olhava admirado para aquele esplendor noturno em que as cigarras enlouquecidas de alegria enchiam o céu de sons fabulosos. As estrelas, agradecidas, tremelicavam de prazer. Uma sinfonia da natureza acompanhada pelo doce e suave resfolegar da ribeira que a meus pés sussurrava de felicidade. A meu lado, na varanda de madeira e um pouco inclinada pelo peso da idade, os meus avós e um ou outro tio e tia do mesmo rebanho conversavam sobre coisas que vinham de outros tempos. Histórias e lendas que me encantavam tanto ou mais do que a sinfonia das estrelas, das cigarras e da ribeira envergonhada pelo estio. Eu ouvia-os em silêncio e só falava quando propositadamente via que interrompiam a narrativa querendo passar para outra. Eu não deixava, enquanto não acabasse a primeira. - Ainda está acordado. Ouvia-os dizer baixinho -Pois estou! Dizia um pouco mal-humorado. Sorriam sem que conseguisse ver nitidamente os seus lábios, mas sorriam, eu sabia que estavam a fazer de propósito. E a história continuava. - E depois? Eu não tolerava grandes pausas. - E depois? Por vezes era eu que os interrompia, como aconteceu uma vez. Um belo rasto brilhante e azulado rasgou o céu iluminando o viaduto e a igreja. - O que é aquilo? Disse muito surpreendido. - É uma estrela cadente. - Uma estrela? - Sim. Uma estrela que caiu do céu. - As estrelas caiem do céu? - Sim, às vezes cai uma ou outra. - E esta? Onde é que caiu? Posso ir buscá-la? Eu queria tanto ter uma estrela. - Nunca ninguém conseguiu apanhar. Elas não deixam. Não gostam que lhes toquem. A única coisa que podes fazer é pedir-lhes um desejo. - A sério?! - Sim. A sério. Só que nunca podes contar qual foi o desejo que pediste, porque se disseres nunca mais se vai realizar. - E agora? Quando é que eu posso ver outra estrela a cair do céu? - Não sei. Tens de estar atento e olhar para o céu. Eu fiquei a olhar para o céu, indiferente às histórias, com a esperança de pedir um desejo, mas o sono atacou-me numa breve fração de segundos. Naquela noite sonhei com belas e misteriosas estrelas cadentes e para cada uma delas pedi um desejo. Não me recordo quais foram esses desejos, mas decerto foram satisfeitos.
Hoje estou a olhar para a constelação de Perseu à espera de ver uma estrela cadente, porque queria pedir-lhe um desejo. Não vejo nada, nem estrelas, nem lágrimas de São Lourenço e nem ouço as cigarras ou o leve e doce sussurrar da ribeira a beijar as suas pedras. Nada. Resta-me sonhar com uma estrela cadente e pedir-lhe um desejo. - E depois? E depois? Depois não conto o que lhe pedi...

Exportações e importações no 1º semestre/2013: o melhor e o pior...

1. Foram divulgados, no final da semana passada, os dados referentes às trocas comerciais de Portugal com o exterior (UE e fora da UE) no 1º semestre deste ano.

2. Curiosamente, as notícias deram mais relevo ao dinamismo das exportações no 2º trimestre, com um aumento de 6,3%, do que ao desempenho para o conjunto do semestre, em que o crescimento foi mais modesto (+3%)...

3. ...sendo certo que também as importações recuperaram no 2º trimestre (+2,6%), embora no semestre tenham ainda mantido uma evolução negativa (-2,4%), o que sugere uma recuperação da procura interna, no 2º trimestre - e daí a expectativa, finalmente, de uma variação positiva do PIB nesse período, que amanhã deverá ser anunciada, após 10 trimestres sucessivos de variações negativas...

4. Estas notícias não são más, confirmando o que aqui temos repetidamente afirmado quanto à capacidade demonstrada pelo sector empresarial, especialmente os sectores expostos à concorrência externa, para “darem a volta por cima”, ajustando-se às novas e mais adversas condições do mercado interno, reestruturando-se (tantas vezes com muitos sacrifícios e tantos sacrificados), conquistando novos mercados...

