Número total de visualizações de páginas

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Carência económica e cortes nas pensões...

Idosos com carência económica não verão rendas baixar. Aguardemos que o governo cuide de proteger estes idosos quando na proposta do Orçamento de Estado de 2014 os sujeitar aos anunciados cortes de pensões de reforma e de sobrevivência. 

RTP: o gheto e os sábios

Mais um Ministro…e mais uma restruturação na RTP.Creio, no entanto, que esta vai ser bem pior.
Porque cria uma nova empresa, mas sem qualquer objecto, a não ser a colocação dos excedentários, com todas as regalias do seu estatuto na RTP. Além de tudo, uma indignidade. Um gheto à vista de todos.
E porque prevê um Conselho de Sábios, remunerados com certeza, para explanarem a sua sabedoria em funções não definidas.
De reestruturação em reestruturação, continuamos a pagar o serviço, sem que ele constitua alternativa  ao que é oferecido pelas estações privadas. O mesmo alinhamento dos telejornais, o mesmo país sentado, político, sindical e burocrático, os mesmos personagens, a mesma programação de encher chouriços, a mesma perspectiva das coisas e dos acontecimentos, as mesmas acções e reacções, a mesma farsa a que chamam humor. Tudo acontece porque as reestruturações são de fachada, feitas para que tudo continue na mesma, mas dando protagonismo ao Ministro, que aproveita para fazer prova de vida.
Também na RTP o governo brinca em serviço. Porque não faz o que deve e entretém-se a perder tempo num programa falhado. É que, se Governo e Ministro não sabem que se trata de um programa falhado, é porque, nesta matéria, o Princípio de Peter a eles se aplica por inteiro e ambos se entretêm na arte de perder tempo. Para gáudio da RTP, que aprendeu a viver com reestruturações de fachada e essa é a matéria que menos a incomoda. Porque não precisa de um comité de sábios para saber que tudo ficará igual.
Pois lembra a alguém criar um gheto para encaixar pessoal e um comité de sábios para o gerir?

Um filme a ver

O filme “Hannah Arendt”, de Margarethe von Trotta,  dá-nos uns lamirés sobre a vida e pensamento da filósofa mas centra-se sobretudo no momento histórico do julgamento de Adolf Eichmann, um oficial nazi capturado em 1960 em Buenos Aires, julgado em Israel e condenado à morte. Ao assistir a esse julgamento, H.A. tentou compreender para além do que via, procurou explicar as raízes daquele mal, daquela atitude individual de anulação da consciência que, multiplicada e assumida, permitiu uma atuação coletiva de puro horror. Defendeu assim a tese da Banalidade do Mal, publicando na Revista New Yorker uma série de artigos que lhe valeram críticas ferozes e perseguições, suscitando uma polémica que ela explicou pela facilidade com que as pessoas renunciam à sua capacidade de pensar.O filme obriga-nos a pensar e mostra bem como é fascinante a capacidade de pensar e como é curta a apreciação que fazemos das coisas e como nos contentamos com isso, sem reparar que é precisamente pelo efeito de “deixar de pensar” que acontecem e se suportam todas as iniquidades. Quando renunciamos à nossa capacidade de olhar, analisar e compreender, - o que não implica aceitar -, tornamo-nos peças de uma máquina, renunciamos à nossa consciência e pensamos assim ficar livres de responsabilidades. É um erro tão comum que mal reparamos nele. O filme é dialético, apresenta os argumentos dela e o modo como os outros reagiram a eles, tornando-a persona não grata entre os judeus, cujos lideres criticou.
Tenho uma enorme admiração pela coragem intelectual, são pessoas como esta que podem fazer mudar o mundo para melhor, se possível, ou pelo menos impedem que ele mergulhe definitivamente na barbárie.

O requentado "exemplo" das subvenções dos politicos

Ah, as subvenções vitalícias dos políticos, o que seria dos “exemplos” que é preciso dar se não houvesse esse maná já residual das “subvenções dos políticos”? No entanto, há que lembrar que a atribuição dessas subvenções já acabou em 2005, sim, leram bem, em 2005! ou seja, quem está na política ativa há 8 anos não tem essa compensação. Por isso, é facílimo “dar o exemplo” sempre requentado, com os que já saíram há anos e anos, fazendo crer que é toda a actual classe política a “abdicar” de uma garantia com que podia contar.
Os escolhidos “para dar o exemplo” são os que, na verdade, deram muitos anos da sua vida à política e ao País, num tempo em que se julgava que seria muito importante que pessoas com vidas profissionais fora da política e com competência se dispusessem a exercer cargos públicos de topo, na política nacional e local. Por muito que custe à simplificação demagógica de hoje, essa subvenção tinha também a virtualidade de apoiar a independência dos cargos, uma vez que cada titular poderia ter a certeza de que, uma vez abandonada uma vida política de pelo menos 12 anos, não teria que ir vender os seus préstimos, nem ficar à mercê, dos que antes estavam sob sua tutela. E não me venham com alguns maus exemplos, que os há, tal como há e haverá sempre, foram sempre alguns maus exemplos que serviram para legitimar que se atinjam todos aqueles cujo nome ficou esquecido por não ter aparecido associado a escândalos. O bom serviço público nunca deu títulos de primeira página.
Seria muito interessante saber quantas pessoas capazes recusaram os convites para cargos políticos depois de 2005, precisamente porque não estiveram para pagar o preço do afastamento da vida profissional e da fatura da independência nas decisões. Não temos o direito de contar com o despojamento individual de uns tantos raros cidadãos para confiar que os nossos interesses serão satisfeitos. Não compreendo que quem aparece todos os dias a exigir competência, dedicação, transparência e muito trabalho, seja também quem aplaude estas demagogias baratas que, precisamente, dissuadem os mais corajosos de se meter neste vespeiro.

