Em Outubro de 2002, a Assembleia da República aprovou por unanimidade um voto de protesto pela condenação à morte, por lapidação, da cidadã nigeriana Amina Lawah. Presumo que estejam lembrados que Amina foi condenada por ter tido um filho fora do casamento. Uma onda de indignação percorreu o mundo e foi objecto de atenção por parte da comunicação social, talk shows, caso da “Oprah” e de parlamentos como o nosso. Uma decisão tomada ao abrigo da Sharia e que constitui uma afronta à dignidade e aos direitos das mulheres.
A violência entre os seres humanos é uma constante. No tocante às mulheres os relatos de violência são cada vez mais frequentes, facto que nos leva a questionar se estaremos a fazer o suficiente para prevenir e impedir tamanhas atrocidades. A divulgação dos casos é importante, porque ajuda a uma maior consciencialização do problema, pressionando as entidades e autores de forma a adoptarem comportamentos menos bárbaros e mais condicentes com os direitos humanos.
Gostava de saber a razão ou razões, por que é que casos como a de Amina são objecto de debate e discussão ao mais alto nível - e ainda bem -, enquanto outros são praticamente “esquecidos”. Uma questão de “apetite”? Um fenómeno de mimetização? Por motivos ou interesses políticos? Por mera distracção? Não sei. O que eu sei é que a comunicação social deu grande ênfase à renúncia do presidente do Paquistão, e à ascensão do “viúvo”, esquecendo que cinco jovens mulheres foram enterradas ainda vivas, depois de terem sido vítimas de agressões, ao desafiarem os chefes tribais, recorrendo ao tribunal civil para legitimar os respectivos maridos de acordo com as suas escolhas pessoais. Um membro do parlamento paquistanês, Israr Ullah Zehri, extremista radical, é um defensor das práticas tribais, depositárias de “tradições centenárias”, necessárias para impedir que as mulheres possam escolher livremente os seus maridos! “Uma obscenidade”! Segundo a besta.
Fico surpreendido por que é que a comunidade internacional, e já agora a nacional, não dão atenção a este problema. Há necessidade de acabar com a violência contra as mulheres e as crianças baseadas em “tradições centenárias”. Para o efeito é indispensável uma acesa discussão.
A violência domestica, a violência contra as crianças e a violência contra os velhos têm sido objecto de medidas e de debate entre nós, a diferentes níveis. Não descurando estes problemas, urge que se tomem medidas contra as manifestações do género verificado no Paquistão. Para o efeito, os políticos, e os responsáveis de diferentes áreas e actividades, deveriam exprimir não só o seu repúdio mas pressionar as autoridades desses países assim como denunciar a atitude vergonhosa dos que praticam e defendem práticas bárbaras e, até, utilizar medidas de pressão.
Agora que vai iniciar-se mais uma sessão legislativa seria interessante que os senhores deputados da Assembleia da República tomassem uma posição pública sobre esta matéria, dando não só visibilidade a este crime, mas, também, denunciando a barbárie que continua a imperar por aí.
A violência entre os seres humanos é uma constante. No tocante às mulheres os relatos de violência são cada vez mais frequentes, facto que nos leva a questionar se estaremos a fazer o suficiente para prevenir e impedir tamanhas atrocidades. A divulgação dos casos é importante, porque ajuda a uma maior consciencialização do problema, pressionando as entidades e autores de forma a adoptarem comportamentos menos bárbaros e mais condicentes com os direitos humanos.
Gostava de saber a razão ou razões, por que é que casos como a de Amina são objecto de debate e discussão ao mais alto nível - e ainda bem -, enquanto outros são praticamente “esquecidos”. Uma questão de “apetite”? Um fenómeno de mimetização? Por motivos ou interesses políticos? Por mera distracção? Não sei. O que eu sei é que a comunicação social deu grande ênfase à renúncia do presidente do Paquistão, e à ascensão do “viúvo”, esquecendo que cinco jovens mulheres foram enterradas ainda vivas, depois de terem sido vítimas de agressões, ao desafiarem os chefes tribais, recorrendo ao tribunal civil para legitimar os respectivos maridos de acordo com as suas escolhas pessoais. Um membro do parlamento paquistanês, Israr Ullah Zehri, extremista radical, é um defensor das práticas tribais, depositárias de “tradições centenárias”, necessárias para impedir que as mulheres possam escolher livremente os seus maridos! “Uma obscenidade”! Segundo a besta.
