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quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A beleza da visão...

Que agradável que é ouvirmos pessoas que têm coisas bonitas e positivas para contar, pessoas satisfeitas e optimistas com os seus projectos, pessoas orgulhosas do seu trabalho e do trabalho dos outros, pessoas que sabem o que querem e para onde querem ir, que ao pensarem em si pensam também nos outros.
Neste País vai sendo raro ouvirmos pessoas assim. Embora tenhamos, estou certa, muitos portugueses assim, o que é certo é que não os ouvimos, não aparecem, não os procuramos, não os conhecemos, não sabemos o que de bom estão a fazer, interagimos pouco com as suas realidades, os seus projectos, as suas iniciativas, os seus empreendimentos, as suas actividades, os seus resultados.
Ao invés, ouvimos, somos bombardeados diariamente com dramas e tragédias, com um mundo pintado a “preto e branco ”, com a insatisfação e o insucesso, com a crítica inconsequente. Este clima negativo é-nos imposto pela comunicação social, em particular pela televisão que nos entra pelas casas dentro. É obviamente importante que estejamos informados sobre os perigos que corremos, as coisas que não estão bem e que é necessário corrigir, que estejamos atentos aos problemas da humanidade e do planeta e conscientes das dificuldades da vida.
Mas o que é confrangedor é que as boas notícias tenham reduzido tempo de antena, quando sabemos que há coisas boas para revelar. E são muitas. Falar do que é bom teria inúmeros benefícios, desde logo reconhecer o mérito de pessoas e das suas obras, alimentar a satisfação e o orgulho nacional, dar o exemplo, criar um ambiente mais animador, mostrar a capacidade de realização e a exequibilidade de fazer bem e de bem fazer.
Lembrei-me de escrever estas linhas à medida que ia ouvindo a Dra. Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud, numa entrevista que aconteceu esta noite no telejornal da RTP2. A entrevista foi motivada pela entrega do Prémio Champalimaud de Visão, que ontem teve lugar em Lisboa. Foi um daqueles raros momentos televisivos em que a conversa se desenrolou com sobriedade num ambiente de satisfação e entusiasmo. E tinha motivos para ser assim.
Leonor Beleza partilhou com os portugueses o privilégio de a Fundação Champalimaud - depositária do extraordinário gesto de António Champalimaud materializado numa doação de 500 milhões de euros à causa da luta contra a cegueira – ser a instituição que a nível mundial consagra anualmente o maior prémio mundial no campo da visão – 1 milhão de euros. Este galardão é atribuído a entidades que se evidenciam por trabalhos quer no campo da investigação da visão, quer no tratamento da cegueira.
Este galardão encerra também a grandeza da decisão de ajudar a resolver o terrível sofrimento de milhões de pessoas cegas que submetidas a uma cirurgia ganham a beleza da visão e de reconhecer e apoiar projectos científicos que permitem avanços no conhecimento indispensáveis para curar a cegueira.
Uma decisão de grande alcance ao evidenciar a importância fundamental do investimento na ciência para resolver os problemas reais das pessoas. Este ano o prémio (o segundo desde a sua constituição em 2007) incidiu sobre a vertente científica, tendo sido atribuído aos dois cientistas norte americanos Jeremy Nathans e Wai Yau que nas suas investigações “revolucionaram o entendimento de factos fundamentais relacionados com a visão humana”.
Notícias destas são tão raras entre nós que às vezes até nos esquecemos que deveriam ser notícia. É que as coisas boas existem. Uma cegueira a precisar de tratamento!

7 comentários:

Bartolomeu disse...