É muito fácil dar “o exemplo”. Com os outros, claro, quando já não podem retirar aquilo que deram e que, tantas vezes, foi muito, muito mais do que alguma vez pudesse ser retribuído com compensações financeiras que ganham recorrentemente a forma de armas de arremesso.

Palavreado "rosa" e Consolidação Orçamental não rimam, de todo...

1. Assistimos há dias a uma conferência de imprensa de responsáveis governamentais por via da qual foi feita uma tentativa de transmitir uma visão quase “rosa” do esforço de Consolidação Orçamental (Austeridade, segundo o léxico crescimentista) que o OE/2014 terá, necessariamente, de incorporar.

2. A redução do défice das Administrações Públicas dos (esperados) 5,5% do PIB em 2013 para os (pretendidos) 4% do PIB em 2014, ainda que o PIB (denominador, no cálculo do rácio) venha a registar alguma valorização, exigirá sempre uma redução do défice não inferior a € 2 mil milhões...

3. ...o que, na ausência de um agravamento da carga fiscal (e já basta o enorme agravamento, manifestamente excessivo, verificado em 2013, embora por excelentes razões constitucionais) implicará reduções muito expressivas nas principais rubricas da despesa corrente do Estado e demais Administrações Públicas.

4. E se, como Governo tem agora afirmado (bem, a meu ver) que existe a efectiva intenção de concluir o PAEF até Junho de 2014 e de fazer todo o possível para regressar ao financiamento via mercados até essa altura (ainda que sob alguma protecção dos financiadores oficiais), não poderá haver a menor hesitação em avançar com medidas importantes de redução da despesa corrente primária (juros à parte)...

5. Neste contexto, uma estratégia de comunicação do tipo “rosa” não bate certo de maneira nenhuma, arrisca-se mesmo a ser ferozmente contraproducente: as pessoas poderão não aceitar bem as medidas que lhes vão impor reduções adicionais de rendimentos; mas, se pretenderem embalar essas medidas como se tratasse de chocolate belga ou gelado santini, certamente que vão reagir da pior maneira, sentindo-se enganadas, quase “gozadas” como se diz na gíria...

6. Para esse tipo de exercícios melífluos já nos bastam os inefáveis Crescimentistas que não tendo (ou enquanto não têm) responsabilidades executivas ao nível do Estado e outras Administrações Centrais, se entretêm, dia sim, dia não, a vender ilusões ao desbarato, traduzidas em mensagens de alívio fiscal e de patriótica oposição às medidas que apelidam de Austeridade...

7. Decididamente, palavreado “rosa” e Consolidação Orçamental não são compagináveis, não rimam, de todo...



O que é a "condição de recursos"...

Desde de que foi conhecida a medida do governo de cortar nas pensões de sobrevivência, tenho reparado que tem sido utilizada em abundância, quer por políticos quer pela comunicação social e comentaristas, a expressão "condição de recursos", deixando no ar uma ideia distorcida sobre a natureza das pensões de sobrevivência e dos cortes anunciados.
Ontem à noite ouvi um convidado de um programa da televisão dizer que todas as prestações sociais têm condição de recursos. Não é verdade. Logo de seguida, um outro convidado afirmou que o corte de 100 milhões de euros nas pensões de sobrevivência era um montante sem expressão, uma vez que não era suficiente para cobrir o défice da despesa total com as pensões de sobrevivência e que estas não eram bem contributivas. Uma afirmação errada.
Para que não existam dúvidas, vale a pena recordar do que é que se está a falar:
Sobre a "condição de recursos"
1.A condição de recursos é um conjunto de condições que o agregado familiar dever reunir para poder ter acesso a determinadas prestações sociais.
2. A condição de recursos é verificada através dos rendimentos do agregado familiar que solicita a prestação. Existem regras estabelecidas sobre quais são os rendimentos considerados para verificar a situação de necessidade e concluir se há ou não há direito à prestação.
3. Estas prestações - ex. rendimento social de inserção, abono de família, subsídio social de desemprego, complemento solidário para idosos - são função da necessidade económica dos seus beneficiários. O seu objectivo é garantir prestações familiares em situação de falta ou insuficiência de recursos económicos.
4. Estas prestações são financiadas através dos impostos. Integram os regimes não contributivos. Inserem-se no âmbito de políticas públicas de combate à pobreza e exclusão social.
Sobre a pensão de sobrevivência
5. A pensão de sobrevivência é paga aos familiares do falecido beneficiário da Segurança Social e destina-se a compensá-los pela perda de rendimentos que resulta do seu falecimento.
6. A pensão de sobrevivência é devida em função da história contributiva da pensão de reforma que lhe dá origem, que foi atribuída em função das contribuições feitas para a segurança social.
7. A pensão de sobrevivência faz parte de um conjunto de  prestações sociais que visam fazer face a eventualidades que originam perda de rendimento do trabalho - reforma, invalidez, morte, desemprego, doença, doenças profissionais e paternidade. 
8. Verificada uma eventualidade há lugar ao pagamento da respectiva prestação, de acordo com regras que estão previamente estabelecidas.
9. Estas prestações são financiadas pelas contribuições dos trabalhadores. Não são financiadas pelos impostos. Não se lhes aplica a condição de recursos. 
10. Os regimes contributivos (função seguro social) e os regimes não contributivos (função redistribuição) têm naturezas diferentes quanto aos seus objectivos e diferem no modelo de financiamento. As prestações dos primeiros são função das contribuições, as prestações dos segundos são função da necessidade. O acesso às prestações obedece a lógicas diferentes.
A bem do nosso sistema de Segurança Social seria bom preservar esta estrutura, a menos que outra devidamente estudada e pensada a pudesse substituir com melhores resultados. 