Fico surpreendido por que é que a comunidade internacional, e já agora a nacional, não dão atenção a este problema. Há necessidade de acabar com a violência contra as mulheres e as crianças baseadas em “tradições centenárias”. Para o efeito é indispensável uma acesa discussão.
A violência domestica, a violência contra as crianças e a violência contra os velhos têm sido objecto de medidas e de debate entre nós, a diferentes níveis. Não descurando estes problemas, urge que se tomem medidas contra as manifestações do género verificado no Paquistão. Para o efeito, os políticos, e os responsáveis de diferentes áreas e actividades, deveriam exprimir não só o seu repúdio mas pressionar as autoridades desses países assim como denunciar a atitude vergonhosa dos que praticam e defendem práticas bárbaras e, até, utilizar medidas de pressão.
Agora que vai iniciar-se mais uma sessão legislativa seria interessante que os senhores deputados da Assembleia da República tomassem uma posição pública sobre esta matéria, dando não só visibilidade a este crime, mas, também, denunciando a barbárie que continua a imperar por aí.
15 comentários:
Caro Professor, ainda que concorde totalmente consigo no que toca ao bárbaro das práticas descritas, deixo uma pergunta: qual a viabilidade de alterar pontos específicos duma cultura sem correr o risco dela colapsar totalmente por perda dos seus pontos de referência abruptamente? Lembre-se que os islâmicos estão, neste momento, no século XV da sua era, mais precisamente no ano de 1429. O que fazíamos nós, na Europa, nessa altura? A prática por si descrita, bem como muitas outras, lá está, adequam-se ao estágio social em que a sua cultura está.
Há pequenos sinais de estarem receptivos a mudanças mas lentas, muito lentas. Dou-lhe um exemplo, da Arábia Saudita, hoje em dia o país com a linha islâmica mais dura. Até há uns anos, 3-4, a pena de morte por apedrejamento era aplicada da forma tradicional, ou seja, os condenados enterrados até aos ombros no centro dum terreiro. Em volta desse terreiro eram dispostos cestos com pedras e era o povo que as arremessava aos condenados. Imagine o horror que isto era. Eu nunca vi, nunca tive coragem para isso, jamais, mesmo. Conheço, porém, dois belgas que estavam lá na mesma altura duma das vezes em que por lá andei que tiveram curiosidade e foram ver. Quando voltaram ao hotel tiveram que ser mandados urgentemente de regresso à Europa e substituídos porque ficaram totalmente incapacitados para desempenhar o trabalho que lá estavam a fazer. Por aqui penso que se consegue imaginar o horror, a brutalidade da coisa. Ora bem, há uns 3-4 anos, as autoridades sauditas fizeram uma inovação na morte por apedrejamento. Essa inovação consiste em que os condenados não são, já, mortos pelo povo, mas sim pela queda dum muro que lhes é derrubado em cima. Bárbaro? Sem dúvida. Brutal? O mais possivel. Eu assistiria? De todo, não. Mas reconheço uma virtude no processo. Ter-se passado duma morte lenta, dolorosissima, terrivel, para um método que propicia uma morte muito mais rápida e sem sofrimento revela, precisamente, uma evolução na mentalidade local no que toca à questão dos direitos humanos. Mudanças semelhantes têm vindo a ocorrer um pouco por todo o mundo islâmico, estando umas regiões mais avançadas, outras menos.