Cara Margarida, é obvio que não vou aqui tecer considerações acerca da pessoa do Sr. António Champalimaud, tão pouco se aquilo que motivou o seu gesto foi ou não no sentido do altruísmo ou, no da expiação. Em primeiro lugar porque não conhecia o Senhor, tão pouco as suas acções, objectivos e desígnios. Segundo porque acerca dele, só conheço algumas escassas notícias, antes e depois da Fundação, antes e depois da cegueira que o atacou. E, seria portanto descabido, se esse fosse o meu intento, forjar uma opinião unicamente com base em notícias difundidas.
Faço esta afirmação com a máxima sinceridade, porque considero tal como a cara Margarida deixa explícito que, são as boas acções e as boas notícias que devem ser valorizadas , se queremos efectivamente evoluir social e humanamente. Apesar de, e neste aspecto continuo em absoluta concordância com a sua opinião, nos ser necessário conhecer aquilo que de menos bom aconteça, até como forma de acautelarmos maiores prejuízos e prevenirmos acções que os combatam.
Ora, como estamos aparentemente perante uma dicotomia de conceitos com aspectos que à partida se adivinham inconciliáveis, ou pelo menos difíceis de harmonizar, fácilmente identificamos nas diferentes formas de informação, modelos que reflectem esse "desacerto".
Contudo, informar, parece-nos que possa ser a mais fácil das tarefas, sobretudo se lermos com atenção o código deontológico a que se reporta o jornalismo.
Falta-nos (só anós?) entender porque motivo se ultrapassam sem qualquer critério essas regras.
-Porque se seguem modelos estranjeiros de informar?
-Porque cada agência luta pela distinção, tendo como objectivo o negócio?
-Porque cada jornalista busca "A" notícia que o fará tornar-se modelo, perante os seus pares?
-Porque as Agências se habituaram a ter influência na política do país?
Alguem me dizia ha algum tempo que o jornalismo actual é a pior praga que a sociedade tem de enfrentar e que, enquanto o conceito de democracia se mantiver, essa praga não irá desaparecer.
Na verdade, não desejamos que a informação desapareça, desejamos sim que se moralize, que seja isenta, que seja precisa, que não pretenda manipular, em suma, que tenha uma noção muito concreta do código porque se rege.
Lembro-me quando era criança e frequentava a escola primária, que ao início das aulas, todos os dias, cantávamos o hino nacional. Não sei se não seria profícuo instituir esta norma obrigatória nas agências de informação, mas em vez do hino, o código das regrazinhas... e... porque não o hino também, para aquela rapaziada não perder também o sentido de nacionalidade, de comunidade e de fraternidade !?

antoniodasiscas disse...

Cara Margarida
António Champalimaud,é uma figura de rara dimensão para um país pequeno e problemático como o nosso. Morreu como viveu, criando, após a sua morte, condições de melhoria de vida para muitos, refiro-me concretamente aos que têm a infelicidade de ter olhos que não vêem e criando, sempre criando, durante a sua vida, entre nós, milhares de empregos decorrentes de investimentos a que, com uma garra invulgar de grande empresário, deu vida. Em contrapartida, espero que alguns ainda se lembrem, como é que este povo lhe agradeceu após
o 25 de Abril? Ainda bem e com toda a justiça, foi agora divulgada como merecia, com pompa e circunstância, o que a fundação que deixou à humanidade e que tem o seu nome , vem desenvolvendo a favor dos que sofrem. Uma coisa é certa, queiram ou não queiram os chamados amigos do povo, António Champalimaud com quem ainda tive contactos profissionais, foi um grande Senhor!

jotaC disse...