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Arautos

Parece que há um novo arauto, desculpem, relatório, do FMI que aventa que o IRS em Portugal ainda tem espaço para chegar aos 60% e que também há "margem" para "maximizar" a receita do IMI, por exemplo. A algum lado hão-de ir buscar as receitas de IRS que acompanham a descida acentuada de salários e pensões, ou não? Ai, ai, os ricos...

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Défice da balança comercial volta a agravar-se?...

1. Esta notícia faz uma das manchetes num dos mais lidos jornais on-line: dados hoje divulgados pelo INE mostram que no trimestre terminado em Agosto, as importações de mercadorias (bens) cresceram mais (3,1%) que as exportações (2,3%), relativamente ao mesmo período de 2012.

2. Desta diferença de ritmo de crescimento entre importações e exportações de bens resultou um ligeiro agravamento, de € 163,6 milhões (0,1% do PIB), no défice comercial do mesmo período em relação ao período homólogo de 2012.

3. Considerando apenas o mês de Agosto, as exportações estagnaram e as importações caíram 3,5% relativamente a Agosto de 2012.

4. Nada de extraordinário, pois, apesar do “estrondo” sensacionalista do título da notícia, nem nada que coloque em causa a extraordinária melhoria registada até agora nas contas com o exterior (balança de pagamentos) nos últimos 3 anos, de que tenho aqui dado frequente notícia e que constitui uma mudança radical – e altamente positiva – no desempenho da economia portuguesa no período de 15 anos até 2010...

5. De resto, o próprio BdeP no Boletim Económico de Outono ontem divulgado, em que actualiza a estimativa da balança de pagamentos para 2013, antecipa superavits de 3,1% do PIB para as Balanças Corrente+ Capital, de 2,1% do PIB para as Balanças de Bens+Serviços e de 1% do PIB para a Balança Corrente.

6. Sem embargo do que fica dito nos últimos 2 pontos, não deixo de notar que a ligeira inversão do resultado no comércio de mercadorias no trimestre Junho-Agosto, atrás referida e que o título da notícia trata de forma sensacionalista, constitui o que se poderá chamar de “early warning”...

7. ...ou seja, um sinal avançado, ténue mas nem por isso desprovido de significado, de que uma mudança de política que procure dar gás à procura interna (teses Crescimentistas) – e que não seja exclusivamente associada a um aumento do investimento produtivo nos sectores abertos à concorrência - pode deitar a perder todo um gigantesco esforço de ajustamento da economia que o sector privado se mostrou capaz de realizar...e isso seria absolutamente dramático para o futuro do País...

8. Aqui fica pois esta chamada de atenção para os ilustres Crescimentistas, tanto os do tipo português suave como, sobretudo, os puros e duros que adorariam ver a despesa pública aumentar (até ao céu, se possível) para aquecer a actividade económica...o “remédio” que preconizam teria efeitos letais...
 

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Declarações ou Acórdão?

Doze dos treze Juízes do Tribunal Constitucional juntaram Declarações de Voto ao Acórdão sobre as alterações ao Código do Trabalho. Situação que expressa simultaneamente a clareza da Constituição e do juízo dos Juízes.
Enfim, dão a sentença e lavam as mãos. Pilatos também interpretou a lei, fez declaração de voto e lavou as mãos.