Eles evoluirão. Mas ao seu ritmo e por si, como é, como simplesmente todas as sociedades da história evoluiram. E, diz-nos a experiência, tentar forçar a mudança cultural dá, invariavelmente asneira pelas rejeições que trás. E as rejeições culturais levam normalmente a situações de extrema violência. É por isto que, normalmente, não sou assim tão ligeiro em intrometer-me em questões culturais, por mais bizarras, atrozes, tenebrosas, cavernícolas até, que me possam parecer e, mais, tenho muito medo dos resultados dessas acções. Sei que são muito bem-intencionadas mas ao tentar agir-se abruptamente apenas num ponto específico dum edificio cultural podem ocorrer efeitos muito inesperados.
Os critérios jornalísticos são insondáveis. Essa bárbara atitude de enterrar ainda vivas as cinco mulheres teve algum eco, mas logo foi esquecida.
Totalmente ao contrário do Zuricher, penso que as práticas selvagens devem e têm que ser abolidas de forma drástica. Atartuk deu um exemplo neste caso e os "costumes" e tradições na Turquia, embora ainda com enormes aberrações, sobretudo no interior, não são nada do que eram no passado.
Não há tradição que se possa sobrepor aos mais primários direitos humanos. O que o Professor relata, e também o Zuricher, é uma vergonha para todos nós.
Compreendo as diferenças culturais, como é evidente. No entanto o tal processo de "evolução" que Zuricher nos fala pode e deve ser acelerado. Um das formas é a denúncia e através de esclarecimentos e campanhas internacionais. Quanto à comparação com o Ocidente cristão de há alguns séculos, parece-me que não pode ser feita. No Ocidente quando se cometiam crimes equiparáveis não havia culturas mais evoluídas, não havia termos de comparação. Além do mais, estou perfeitamente convicto que muitos cidadãos daquelas bandas deverão ficar tão horrorizados quanto nós pelas práticas bárbaras cometidas pelos extremistas culturais e estão desejosos de mudar o curso dos acontecimentos nos seus povos e culturas. Esperam que os cidadãos que são cultores do humanismo e que defendem intransigentemente os direitos de qualquer ser humano os ajude a combater a “perversão cultural” ainda reinante. É uma obrigação nossa. Pelo menos sinto-a. O relato que fez na sua nota é impressionante, chocou-me, e só reforça a necessidade de mudar o mais rapidamente possível. Num mundo globalizado, não será possível globalizar de vez o respeito pelos direitos e dignidade dos cidadãos?
Quanto à comunicação social, bom, nem quero falar. É mais fácil conhecer e compreender os desígnios de Deus...
Seria fantástico, se tudo nestwe mundo se reduzisse a um valor elevado do "está certo, ou está errado".
A "espiga" toda é que Deus "equipou" a raça humana com um "petit chip", que lhe permite em determinadas condições, reivindicar o direito do livre arbítrio.
Ah, mas a "coisa" seria exageradamente simples, se nos ficassemos por esta banalidade.
Na, na, na. O livre arbítrio tem um poder que ultrapassa toda a nossa capacidade de avaliação.
Por exemplo, quem de nós desconhece que o nosso corpo físico assenta sobre uma estructura a que vulgarmente se chama esqueleto?
Pois é todos sabemos que assim é, porém, o pessoal da nossa geração lembra-se concertasa dos esqueletos que vigiavam as salas de aula na instrucção primária, que causavam o arrepio na classe.
Ah mas nesse tempo éramos crianças e ainda não dominávamos determinadas emoções...
E hoje? já dominamos?
Ainda ha pouco tempo em conversa com uma médica que conheço, ela admitia que aquilo que lhe custa mais quando está de banco, é receber acidentados, sobretuda se chagam com os orgãos internos à vista.
Pois é... se aquilo que constitui o nosso interior físico nos causa desconforto à vista, apesar de não desconhecermos a sua existência, morfologia e funcionamento, de que modo poderemos equacionar a relação entre matéria e espírito.