5. ...e contribuindo para que o País comece a sair do enorme fosso de dívida em que sucessivas equipas de políticos incompetentes o colocaram – com justíssimo relevo para o Dream Team que nos “governou” no período de ouro de 2005 a Maio de 2011 – aproximando-o gloriosamente de uma situação de bancarrota...

6. Menos feliz, neste contexto globalmente positivo, foi a queda das exportações em Junho, relativamente a Junho/2012, que contrasta com o forte crescimento registado em Abril e em Maio que explica a já referida boa “performance” no trimestre.

7. Numa breve análise por mercados de destino, merecem destaque, pela positiva: a forte progressão das exportações para Espanha (+6,2%), que assim reforça a sua posição como 1º mercado; o bom ritmo de crescimento (+7,8%) das exportações para Angola, reforçando o 4º lugar, embora abaixo das expectativas; a forte expansão das vendas para Marrocos (+66,5%) que passa a ser o 10º mercado, ultrapassando a China e o Brasil.

8. Ao invés, pela negativa, temos a registar a continuação da queda das vendas para a Alemanha (-3,5%), para a França (-1,5%), para Itália (-2,4%) e para a Bélgica (-0,4%) – as quais explicam o fraco desempenho das vendas para a UE (+0,9%), que só não foram negativas graças à Espanha...

9. Em suma, notícias positivas de uma forma geral, com um contributo claramente positivo para o PIB, embora nem tudo sejam rosas...

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Se o vizinho tiver em dobro...


Todos os povos têm histórias ou provérbios a propósito das suas características e cultura. Uma das histórias que se conta dos portugueses não é nada amável e a primeira vez que a ouvi fiquei escandalizada, é lá possível! isso não é nada assim, protestei a quem ma contou. No entanto, o tempo e a experiência têm-me feito lembrar várias vezes essa anedota cruel. Diz então a historieta que um português encontrou uma caixa da qual saíu um mago que aí se encontrava encarcerado. Grato pela libertação, a criatura logo prometeu ao português que lhe daria o que quer que fosse que ele lhe pedisse mas com uma condição: o seu vizinho teria o mesmo em dobro. O felizardo pensou, pensou e não havia meio de se decidir, o meu vizinho terá o dobro do que eu tiver? perguntava cheio de dúvidas. Sim, disse o mago, precisamente o dobro do que tu escolheres para ti. Foi então que o português suspirou e decidiu: tira-me um olho!
Vem isto a propósito das medidas de austeridade que se anunciam e que pedem mais sacrifícios aos reformados que recebem as reformas pela Caixa Geral de Aposentações. O grande debate não é se faz ou não sentido o que se pede, em quanto se pede, etc., não, o grande debate é "quem é que não tem", de preferência em dobro, tais sacrifícios, se os políticos, se os juízes, se os mais ou menos velhos, ou ricos, se este, se aqueloutro. Esta característica dos portugueses torna tudo muito fácil, é só fazer com que cada decisão pareça ir deixar de fora uns quantos, seja lá do que for, e tudo se concentra nas excepções sem perder tempo a discutir o principal, e assim tudo se torna até bastante aceitável quando afinal lá vier a tal "justiça" e o vizinho receber em dobro aquilo que só por si pareceria inaceitável. O mesmo se diga quando acontece precisamente o contrário ou seja, quando "os outros" são castigados e os próprios se safam, aí, se estiverem fora do alcance, já lhes parece tudo evidente e mesmo muito bem pensado. E, como diria o Gil Vicente, "assim se fazem as cousas", por alguma razão existe esta historieta e que não será só especialidade nossa, se olharmos o que acontece por essa Europa fora em relação aos países em dificuldades, também não é difícil surpreender "vizinhos" a exigir que o do lado sofra o dobro, como se isso lhes aliviasse o próprio sofrimento. E não me venham dizer que se trata de justiça, antes de se ver se há justiça relativa é muito mais importante saber se o que se pede, é, em si mesmo justo ou injusto, a questão relativa só deveria vir depois.

sábado, 10 de agosto de 2013

"A moeda de ouro"...