Cara Dra. Margarida Aguiar:
Infelizmente a história portuguesa não regista muitos homens com a gradeza de António Champalimaud.
A Fundação por ele criada honra todos os portugueses.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Bartolomeu
Acabei por escrever um post que creio poderia ter dado lugar a dois. Mas, com efeito, a associação de ideias levou a fazer dois em um.
Apreciei muito a reflexão que faz sobre a questão da "qualidade" da notícia, o problema da ética e da moral que devem reger a importante função noticiosa, a dicotomia entre a desvalorização dos bons acontecimentos pela sua omissão ou reduzido tempo de antena e a valorização dos dramas e das tragédias merecedoras das primeiras páginas e aberturas de telejornais. Não há dúvida que a competição e a diferença passaram a fazer-se pelo lado das más notícias. De tanto assim ser, é nestas que se jogam as estratégias de comunicação para aumentar as quotas de audição e as vendas. Neste quadro tão radicalizado, e não tanto, a meu ver, pela "dicotomia de conceitos", torna-se necessariamente difícil, se não impossível, a conciliação ou a harmonização, utilizando as expressões do Caro Bartolomeu, dos dois lados da realidade. Ambos são importantes conhecer, o lado bom porque nos permite "evoluir social e humanamente" e o lado mau para que acautelemos os impactos negativos e tratemos de o erradicar, prevenindo ou corrigindo.
Como em tudo na vida é da permanente conciliação de posições distintas e, porventura, antagónicas que se vai construindo algo de novo, para melhor.
Não viabilizar essa confrontação, optando antes pelo desequilíbrio, é mau.
Não sei, sinceramente, o que pode mudar este estado de coisas...

Caro antoniodasiscas
Lembrou bem a dimensão humana do gesto de António Champalimaud. Tão ou mais importante que a dimensão material da sua generosidade, foi a sua preocupação de que a mesma pudesse beneficiar a humanidade, ao pensar na (in)felicidade de milhões de pessoas que pelo mundo fora vivem o sofrimento da cegueira.

Caro jotaC
É verdade o que diz. Esperemos que ao gesto grandioso de António Champalimaud outros se lhe sigam. Esperemos também que os saibamos merecer.

Bartolomeu disse...

Cara Drª. Margarida, relativamente à última frase do seu comentário, que reflete a maior inquietação da humanidade actualmente(creio que não exagero) e que me faz tambem reflectir, oferecese-me o seguinte raciocínio: Todas as mudanças se operam pelo efeito de acções reflexivas e nunca são fruto de iniciativas individuais, no entanto, se as mesmas iniciativas não acontecerem, a mudanção não terá hipotese de ocorrer.
Quero com isto dizer o seguinte: O entendimento comum do futuro, não ultrapassa em regra, o horizonte da visão humana. Contudo, conhecemos as excepções a esta regra, exemplo disso será o Sr. António Champalimaud, ao que me parece, pessoa dotada de uma capacidade de visionar o futuro mais dilatada que a dos comuns. No entanto, é-nos ainda possível entender que a própria natureza se equipa de armas que controlam estas capacidades natas, não permitindo por exemplo que sejam efectivas em diversos âmbitos, obrigando ainda que se limitem a um numero restricto de pessoas.
Pode parecer de certo modo infantil aquilo que acabo de escrever, contudo, tal como se passa no mundo animal e no vegetal, verificamos com relativa facilidade que uma acção desencadeia outra e que quando se dá o início do desencadeamento é impossível prever o final, de modo que, o final não existe, o que nos leva a concluir que: ou nos encontramos num permanente e imutável processo de reinício, ou então num processo de conclusão inacabada. Porém e ainda são raríssimos aqueles que percebem quando ocorre o início de uma acção, não sendo estes , os mesmos que possuem o dom de visionar o futuro.
É certo que, ao constatarmos esta evidência, sentimos a nossa existência até certo ponto, desvalorizada, não deixando contudo de nos sentir animados da vontade inquebrável de prosseguir.
Talvez seja este estado de alma que faz com que os milagres aconteçam...

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

A evolução de que o Caro Bartolomeu fala acaba por ser um somatório sequencial de reequilíbrios que se sucedem em resposta aos desequilíbrios.
Ao referir no final do meu anterior comentário que "não sei (...) o que pode mudar este estado de coisas..." estou a pensar que terá que haver um reequilíbrio. Não sendo visionária não sei realmente que evolução nos espera. A "vontade inquebrável de prosseguir" ditará alguma coisa boa...
Caro Bartolomeu, confesso que esta matéria não é nada fácil. Meto-me em cada uma!

Bartolomeu disse...