Tenho de me socorrer neste racíocínio daquela imágem histórica da dobragem do cabo das tormentas. Durante várias dezenas de anos as navegações para oriente estiveram condicionadas à lenda do adamastor, aquele gigante tenebroso que engolia as náus de todos os que ousavam afrontá-lo.
Afinal a constelação era composta por um grupo de penhascos abrúptos, um mar revoltoso e uma meteorologia constantemente tempestuosa.
A grande revelação aconteceu quando o navegador Bartolomeu Dias (Juro que não pretendo a auto-apologia), desafiando a lenda, penetrou a tempestade e a ultrapassou, no regresso das terras do rei católico Prestes João.
Não sei se os meus amigos alguma vez se interrogaram sobre a origem deste rei... adiante. Hirónicamente Bartolomeu Dias veio a falecer anos mais tarde quando a sua nau se afundou precisamente no cabo que passou a chamar-se da boa esperança, após o navegador o ter domado.
E esta hem, caro Zuricher?
Afinal a "coisa" por vezes adquire contornos insuspeitáveis.
;)))
Caro Pinho Cardão, permita-me duas notinhas. Primeiro, o caso da Turquia. Repare que nem Ataturk nem os anos baniram as questões de honra contra as mulheres. Durante muitos anos mantiveram-se dentro da esfera familiar e nenhum pai ou irmão era punido por matar uma filha ou irmã por uma questão destas. Hoje em dia, em teoria são-no, na prática não, dado ser uma bagatela penal. Segundo, os direitos humanos. Esse é o cerne da questão. É que os árabes também falam em direitos humanos. O conceito de direitos humanos é que é diferente para nós e para eles. A este propósito transcrevo-lhe o artigo relevante da constituição saudita sobre o tema:
"
Article 26 [Human Rights]
The state protects human rights in accordance with the Islamic Shari'ah.
"
Ou seja, eles também têm o seu conceito de direitos humanos. É, é substancialmente diferente do nosso conceito ocidental e 100% subordinado ao Corão e, em particular, a uma sua parte, a Sharia.
Ainda no particular da Turquia, tente sentir o pulsar da população e a vontade que expressou nas ultimas eleições ao escolher um candidato integrista islâmico. A esta escolha não são, de todo, alheias as pressões internacionais no sentido duma modernização mais rápida da Turquia... que, os nativos rejeitam, recusam, e expressaram esse sentir com o seu voto num partido islâmico que sentem e vêem como uma defesa contra as ofensivas daquilo que eles vêm como sociedades decadentes, que vivem na perversão. Algo muito semelhante a um bordel à escala duma civilização.
Professor, pego agora num trecho do seu comentário: "Além do mais, estou perfeitamente convicto que muitos cidadãos daquelas bandas deverão ficar tão horrorizados quanto nós pelas práticas bárbaras cometidas pelos extremistas culturais e estão desejosos de mudar o curso dos acontecimentos nos seus povos e culturas. Esperam que os cidadãos que são cultores do humanismo e que defendem intransigentemente os direitos de qualquer ser humano os ajude a combater a “perversão cultural” ainda reinante.".
Sabe, ficaria admirado se visse e sentisse o quão poucos são, se é que existem, aliás. Nunca conheci nenhum, e aqui englobo desde gente comum às classes mais elevadas. O caso que melhor conheço é o saudita por ligações várias profissionais que me levaram a querer conhecer mais a fundo o reino, a sua organização, as suas gentes, a sua evolução, a sua forma de viver e, por arrasto, a cultura islâmica em geral. Estas questões contam com grandes resistências por parte do povo em geral, até. A familia real saudita, aliás, tem tentado abrir certos aspectos do regime e conta com a indiferença e até mesmo a recusa aberta a essa mudança por parte da população. Um dos melhores exemplos disso foi uma tentativa para uma certa democratização das autoridades locais, com uma percentagem de lugares dos órgãos de governo regionais eleitos pela população. Primeiro, durante o recenseamento, muitos potenciais eleitores nem se recensearam, alhearam-se do assunto. Depois, na votação, muitos dos que podiam votar, abstiveram-se, não ligaram. Estamos a falar de populações extremamente conservadoras, muito, muito religiosas, que não concebem a divisão estado/religião, até porque não concebem a vida sem o islão, é algo impossivel, aberrante para eles. A existência do ser humano, duma comunidade, duma cidade, dum país, como algo independente da religião é, para eles, uma impossibilidade física, simplesmente. Muito do caminho tem passado por importar alguma modernidade ocidental mas com as necessárias adaptações aos principios e valores do islão.