Ad memoriam


Por mero acaso encontrei nas redes sociais notícia do falecimento, há uns dias, do meu Bastonário Mário Raposo. Sensação estranha esta de ver que a passagem de figuras relevantes da vida nacional já não nem sequer é motivo do mais ligeiro registo mediático.
Não via o Dr. Mário Raposo há uns largos meses mas dele recebia, com regularidade, o que continuava a escrever e publicar sobre temas do Direito com rara competência. 
Devo ao Dr. Mário Raposo muitas atenções, em especial a de, sabe-se lá por que bulas, ter confiado num jovem jurista, vindo da província sem recomendações ou apoio de nome sonante de família. Era ele então Ministro da Justiça. Teve a ousadia de me convidar para seu lado no Governo, e eu a sensatez que me faltou anos mais tarde. Gratidão pessoal não é, obviamente, razão plausível para o elogio público. Mas já é um imperativo de justiça, com dizia Cícero, dar público testemunho da existência de alguém com um invulgar sentido de Estado nas funções públicas que exerceu. 
Como Advogado reconheço em Mário Raposo um dos últimos Bastonários que defendeu o prestígio social da classe por sempre exultar o que ela tem de melhor. Outros tempos... 
Repouse em paz.

"Poesia e figos"...

Recordo que num dia de sol, deveria estar em férias, ao entrar na sala de comer da minha avó, onde estavam guardados tabuleiros com figos secos, sacos de feijão de diferentes cores, e duas ou três abóboras à espera de serem sacrificadas, vi, ao canto, um livro de capa esverdeada com aspeto de ter sido queimado. Aproximei-me e li que era da autoria de Luís de Camões. Já sabia que tinha escrito os Lusíadas. Pensei que seria o tal famoso livro de que ouvia falar com tanto entusiasmo. Senti uma estranha curiosidade em ler o livro, que deveria ser muito belo. Mas o título não era os Lusíadas. Via-se mal, muito mal, porque tinha a capa muito queimada, nalguns sítios mesmo negra, como se o tivessem retirado do lume. Abri-o e vi que tinha muitos versos, quadras e sonetos. Eu já sabia o que era um soneto, o professor de português já tinha falado sobre isso, e ouvia com frequência a expressão "é pior a emenda do que o soneto". Aprendi o significado embora sem perceber muito bem o que é que o soneto tinha a ver com a emenda! Sentei-me no banco de pedra junto à janela, para aproveitar a luz da tarde, e, num ambiente sossegado, apenas interrompido pelo cacarejar das galinhas, algumas até deviam ter acabado de por ovo, pus-me a ler. Àquela hora, os meus companheiros de brincadeira deveriam estar a dizer das boas pela minha falta ao jogo no Rossio. Comecei a ler os sonetos, procurando o segredo do ditado que ouvia a torto e a direito, mas, depressa, deixei de procurar e embebedei-me com a poesia que ia lendo, ouvindo-me mentalmente e até oralmente. Percebia muita coisa, e quando não percebia passava à frente, lendo os versos cheios de uma estranha sonoridade que me provocavam uma sensação agradável, muito agradável, muito mais agradável do que os figos secos que ia retirando do velho tabuleiro. O tempo passou, a luz do dia arrefeceu, e a maldita lâmpada da sala de comer, que não alumiava quase nada, apenas fazia sombra, assustou-me mais uma vez com o seu amarelo doentio. Levantei-me, subi para o quarto e levei o livro de capa verde, enegrecido, queimado, pouco estimado, e que se transformou no meu culto adorado. Escondi-o. Tive medo que voltasse a ser queimado, e que os lindos versos, que li pela primeira vez, fossem apagados.
No dia seguinte perguntaram-me se tinha visto um livro com uma capa verde e negra. Já sabia mentir. Prontamente respondi que sim, que tinha visto um livro negro, sujo, queimado, mas nem lhe toquei, tive nojo de lhe mexer. Convenci. Quando vi que tinha convencido, perguntei quem tinha sido o maluco que retirou o livro da lareira. - Da lareira? - Sim. Não estava queimado? - Estava. - Então. - Então, o quê? O livro servia para por o ferro de engomar, quando estava passar a roupa. Agora onde é que vou colocar o ferro? Onde? Só me faltava mais esta! - Pois! Alguém deve ter visto que era lixo e deitou-o fora. Eu não fui. Eu não lhe toquei. Olhou-me e não sei se ficou convencida, tamanhas eram as asneiras que fazia. Parecia que a ouvia pensar: - Uma criança tão pequena a mexer em livros? Hum! Não me parece. - Olha lá! Quem é que comeu os figos? - Quais figos? - Quais figos?! Antes que ouvisse mais um sermão, subi as escadas, meti-me no quarto, retirei debaixo da cama o livro de Luís de Camões e andei à cata dos sonetos. 
Foi assim que comecei a gostar de poesia, de figos já gostava.

Coimbra, segunda-feira, antes de jantar, 07.10.2013.

domingo, 6 de outubro de 2013

Cortes a conta gotas...