Cara Margarida,
Se não houvesse sempre alguem disposto a "meter-se em cada uma", ainda hoje estaríamos a pensar que a Terra é plana.
Agradeço-lhe a paciência que coloca nas respostas aos comentários. E deixo este poema de Guerra Junqueiro:
A Lágrima

Manhã de Junho ardente. Uma encosta escavada,
Sêca, deserta e nua, à beira d'uma estrada.
Terra ingrata, onde a urze a custo desabrocha,
Bebendo o sol, comendo o pó, mordendo a rocha.

Sôbre uma folha hostil duma figueira brava,
Mendiga que se nutre a pedregulho e lava,

A aurora desprendeu, compassiva e divina,
Uma lágrima etérea, enorme e cristalina.

Lágrima tão ideal, tão límpida, que ao vê-la,
De perto era um diamante e de longe uma estrêla.

Passa um rei com o seu cortejo de espavento,
Elmos, lanças, clarins, trinta pendões ao vento.

- "No meu diadema, disse o rei, quedando a olhar,
Há safiras sem conta e brilhantes sem par,

"Há rubins orientais, sangrentos e doirados,
Como beijos d'amor, a arder, cristalizados.

"Há pérolas que são gotas de mágua imensa,
Que a lua chora e verte, e o mar gela e condensa.

"Pois, brilhantes, rubins e pérolas de Ofir,
Tudo isso eu dou, e vem, ó lágrima, fulgir

"Nesta c'roa orgulhosa, olímpica, suprema,
Vendo o Globo a teus pés do alto do teu diadema!"

E a lágrima deleste, ingénua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu, e quedou silenciosa.

***
Couraçado de ferro, épico e deslumbrante,
Passa no seu ginete um cavaleiro andante.

E o cavaleiro diz à lágrima irisada:
"Vem brilhar, por Jesus, na cruz da minha espada!

"Far-te hei relampejar, de vitória em vitória,
Na Terra Santa, à luz da Fé, ao sol da Glória!

"E à volta há-de guardar-te a minha noiva, ó astro,
Em seu colo auroreal de rosa e de alabastro.

"E assim alumiarás com teu vivo esplendor
Mil combates de heróis e mil sonhos d'amor!"

E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu e quedou silenciosa.

***
Montado numa mula escura, de caminho,
Passa um velho judeu, avarento e mesquinho.

Mulas de carga atrás levavam-lhe o tesoiro:
Grandes arcas de cedro, abarrotadas d'oiro.

E o velhinho andrajoso e magro como um junco,
O crânio calvo, o olhar febril, o bico adunco,

Vendo a estrêla, exclamou: "Oh Deus, que maravilha!
Como ela resplandece, e tremeluz, e brilha!

"Com meu oiro em montão podiam-se comprar
Os impérios dos reis e os navios do mar,

"E por esse diamante esplêndido trocara
Todo o meu oiro imenso a minha mão avara!"

E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu, e quedou silenciosa.

***
Debaixo da figueira, então, um cardo agreste,
Já ressequido, disse à lágrima celeste:

"A terra onde o lilaz e a balsamina medra
Para mim teve sempre um coração de pedra.

"Se a queixar-me, ergo ao céu os braços por acaso,
O céu manda-me em paga o fogo em que me abraso.

"Nunca junto de mim, ulcerado de espinhos,
Ouvi trinar, gorgear a música dos ninhos.

"Nunca junto de mim ranchos de namoradas
Debandaram, cantando, em noites estreladas...

"Voa a ave no azul e passa longe o amor,
Porque ai! Nunca dei sombra e nunca tive flor!...

"Ó lágrima de Deus, ó astro, ó gota d'água,
Cai na desolação desta infinita mágoa!"

E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Tremeu, tremeu, tremeu... e caíu silenciosa!...

***
E algum tempo depois o triste cardo exangue,
Reverdecendo, dava uma flor côr de sangue,

Dum roxo macerado, e dorido, e desfeito,
Como as chagas que tem Nosso Senhor no peito...

E ao cálix virginal da pobre flor vermelha
Ia buscar, zumbindo, o mel doirado a abelha!...

« será possível do Olimpo, não se desejar mais que uma lágrima? ;) »