O ouro é considerado o mais nobre de todos os metais. Brilha como o sol, é doce como o mel, é maleável como o amor, incorrupto como um arcanjo e raro como a honra e a honestidade. Serve para homenagear homens e deuses. Serve para dourar santos e altares. Serve para pagar a reis e a traidores. Serve para tudo, para matar, para amar, para comprar, para vender, para roubar e para ostentar. Metal forjado na morte das maiores estrelas do universo, e lançado na imensa escuridão do universo, acabou por cair nas mãos dos humanos, que, deslumbrados com as suas características, sentiram desde cedo estar perante o sinal mais terreno do divino. Os deuses criaram o ouro num tempo antes do tempo, muito tempo antes de criar o homem. O ouro, lágrimas brilhantes dos deuses que habitaram as estrelas, faz chorar, alegrar ou matar quem lhe tocar.
Oferecer uma peça de ouro como símbolo de respeito, de admiração ou testemunho de um ato faz parte de uma liturgia em que as suas características, únicas, são realçadas. Sendo raro, e por isso muito valioso, passou a ser utilizado como símbolo máximo de nobreza. Coração de ouro, vale o seu peso em ouro, menino de oiro, a sua palavra é de ouro, fechar com a chave de ouro, são expressões que realçam o seu poder e simbologia.
Já recebi muitas atenções, desde um suave sorriso, um brilho no olhar, um toque delicado com as mãos, belas e curtas palavras, pequenos objetos, uns simples, outros mais elaborados, enriquecidos ou humildes, já recebi quase de tudo. Não é o seu valor intrínseco que está em causa, é apenas o gesto que o acompanha ou o próprio gesto isolado. Esses momentos são cruciais, é "ouro" do mais fino quilate, raro e muito valioso, que permite esquecer a outra faceta humana, a faceta que não quero recordar.
O senhor, com ar aristocrático, interpela-me delicadamente. Não me foi difícil identificá-lo, mas foi-me mais difícil recordar um pequeno episódio ocorrido há um quarto de século. Talvez antevendo a minha falha de memória foi direto a esse momento o qual surgiu com toda a clareza vivenciando-o como se tivesse ocorrido ontem. Lembrei-me do diagnóstico, da gravidade do mesmo e do meu "atrevimento" em ter tratado em regime doméstico uma situação que exigia hospitalização. Mas foi há vinte e cinco anos, por esta altura, época de férias, seria aborrecido ter de o afastar do seu local de veraneio. Agradeceu-me imenso a atenção que tive nessa época.
Atribui-lhe, sem saber a razão, a idade que a minha mãe teria hoje. Talvez devido à forma como falou. Via-se, apesar da agilidade física, que sentia o peso do tempo, essa enigmática substância de que somos feito. Silenciosamente colocou em cima da mesa uma bela moeda de ouro. Fiquei surpreendido, mas pelo gesto vi que era para mim. Delicadamente fez-me compreender o sentido e o alcance do gesto. Há situações em que as palavras merecem ser dispensadas para dar lugar à linguagem dos sentimentos, foi o que fizemos. Apenas lhe disse, depois de ter agradecido a oferta, imaginando rapidamente a origem, a viagem e a história da peça de ouro, que iria registar o acontecimento. Uma pequena história a juntar a tantas outras que vou colecionando ao longo da vida. Esta revela um gesto de ouro tão belo como a própria moeda, um duplo momento doirado. Guardar a oferta sem lhe dar o significado que que lhe é devido é votá-la ao esquecimento. Vou guardá-la numa caixa em cima deste texto, para que o episódio não seja esquecido e quem a herdar irá saber as razões da sua existência e quando sabemos o porquê acabamos por incorporar valores, valores tão nobres como as lágrimas de deuses que um dia viveram em gigantes e enigmáticas estrelas. 

Toxidade a níveis impróprios...

Tenho estado a acompanhar, um pouco à distância, a novela política dos swaps.  Em vez de se falar dos contratos swap que desgraçaram as contas públicas e os bolsos dos contribuintes, especula-se sobre os contratos swap que não se fizeram.
Assiste-se a um crescendo de acusações e insultos partidários que fazem crescer a perplexidade do cidadão comum. Tudo em directo. Parece não haver limites.
As pessoas estão cansadas deste espectáculo que tomou conta das televisões e dos jornais, a que se juntam intervenções e recados partidários sobre moral e ética. As pessoas encolhem os ombros e comentam que os políticos não têm credibilidade nem vergonha, andam desentendidos mas no fundo são todos iguais. Como foi possível chegarmos a estes níveis de toxidade!