A medida foi assumida pelo Governo durante as 8ª e 9ª avaliações do programa de ajustamento, e faz parte do conjunto de poupanças, ou cortes, com que pretende compensar a não aplicação da chamada TSU dos pensionistas e os chumbos do Constitucional. 
Mais uma medida sobre cortes nas pensões, retroactiva, isto é, vai atingir os actuais pensionistas. Os reformados que recebem pensões de sobrevivência vão sofrer cortes adicionais nas suas pensões. A notícia hoje avançada pela comunicação social – deve ter havido uma fuga de informação – foi, entretanto, confirmada pelo ministro da segurança social
As decisões sobre cortes nas pensões têm vindo a ser apresentadas a conta gotas. Esta actuação não permite dispor de um quadro global sobre todas as medidas com efeitos de redução nas pensões – já em vigor e a aplicar - e perceber a sua coerência e justificação, os seus impactos acumulados no rendimento dos pensionistas e na sustentabilidade nos sistemas de pensões, o que vai mudar nas regras do esforço contributivo dos trabalhadores e nas prestações abrangidas.
E é, também, uma actuação que gera uma injusta angústia e incerteza nos pensionistas, que de um dia para o outro ficam a saber pelos jornais e televisões que, afinal, vão sofrer mais cortes, não sabem o que lhes vai acontecer. 
É importante ter presente que os reformados – Segurança Social e CGA - que auferem pensões de sobrevivência em resultado de viuvez, recebem-nas porque vigora o princípio da contributividade. Estas pensões são financiadas através de contribuições – Taxa Social Única. Uma parte da TSU destina-se a financiar o risco de morte, assim como outra parte visa financiar outros riscos de perda de rendimento. Estas são as regras.
Que outras medidas estão ainda por conhecer? O que se vai passar com o aumento da idade legal de reforma para os 66 anos? Entra em vigor em 2014. Que reduções se podem esperar do factor de sustentabilidade que corrige a pensão para os ganhos de esperança de vida? Estamos a três meses do final do ano e ninguém sabe qual vai ser o impacto: qual a amplitude da redução da pensão ou qual o tempo adicional que será necessário trabalhar para a evitar?  

sábado, 5 de outubro de 2013

Mas que estrelas!


Vi há anos um filme qualquer em que a protagonista é uma rapariga banalíssima que teima com uma amiga que toda a gente repara nela. A amiga duvida e lá vão as duas sair para que se demonstre a capacidade da jovem em chamar as atenções. A amiga vai uns passos atrás e a pretensa estrela toma a dianteira, seguindo ao longo do passeio de uma rua muito movimentada. Sem que a outra consiga ver, vai fazendo caretas horríveis, entorta os olhos, deita a língua de fora, enfim, o seu visual normal toma aspectos de uma doida furiosa ou de alguém que está a ter pensamentos tormentosos. É claro que todos os transeuntes reparam nela, viram-se para trás depois de passar, comentam e comportam-se como se tivessem visto uma alucinação. A amiga, uns passos atrás, confirma que realmente a amiga dá nas vistas e, quando a alcança, olha-a com admiração e pergunta-se como é que nunca reparou realmente como a outra era atraente ao ponto de todos ficarem a olhá-la e passa a divulgar no seu grupo a fantástica sedução da outra, que assim se vê promovida à categoria de Estrela.
Ao ler no Público de hoje a enésima entrevista a uma jovem americana que vem promover um livro da sua autoria e cuja notoriedade lhe vem de ter sido actriz de filmes pornográficos desde a sua tenra juventude, lembrei-me da personagem do filme. Lendo e relendo a profusão de entrevistas totalmente indigentes, senão mesmo a fazer troça da disponibilidade para lhe dar atenção, confirma-se que não é preciso mais do que fazer umas caretas tolas para alcançar o estrelato da modernidade. Se calhar até vai chegar ao top de vendas e figurar entre os "escritores" que marcaram uma época.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita!

Tinham sido destruídos, mas afinal estavam mal arquivados. Segundo a notícia, nova auditoria irá decorrer, desta feita para descobrir a razão de ser de um tal erro. Já diz o ditado popular, "o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita"! Podemos ficar descansados...

A difícil questão da sustentabilidade ou insustentabilidade da dívida...

1. Questionado ontem, em Estocolmo, sobre a decantada questão da insustentabilidade da dívida, tema que tem merecido amplo tratamento dos habituais analistas que enxameiam os media, o PR teve uma reacção curiosa: disse que um comentário desses feito em Portugal, sobre a dívida do próprio País, tem um sabor MASOQUISTA.

2. Compreendo esta declaração e, no essencial, identifico-me com a mensagem que veicula: discutirmos nós próprios a insustentabilidade da dívida que, em primeira mão, nos compete pagar, equivale a um convite aos credores para deixem de nos conceder mais crédito e exijam o pagamento do que está em dívida...

3. Num plano mais substantivo, julgo que há vantagem em analisar a sustentabilidade da dívida por dois ângulos distintos: da dívida privada (famílias e empresas, incluindo bancos) e dívida pública (Administrações Públicas e, agora também, um grupo já numeroso de entidades empresariais públicas reclassificadas, para além da que advém do apoio aos bancos embora neste caso com boas contrapartidas que permitem ao Estado mais do que compensar os encargos suportados).

4. Quanto à primeira, aquilo que cabe dizer é que tanto empresas como famílias assumiram, com muito sacrifício mas com excelentes resultados, o desafio de resolver o problema da sua dívida, tendo já começado a gerar excedentes consideráveis em relação ao exterior, traduzidos, como já aqui referi, num saldo positivo conjunto das balanças corrente e de capital, até Julho deste ano, de cerca de 1,5% do PIB, número que até ao final do ano se espera venha a atingir 3% do PIB ou mesmo mais.