Note, ainda, que não estamos a falar de populações incultas, iletradas e que não conhecem mais do que aquele meio onde vivem. De todo em todo! Os sauditas são, em geral, um povo culto, que conhece o ocidente, não apenas de viajarem para a Europa e Estados Unidos mas porque realmente têm televisão por cabo e satélite, internet, etc, etc. Qualquer saudita tem estas coisas e conhece o ocidente. Simplesmente tomam a decisão informada de não aceitarem.
Há uns anos, talvez em 2003, numa conversa com uma pessoa com alguma relevância no reino Saudita, durante um almoço descontraído, falámos precisamente sobre a evolução dos regimes islâmicos e em particular do regime saudita. O que tinha evoluído nas últimas décadas e a evolução que poderão ter. A tese deste senhor, e que, aliás, eu perfilho, é que as sociedades islâmicas continuarão a evoluir. Não será é no mesmo sentido das sociedades ocidentais. Há pilares islâmicos que se manterão sempre.
Um outro exemplo, o Irão. Ande o meu caro amigo uns anos para trás e lembre-se dum dos motivos, quem sabe, mesmo, o mais importante, pelo qual a população, o cidadão comum, tinha ódio ao Xá Reza Pahlavi. Era precisamente a abertura dos costumes. A população iraniana simplesmente recusava essa abertura que viam, e ainda hoje vêm, como um deboche, uma libertinagem inconcebivel numa sociedade estruturada. E, por isso, acolheram de braços abertos o regime duro, tradicionalista, religioso, do Ayatollah Khomeini. Mesmo agora, recentemente, tivemos essa prova aquando das últimas eleições em que o povo escolheu Ahmadinejad em deterimento de dar um terceiro mandato ao presidente anterior, Mohammad Khatami, um reformista que vinha abrindo o regime iraniano, tanto internamente como ao exterior. A população simplesmente recusou esta abertura e, em eleições livres - isto não ponho em causa, sequer - escolheu um duro islâmico.
Sobre as evoluções, atente-se em vários outros países da região. Em muitos deles as formas tradicionais de execução - apedrejamento, empalamento e degolamento - foram abolidas e hoje em dia usa-se a forca. Fizeram-no no seu tempo, com os seus ritmos. Sinceramente, caro professor, não acredito na viabilidade da imposição da modernidade à força, até porque, aliás, temos inúmeros exemplo dos problemas graves que isso tem gerado, mormente em África. As populações, simplesmente, rejeitam-na. E, neste particular das mulheres, estamos a falar dum pilar da sociedade islâmica: o papel do homem e o papel da mulher dentro da sociedade.
Caro Bartolomeu, sinceramente, não vejo que a analogia que tentou fazer seja aplicavel. Estariamos a comparar mitos com culturas. O imaginário com o real. Não me parece viavel.
A terminar: estou muito habituado a que os conceitos que deixei acima não sejam entendidos pelos ocidentais em geral. E, mais, estou muito habituado a que não consigam conceber populações razoavelmente cultas e esclarecidas que, mais do que tolerar, aceitam e nem sequer querem ver mudadas as formas de vida que têm. Simplesmente, são culturas, vivências, totalmente diferentes e é preciso ir, conhecer, ver, sentir, para entender como as coisas são, porque são assim e porque é que é preciso que a evolução se faça lentamente. Há dias a blogger Suzana Toscano colocou um post muito correcto, sobre a velocidade da mudança e o dificil que se torna acompanha-la. E nós, ocidentais, com uma certa habituação e tolerância ao novo, ao diferente, sentimos essas coisas. Imagine-se agora o que sentirão populações totalmente avessas à mudança, que até conhecem o sitio para onde se tenta muda-las e o recusam, perante mudanças rápidas.