"O beijo"...


Viajar em Portugal é um privilégio. Ao fim de algum tempo mudam as paisagens, as humanas e as geográficas. Não há tempo para cair na monotonia. Não há tempo para saturação. Não falta tempo para poder saborear tantos prazeres. 
Entrei em Amarante como se tivesse saído há pouco tempo. Não foi há pouco tempo, não, foi há muito. A água era a mesma, a ponte era a mesma e a igreja também. Só o tempo é que era diferente. 
Passei em frente de Teixeira de Pascoaes, o homem que melhor caracterizou os portugueses. Está magro. Pois está. Está tísico. Entrei no museu Amadeu de Sousa Cardoso. Fui à procura dos seus quadros. Nunca tinha visto um ao vivo. Precisava de os ver. Há muito tempo que prometi a mim mesmo que os iria ver. E fui. Também gosto de cumprir as minhas promessas. Só preciso de tempo. O tempo, desta vez, deu-me um pouco de si. Agradeci-lhe. Coisa rara em mim ter de agradecer ao tempo. Mas fi-lo. Talvez por uma questão de cortesia. Fiquei com os sabores de muitas obras nos olhos e as de Souza-Cardoso no coração. Impressionaram-me. Pois. Ele é um impressionista.
Entrei na igreja. Foi a primeira vez. Da última, que foi há muito tempo, não tive tempo. Procurei o São Gonçalo, o santo a quem é atribuído milagres e "usado" para fins menos ortodoxos. Deparei-me com o seu túmulo. As pessoas entravam pelo lado esquerdo, rezavam, "tocavam-lhe", esfregavam as mãos no corpo, mãos, cara, e no manto. Sem preocupação de tempo vi as pessoas num ritual de beijar e esfregar a estátua jacente. Aproximei-me pelo lado direito, talvez contrariando alguma regra, e continuei a ver a fé das pessoas a tocar o São Gonçalo. Uma das senhoras, um pouco entradota, de baixa estatura, e carregada de negro, estava a rezar com muito afinco. Depois de beijar as mãos e o manto do santo, quis beijar a cara do santo. Pequena como era, antecipava-se o resultado, não conseguia alcançar a face enegrecida da estátua de São Gonçalo. Os familiares, ou amigos, que a acompanhavam, ajudaram-na a subir para um pequeno rebordo do túmulo. Com muita dificuldade, nervosismo e ansiedade, diluídos num olhar profundamente religioso, e indiferente a tudo, a todos e, inclusive, ao tempo, abraça com o braço esquerdo a cabeça do santo e com direito consegue alcançar o ombro esquerdo da estátua. Depois de se sentir segura beija o santo com um fervor que me perturbou. Os seus lábios colaram-se aos lábios do santo num ósculo difícil de descrever. Um estranho beijo, de amor, de respeito, de fé, de prazer, de alegria, de cumplicidade, não sei o que foi, só sei que foi o mais estranho e intenso beijo que vi até hoje. Não sei quanto tempo durou, se durou pouco ou se durou muito, não consigo recordar, senti apenas que o tempo parou. Depois de sair, aproximei-me da estátua e verifiquei algo de curioso, já não havia sinais de lábios. Pensei, tantas vezes o beijaram que até os lábios desapareceram. Sinais de desgaste da pedra eram evidentes. Ao passarem pelo túmulo não vi ninguém que não lhe tocasse, ou melhor, que o acariciasse, mas beijo como aquele, que vi logo à minha chegada, não vi mais nenhum. Perturbou-me.
Amadeu impressionou-me. Pascoaes continua a seduzir-me. São Gonçalo confortou-me. E uma senhora de idade, com o seu estranho beijo, perturbou-me.
Se "tudo está em tudo" também o tempo está no tempo. Só preciso apenas um pouco de tempo...