5. Quer isto dizer que o sector privado iniciou já, “in earnest”, um grande esforço de ajustamento e de redução do respectivo endividamento, em termos absolutos e em % do PIB, assegurando, do mesmo passo, a sustentabilidade da dívida pela qual são directamente responsáveis...

6. O problema concentra-se assim no segundo ângulo de análise, da dívida que é responsabilidade directa das Administrações Públicas e de um grupo considerável de empresas públicas reclassificadas...

7. ...cuja disponibilidade para seguir o exemplo do sector privado - e sobretudo os sacrifícios suportados pelo sector privado – não está ainda assegurada, assistindo-se a uma luta titânica na defesa de interesses corporativos que se agarram desesperadamente à mesa do Orçamento procurando a todo o custo manter privilégios que vão contribuindo para engrossar cada vez mais a dívida pública...

8. Em resumo e conclusão, o tema da sustentabilidade ou insustentabilidade da dívida – sobre o qual nada ganhamos em exprimir posições derrotistas na praça pública – depende criticamente da capacidade do Estado para se auto-reformar, para gerar poupanças (excedentes orçamentais primários visíveis) que permitam travar o crescimento da dívida pública primeiro e fazê-la baixar depois...

9. Conseguirá o Estado (na acepção lata acima definida) responder ao desafio, seguindo o exemplo do sector privado, ou será que vai optar por nos arrastar a todos na onda da insustentabilidade, dando finalmente razão aos ditos (e bem ditos) MASOQUISTAS?

Eleições Autárquicas de 2013: Factos & Reflexões

Agora que a poeira começa a assentar relativamente às eleições autárquicas de domingo passado, pareceu-me ser apropriado fazer a análise dos resultados e dos aspectos que entendo como mais relevantes nesta matéria.
Resumidamente, para não ser muito maçador, eis as 10 ideias que, penso, marcaram este último acto eleitoral:
O PS foi a força política mais votada, teve o maior número de câmaras municipais, juntas de freguesia, e mandatos para todos os órgãos autárquicos – e, como tal, venceu as eleições. Indiscutível.
Contudo, não existem, em meu entender, razões para grandes euforias por parte dos socialistas. Porquê? Simples: o PS perdeu em número de votantes e em percentagem face a 2009: menos cerca de 275 mil votos (quem diria?...) e 36.2% contra 37.7%.
Individualmente considerado, o PSD, principal partido da coligação governamental, teve, sem dúvida, um mau resultado. Perdeu em número de votos, de câmaras, de juntas de freguesia, e de mandatos, face a 2009. Perdeu a presidência da Associação Municipal de Municípios.
Contudo, se somarmos aos votos do PSD, do CDS e de todas as coligações em que ambos tenham participado (com outras forças políticas), e apesar da queda de mais de 575 mil votos face a 2009, chegamos a 34.8% – contra 41.8% em 2009 e... contra (lembra-se, caro leitor?...) 36.2% do PS agora: menos de 100 mil votos... Numa altura em que os efeitos da austeridade tendem a castigar quem governa e em que a segunda semana de campanha foi marcada por muito ruído à volta de um evidentemente-indesejável-segundo-resgate a Portugal (e por uma total ausência de cobertura mediática das diversas campanhas locais – que contribuiu para tornar a campanha ainda mais nacional), não consigo ver neste resultado nenhum desastre ou nenhuma hecatombe...
... que aconteceu, aí sim, na Madeira (e que, a meu ver, tinha sido totalmente evitável).
De qualquer modo, mesmo sem hecatombe, a coligação perdeu (e, dentro dela, o PSD perdeu bem mais do que o CDS) – tal como perdeu o BE, que apesar de ter integrado a vitoriosa coligação anti-PSD no Funchal, se evaporou do mapa autárquico, perdendo a única câmara municipal que detinha (Salvaterra de Magos) e, face a 2009, quase 30% dos cerca de 167 mil votantes de então.
Outros vencedores destas eleições foram, à sua escala, a CDU (mais 13 mil votos do que em 2009, mais câmaras, mais juntas e mais mandatos em geral), bem como os movimentos de cidadãos independentes (uns mais independente do que outros, como bem se sabe...), com quase mais 120 mil votos do que em 2009, os votos brancos e nulos, que mais do que dobraram face a 2009), e a abstenção, que subiu 6.4 pontos percentuais – o que se reflectiu numa redução de cerca de 540 mil votantes face ao sucedido há 4 anos.
Penso que, descontando a (meritória) subida da CDU, é impossível que os factos relatados no ponto anterior não deixem de merecer uma leitura atenta do nosso sistema político – e, em especial dos partidos.
Foi este, para mim, o facto mais relevante destas eleições autárquicas. Um número crescente (muito crescente) de cidadãos mostrou-se muito descontente com a forma tradicional de fazer política e com a postura a que estamos habituados por parte dos partidos políticos. Por exemplo, uma força política não tem que estar sempre em desacordo só porque está na Oposição... Ou por que é que, no momento em que atravessamos, que continua a ser de emergência financeira, económica e social, foram tão parcos os esforços de concertação e aproximação entre os Partidos da Coligação e o principal Partido da Oposição (todos subscritores do Memorando assinado com a Troika)... Afinal, é ou não do nosso interesse colectivo ultrapassarmos o mais rapidamente possível esta situação?!...
Como é evidente, a democracia assenta nos partidos e no sistema partidário – mas não me recordo de a estes ter sido feito um aviso tão claro e mostrado um cartão tão próximo do vermelho por parte da população como nestas eleições. Que ele sirva para a indispensável reflexão que os actores políticos (em que, evidentemente, me incluo) têm que fazer, é o que desejo. Todos em Portugal iremos ganhar com isso.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Cruzadas

Unidos pelos partidos. Aqui.