Uma última nota que me esqueci de colocar no post anterior mas penso ser importante para clarificar a minha posição sobre o tema.
Muito embora entenda, aceite e defenda - tema até os resultados de ser feito - a não intromissão dos ocidentais nas questões culturais doutros povos e culturas, tudo o que disse acima é válido, apenas quando limitado ao espaço geográfico onde estas culturas existem. Uma coisa é ter esta posição quanto ao que se passa nos países islâmicos. Outra coisa totalmente diferente seria aceitar estes comportamentos que reputo de bárbaros, no ocidente, como, aliás, acontece até no Reino Unido.
No seu espaço geográfico, sigam a sua cultura. No nosso espaço geográfico, seguem a nossa, respeitam-na e vivem dentro dos nossos conceitos ou então, lamento muito, mas porta da rua é serventia da casa.
Caro Zuricher
Já reparei que tem um profundo conhecimento das culturas árabe e islamita. Mas será que as mulheres muçulmanas, por exemplo, querem continuar a ser sujeitas a práticas de mutilação genital? Faz parte da “barbárie”. É dada possibilidade às mulheres muçulmanas de se emanciparem? E elas aceitam a situação de total submissão ?! Hum! Tenho dúvidas que muitas mulheres árabes vão nessa cantiga! Será que as mulheres árabes desejam continuar a ser discriminadas e violentadas, mesmo que respeitem a sua religião? Hum! Não creio. Também tenho muitas dúvidas acerca do hipotético “darwinismo muçulmano” que justifique uma evolução própria. A conversa que teve com o saudita levanta uma hipótese que nunca tinha equacionado; a de que em breve poderemos ter, efectivamente, duas “espécies humanas”, ainda mais díspares do que as que separou os neerdentais e os sapiens. Não esquecer que este planeta já provou que não tem lugar para duas espécies humanas! Sendo assim, ou “nós” ou “eles”!Já agora, quando tiver oportunidade, gostava que nos desse o seu testemunho de conversas tidas com as mulheres muçulmanas, porque as dos homens são mais do que evidentes, a começar pelas atitude bárbaras aos olhos de um ocidental.
E que tal uma miscigenação cultural e religiosa? Sempre poderia originar algo de novo e quem sabe muito melhor...
Professor, permita-me uma correcção. A mutilação genital feminina não é um principio islâmico, mas sim animista. É praticada em vários países africanos - não todos islâmicos, sequer (Etiópia ou Gana por exemplo) -, em tribos da América Latina, na Índia não muçulmana e nalguns outros pontos por aí. No Médio Oriente sei que apenas é praticada - e é se ainda for porque há muito que não tenho noticias dessa prática nestes países - por certas tribos do sultanato de Omã e em regiões remotas do Yemen. Não é, portanto, uma prática ou um principio cultural islâmico, de todo em todo. Tem raízes noutras crenças que não esta. Compreendo, porém, a associação dado que a religião islâmica, embora não perfilhe nem pregue por si só esta prática, aceita a sua existência, mormente em certos países africanos onde o islamismo e o animismo convivem num híbrido das duas coisas particularmente estranho mas que funciona.
Posso, porém, falar-lhe da perspectiva das mulheres islâmicas no que toca a outras restrições. Por exemplo, restrições de vestuário, proibição de andar na rua sem a companhia dum homem ou existencia de salas para familias e salas para homens sós nos espaços publicos. Tenho encontrado várias posições quanto a este particular e a posição das mulheres varia muito. Note, todavia, que raras oportunidades tive de falar com mulheres sauditas e o que sei do assunto vem de vias indirectas, de falar com várias na Europa - não perco uma oportunidade para o fazer! - e de ler textos em locais diversos sobre o tema.
