“Tenho quase um dia de idade. Cheguei ontem. Pelo menos, é isso que penso. E concerteza que deve ser assim, porque se antes de ontem tivesse havido dia eu recordar-me-ia, ou então é porque não estive presente.” (O Diário de Adão e Eva – Mark Twain)
Não deixa de ser preocupante o movimento que se está a criar em redor da proibição do ensino da teoria da evolução, se não for ensinada, concomitantemente, com o criacionismo bíblico. Nos Estados Unidos, alguns estados já conseguiram este desiderato e, no estado do Kansas, foram mesmo eliminadas todas as menções às teorias de Darwin e do Big Bang. Bom, podíamos afirmar, são coisas do outro lado do Atlântico. Só que agora, a ministra da Educação da Sérvia ordenou que o ensino da teoria da evolução só pode ser abordada se, entretanto, for também descrita a história da vida segundo a Bíblia. Pensava que os europeus estavam imunes a vírus dogmáticos. Não querendo analisar aspectos de pormenor da teoria elaborada por tão eminente cientista, não há dúvidas acerca da sua importância e valor. As teorias são elaboradas para explicar os fenómenos, aguardando serenamente a sua substituição, por outras, sempre que se justifique. É assim que a ciência evolui e ainda bem. Agora, dogmas nem pensar!
Esta notícia fez-me recordar a minha primeira classe. No já distante ano de 1957, alguns dias após o 7 de Outubro (na altura as aulas começavam sempre no mesmo dia), iniciei as minhas lições de catecismo. Lembro-me perfeitamente daquela manhã soalheira, sentado, conjuntamente com os restantes alunos, no chão do gabinete do professor. O padre Sobral, mais conhecido por padre Rodelas – devido à tonsura perfeita do tamanho generoso de uma moeda de prata de dez escudos, a qual sobressaia numa frondosa cabeleira – pachorrentamente e com uma simpatia que nunca mais se esquece, começou a descrever a criação do Mundo. Aceitei todas as explicações dadas, mas quando chegou ao dia da criação do Homem fiquei incomodado. Primeiro, segundo o padre, Deus criou o Adão, depois tirou-lhe uma costela e fez a Eva. Aqui, lembro-me de o ter questionado, porque é que Deus fez sofrer o homem arrancando-lhe a costela! Disse-me que estava a dormir e não tinha sentido nada. Fiquei desconfiado. Depois ensinou-nos que Adão e Eva tiveram filhos e que, por isso, éramos todos irmãos. Lembro-me, mais uma vez, de lhe perguntar como era é possível uma coisa dessas. Então os irmãos casavam-se uns com os outros? Irmãos com irmãs? Pai com filhas e mãe com filhos? Fiquei triste e muito preocupado. Não podia aceitar uma coisa dessas. Então – na altura não conhecia a palavra promiscuidade mas, agora interpreto como tal – sendo Deus tão poderoso não podia ter criado mais pessoas, diferentes, homens e mulheres de forma a evitar uma situação daquelas? Não consigo lembrar-me das explicações que deu, mas nenhuma me convenceu. Tinha apenas seis anos e foi a primeira vez que tive consciência de não aceitar uma explicação de um adulto. Contestei-a e fui para casa muito perturbado. Agora, quase meio século depois, com tanto saber acumulado pelos homens, ter de ler estas coisas, é de bradar aos céus. Penso, que nem Deus aceitaria uma proposta destas…
6 comentários:
É curioso. Hoje mesmo estive a vasculhar as minhas memórias e a fazer uma súmula de todos os disparates que me ensinaram na escola até ao 12º ano.
Penso contudo que essa atitude do Padre Rodelas até foi positiva... Tal como foi para mim com os meu professores.
Passo a explicar.
Nunca mais quisemos saber do que nos queriam meter na cabeça à força e resolvemos pensar, estudar e ler por nós próprios!
O mesmo se aplica à generalidade da Comunicação Social de hoje...
SEndo eu já de outro tempo, em que a Religião e Moral já era uma disciplina facultativa, ainda me lembro do protesto de alguns colegas e dos seus pais, ao sentirem-se enganados pelo boletim de inscrição no ciclo preparatório.
É que a decisão de ter ou não esta disciplina, era dada pela frase: prescinde/não prescinde de frequentar a disciplina de Religião e Moral. E muitos pais eram enganados pelo verbo prescindir, e os filhos eram depois obrigados a assistir a essas aulas até que o imbróglio fosse resolvido, o que normalmente demorava meses.
A Teoria da Evolução é uma grande conquista. Darwin foi um génio, e a teoria tem sido aprefeiçoada, mas convém não esquecer que se trata de uma teoria científica e, como tal, efémera...
A afirmação de «que se trata de uma teoria científica e, como tal, efémera» aplica-se, obviamente, a qualquer teoria científica e não somente à de Darwin. Assim sendo, não vejo qual é o alcance do comentário; também é válido, por exemplo, para a ideia de que certas doenças são provocadas por micróbios ou que a Terra é esférica. Mas já reparei que aí já não costuma ocorrer às pessoas dizerem que se trata apenas de uma teoria efémera. Porque será?
Além disso, uma coisa é uma teoria científica ser efémera (e é preciso não esquecer, ao empregar-se o termo «efémera» neste contexto, que a esfericidade da Terra já tem uns milénios...), outra coisa é agir como se isso pudesse querer dizer que pode ser substituída por outra totalmente diferente de um momento para o outro. A teoria da gravitação de Newton foi considerada a descrição final e objectiva da realidade durante mais de dois séculos e acabou por ser substituída pela de Einstein, é verdade. Mas a teoria de Einstein é um aperfeiçoamento da de Newton e não uma teoria totalmente distinta. A tal ponto que, para fonómenos correntes à nossa escala, se continua a empregar a de Newton para fazer cálculos.
A da esfericidade da Terra não compreendi bem. A Terra é, aproximadamente, esférica.
A sucessão das teorias científicas faz-se mais ou menos suavemente. Einstein estende Newton. Mas nem sempre é assim.
Mas o ponto que eu queria enfatizar é o seguinte: Darwin dá uma teoria científica, que é essencialmente uma descrição do observável. Assim como Newton não explica os movimentos dos planetas, mas descreve-os com precisão impressionante. Os criacionistas dão uma explicação (para os q nela acreditem).
O criacionismo e o Darwinismo pertencem a categorias diferentes. Ciência e Religião.
Enviar um comentário