"Lentamente"...

Não sei o que se passa, sei apenas que começo a ficar diferente. Não interessa saber quais as causas, se são "internas", próprias do envelhecimento esperado, ou se do cansaço de viver numa sociedade sem encanto e que me convida ao desalento. Não sei, nem me interessa. O que eu sei é que me sinto diferente. Continuo a gostar de escrever, cada vez mais, mas para escrever preciso de me desnudar, e não é bom, não é aceitável e muito menos aconselhável partilhar certos pensamentos ou reflexões. Continuo a escrever alguns textos sem esperança de alcançar ou materializar o que quer que seja, não é isso que me interessa, mas confesso que também não sei qual é a verdadeira razão. É curioso querer, ao mesmo tempo, escrever e esconder o que escrevo. Lentamente vou deixando de publicar, lentamente vou deixando de viver, lentamente vou escrevendo cada vez mais, lentamente sou tentado a esconder os meus pequenos textos. Lentamente esqueço-me que existo. Tudo na vida tem de ser feito lentamente. É a forma mais certeira de ser esquecido. É a forma mais agradável de saborear alguma paz. É bom, espero que sim, mesmo que seja lentamente...

"Gabinete"...



Procuro o refúgio do meu gabinete. Gosto de estar no silêncio das minhas paredes, paredes que me conhecem tão bem, tão bem como eu a elas. Sempre nos entendemos, elas com o seu silêncio e eu com os meus pensamentos. É um local com algum sentido de sagrado a querer imitar, embora sem conseguir, um templo religioso. É um local privilegiado onde consigo despertar o sentido da liberdade e da criatividade que sempre persegui. É um local doce e solitário que me faz esquecer tantas coisas e me ajuda a pensar e a desenhar pensamentos e a tentar ver o mundo de outra forma. É um local do passado que me empurra, sem sobressaltos, para ver o que está ali à minha frente, aquilo a que chamam pomposamente futuro. É uma fonte de tranquilidade, de sabedoria adormecida e de esperança viva, em que é possível ver, ouvir e sentir o mundo com a ousadia da razão e com a força da inspiração. Gosto de estar no meu espaço, na minha solidão universitária, esperando, escutando e desejando encontrar algo que acalente os meus sentidos e a fome de conhecimento. Não me importo que outros possam ter mais e melhor. O que me interessa é apenas saber. Para saber basta-me recolher e ver. Vejo, sinto e ouço tantas coisas e se não vejo, sinto e ouço mais é por que não quero. Mas eu quero. Toco num velho livro, numa relíquia qualquer, imagino o que aqui fiz e desenhei, o que escrevi e o que inventei, o que desejei e nunca alcancei, pois foi aqui que passeei a minha vida e daqui viajei e sempre voltei. Estou aqui, sentado, à espera. Não sei de quê, mas estou à espera, e quem espera sempre alcança, mesmo que seja a desesperança. Não interessa. As ideias correm, as lembranças também, os projetos acordam e as associações explodem com vontade de se mostrar ou de me saciar. Emergem com tal facilidade que não as consigo reter. Fogem-me, escapam-me com prazer. Brincam. Divertem-me. Apetecia-me prendê-las ao papel. Não faço. Deixo-as ir. Libertam-se, mas deixam novas sensações as quais por sua vez despertam novas ideias num turbilhão fabuloso de conceitos e interpretações. Não preciso de as guardar, apenas necessito de as sentir. Basta senti-las, para que um dia destes as possa prender e depois oferecer. O meu gabinete é mágico. Gosta de brincar com coisas sérias e eu gosto de transformar as coisas sérias em brincadeiras, sempre no mais belo silêncio que se possa imaginar, um silêncio apenas interrompido pelo som, pelo cantar nostálgico, e ao mesmo tempo frenético, da cabra ao fim da tarde a relembrar que devo descansar um pouco, pelo menos para a ouvir. Eu ouço com prazer, um prazer que não consigo descrever, porque só se pode sentir.