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Competências e novelas policiais


Segundo o Público de hoje, terá sido Franquelim Alves, então Presidente do Instituto de Gestão do Crédito Público, quem "travou" a proposta de compra dos SWAPS pelo Estado, uma vez que "o gabinete de José Sócrates transferiu decisão sobre as propostas" para o Ministério das Finanças. Acontece que é para isso que servem os serviços, para analisar e dar o seu parecer sobre as matérias que têm que ser decididas, por isso não me parece que tenha havido "transferência" mas sim um procedimento normal quando se quer decidir com fundamento e acautelando os interesses públicos. A importância de haver pessoas qualificadas a estudar os assuntos e pronunciar-se sobre eles com toda a isenção defende quem decide e defende os que vão depois beneficiar ou ser prejudicados pelas decisões.  Mas parece que já ninguém acha importante que se conte com os serviços e com a qualidade do seu desempenho, o que interessa é alimentar suspeitas, fazer uma novela policial do que é ou devia ser a vida normal das organizações e das decisões políticas. E, já agora, Franquelim Alves, que foi vilipendiado e massacrado por ter passado episodicamente pelo BPN, não teve o benefício de ser valorizado pelo seu trabalho à frente do IGCP, não fosse a "pesquisa" para se encontrar o fio da meada que se queria desenrolar a propósito da proposta de um banco ao então Governo e lá ficaria ele com o labéu que insistentemente lhe quiseram colar. Há, realmente, muitas formas de destruir os serviços públicos e quem se presta a neles trabalhar, o que não se sabe é quantos mil milhões custa aos portugueses este constante desmoronar de competências, de descrédito e de maledicência, que afasta ou desmoraliza os que ainda acreditam que é fundamental um exercício isento e competente nas funções públicas.

Mas terá que ser sempre assim?!

1. O Ministro da Administração Interna produziu esta manhã um curioso comentário, com uma certa graça até, quando se referia ao exercício de elaboração do OE/2014, dizendo que era algo de parecido com “meter o Rossio na Betesga”...

2. A expressão até tem graça, como disse (e nem ofende ninguém), mas na sua simplicidade revela uma das grandes tragédias do nosso tempo: a enorme voracidade gastadora do Estado/Administrações Públicas, um autêntico Pantagruel que nunca se dá por satisfeito com os recursos que lhe são colocados à disposição, anseia por gastar sempre mais e mais...

3. E, é claro, em tempos de vacas magras, a satisfação deste pantagruélico apetite torna-se bem mais problemática, os participantes na Mesa do Orçamento comportam-se como lobos esfaimados, não tarda temos aí as ruas novamente em protesto, aos gritos, a exigir...a exigir, em última análise, que nos agravem ainda mais os já insuportáveis impostos!

4. Ao ler aquele curioso comentário, perguntei para mim próprio: mas terá que ser sempre assim, ou será que um dia esta tragicomédia vai ter um fim? E quando é que os “media” se darão finalmente conta do triste papel que têm vindo a desempenhar, funcionando, ao mesmo tempo, como advogados do aumento da despesa pública e da redução de impostos?!

5. Mas a única resposta que fui capaz de encontrar para aquelas duas questões é infelizmente esta: JAMAIS!

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Produtos tóxicos informativos

Na sua edição de ontem, o DN titulava em manchete de grossas letras na 1ª página: Ministra contratou avaliador de swaps que tentou vender contratos tóxicos. 
Na sua edição de hoje, o mesmíssimo jornal, mas em letra envergonhada, a meio da 2ª coluna da página 4,  desmente o que ontem afirmara: "estes contratos, como explicaram especialistas ouvidos pelo DN, não são tóxicos (ao contrário do que assumiu este jornal na sua manchete de ontem), nem especulativos...". E mais acrescenta que, à época o Eurostat aceitava esse tipo de operações, como o próprio Citigrou exemplifica com contratos na Áustria, na Finlândia e na Dinamarca.  
Apesar disto, o DN prossegue a campanha, referindo em letras garrafais na 1ª página: Secretário de Estado obrigado a demitir-se por ter esquecido reuniões.  
No meio de tudo isto, produtos tóxicos verdadeiros são os que os media diariamente nos têm servido. E aí não há demissões, nem rigor, nem exigência particular. Directores, Directores Adjuntos, Subdirectores, Editores podem estar descansados. Têm sempre à mão a edição do dia seguinte.