Competitividade, Política Fiscal e Reforma do Estado

O World Economic Forum (WEF) publicou recentemente o Global Competitiveness Report 2013-2014. Na versão deste ano, Portugal desce dois lugares no ranking global de competitividade, para a posição 51 entre 148 países (19º lugar na UE). Nenhuma novidade em relação a anos anteriores: desde 2004 (posição 25) que o nosso país vem, quase ininterruptamente, perdendo posições que reflectem uma competitividade cada vez menor. Na conjuntura que atravessamos, a saída do actual programa de resgate e o regresso ao financiamento em mercado (que facilitará, e muito, o hoje muito condicionado financiamento à economia) deverão, por si só, proporcionar uma subida em futuros rankings.
Mas há muitas áreas em que a nossa doença é estrutural e persiste desde há muito. Vou chamar a atenção para uma que me é muito cara e que parece, enfim, com mais de uma década de atraso, ir ser objecto de atenção e actuação por parte do Governo: a política fiscal. No relatório do WEF, a carga fiscal leva Portugal a situar-se na posição 139 (em 148 países – só no nível de endividamento público estamos pior, em 143º lugar). É obra!... Sim, era possível fazer pior – mas, convenhamos, pouco pior. Quer para os investidores, quer para os trabalhadores, a carga fiscal surge como um forte desincentivo: para os primeiros, não incentiva minimamente o aparecimento de novos projectos nem, consequentemente, a criação de (mais e melhor) emprego; para os segundos, o incentivo a trabalhar mais e melhor, aumentando a produtividade, é inexistente (uma vez que o Estado acabará por arrecadar uma parte cada vez mais considerável dos rendimentos gerados pela sua produção).
É, pois, fundamental reformar a fiscalidade em Portugal, com prioridade para o IRC e o IRS. Ora, no IRC já são conhecidas as linhas gerais da reforma que visa transformar a tributação directa sobre as empresas numa das mais competitivas da Europa em múltiplas vertentes – incluindo, naturalmente, a (substancial) descida da taxa, a simplificação dos procedimentos e das regras para os contribuintes, e o alinhamento pelas práticas internacionais mais competitivas – mas acautelando situações condenáveis de abuso ou planeamento fiscal agressivo. Como recomendam a Comissão Europeia ou a OCDE, para citar apenas dois exemplos de instituições respeitadas na matéria.
Sei que sou suspeito para abordar este tema, uma vez que integrei a Comissão constituída para reformar o IRC; porém, mesmo que não tivesse sido esse o caso, consideraria as alterações propostas muito positivas e caminhando no sentido certo, em linha com o que há bem mais de uma década venho defendendo (considerando, até, que teria sido desejável ir mais longe na redução da taxa, para não mais de 15%, mesmo que num prazo mais alargado).
O que não deixou de me surpreender foram as muitas críticas a esta reforma nos seus vários domínios. Reparos que me têm parecido injustos, mal fundamentados e carregados de preconceitos ideológicos. Destaco, em particular, o total menosprezo do contexto competitivo em que vivemos (não, Portugal não está sozinho no mundo e a realidade dos últimos anos pouco tem a ver com o que se passava, por exemplo, nos anos 70 ou 80). E refiro-me, sobretudo, às críticas de alguns fiscalistas e a determinados sectores e actores da comunicação social (também neste jornal do qual sou colunista há mais de 10 anos), cujo posicionamento é conhecido e que parecem preferir ignorar a realidade que o WEF bem documenta e manter Portugal na situação fiscal desastrosa em que se encontra, do que caminhar, embora com largo atraso, na direcção que há tanto tempo devia ter sido trilhada. Sim, devíamos ter-nos antecipado – mas já que, infelizmente, não o soubemos fazer, então pelo menos que não deixemos o imobilismo afectar-nos ainda mais.
Queremos ou não atrair mais e melhores investimentos e projectos empresariais?... Queremos ou não criar (mais e melhores) e empregos?... Queremos ou não dinamizar a economia e aumentar o bem estar da população?...
Pois então deixemo-nos de fantasias e demagogias, analisemos os factos e a realidade, e actuemos em conformidade... o que significa que as alterações fiscais não devem ficar-se pelo IRC – devem muito rapidamente ser estendidas ao IRS, no sentido do alívio progressivo da pesadíssima carga fiscal que as famílias portuguesas enfrentam, voltando a incentivar o factor trabalho e a manutenção (e a atracção) de recursos humanos em Portugal, bem como a favorecer a confiança, o consumo e o mercado interno, complementando a evolução positiva das exportações (por exemplo, uma baixa faseada da mesma dimensão da perda de receita estimada para o IRC até 2018).

Mas significa também que temos mesmo que baixar a despesa pública e reformar o Estado – o que nunca se conseguirá sem actuar ao nível das parcelas mais pesadas: prestações sociais e massa salarial. Uma actuação impopular e dolorosa, mas indispensável – porque, com um problema de endividamento público sério, mesmo que seja conferido algum tempo adicional (pela Troika) a Portugal para a necessária consolidação orçamental, a reforma e o alívio fiscal de que necessitamos como do pão para a boca (no IRC e no IRS prioritariamente, em minha opinião) só poderão ver a luz do dia se reformarmos as Administrações Públicas e assegurarmos a sustentabilidade da despesa pública. Todos os que de tal duvidem, ou a que tal se oponham (incluindo os Partidos da Oposição e o Tribunal Constitucional), deviam pensar melhor no assunto. A realidade é imparável – e se um país como Portugal a ela não se adapta corre o risco de ficar irremediavelmente para trás e a empobrecer. Como desde o final dos anos 90 tem vindo a acontecer. Já não chega?!...

Nota: Este texto foi publicado no Jornal de Negócios em Outubro 01, 2013.