Se for a Marrocos, por exemplo, há uma maior liberalidade de costumes do que na Arábia Saudita, o que aliás é meramente a expressão dos diferentes estágios de desenvolvimento social existentes dentro dum mundo com 1300 milhões de crentes. As mulheres sauditas em geral, por exemplo, não vêm as restrições que lhes são impostas como algo mau, de todo em todo. Vêm, aliás, como uma forma de respeito e protecção da mulher. Por debaixo das abayas que são obrigadas a usar na rua, as mulheres sauditas têm vestidos fatos dos melhores costureiros. Em Jeddah, Riyadh ou Damman, encontra facilmente lojas das maiores griffes europeias. Simplesmente, esses fatos bonitos não são para serem vistos por qualquer um mas apenas pelo marido. É uma mera questão de respeito, simplesmente. Vêm o não poderem sair à rua sem a companhia dum homem como uma garantia de que farão os seus afazeres sem o mais leve e pequeno incómodo. Claro que quando entram numa loja reservada a mulheres os acompanhantes masculinos ficam do lado de fora da porta também, evidentemente. Há imensas restrições à vida duma mulher na Arábia Saudita e em várias outras sociedades islâmicas. Elas não as sentem como uma restrição assim tão forte, porém, mas sim como expressões de respeito e protecção.
Se for para Marrocos, por exemplo, por iniciativa do actual rei foi criada uma comissão para aumentar a participação das mulheres na vida pública e a sua emancipação. Esta comissão tem tido receptividades mistas pelas próprias mulheres e ja tenho lido em jornais locais mulheres extremamente críticas da liberalização total que esta abertura trás, outras mais favoraveis mas impondo sempre um certo limite. Numa parte da nova geração - mas que não pode ser generalizada -, as mulheres que estão hoje em dia numa faixa etária até cerca dos 40 anos, aceitam bem o facto de trabalharem, poderem vestir o que quiserem. Acima disso há resistências e rejeições fortissimas. Na Arabia Saudita não há este tipo de movimento de abertura por parte das mulheres, de todo em todo.
E isto, facilmente se comprova num olhar desatento. Repare a quantidade de mulheres islâmicas, mesmo novas, tanto no ocidente como até mesmo em países islâmicos moderados - Marrocos, Turquia, Egipto, etc, etc - usam o véu quando nada as obrigaria a usa-lo. O uso do véu é apenas o sinal mais visivel da aderência às práticas islâmicas por aquilo que elas representam e, por baixo da superfície, há muitas outras que as mulheres mantêm.
Indo agora a outro ponto a que alude, o "nós ou eles". É inevitavel que suceda um confronto. Sempre o previ - escrevo isto desde algures 2001/2 - para algures enre 2012 e 2015. Nos últimos meses começo a achar que pequei por optimismo e esse confronto ocorrerá mais cedo do que se julga. Há mais motivos além das meras questões culturais mas estas - sobretudo as questões de proselitismo da corrente xiita do islão - têm uma tremenda importância no desencadear dum futuro confronto.
Caro Professor Massano Cardoso
O total desrespeito pela dignidade humana, pela vida humana e pelos mais elementares direitos humanos praticado por muitos desses países deveria ser algo todos os dias denunciado e sujeito a censura da opinião pública mundial. Para além de outras formas de pressão que correm o seu percurso - nos campos político e diplomático - os órgãos de comunicação social prestariam um grande serviço à Humanidade se divulgassem as barbáries cometidas. Tolerância zero é a única via!
Subscrevo por inteiro o comentário da Dra. Margarida Aguiar.
Por mais explicações que se deiam acerca da forma como as mulheres são tratadas nesses países, para mim, é escravatura do mesmo ser sobre o seu semelhante.
Elas aceitam essa situação da mesma forma que os escravos aceitavam ser escravos...já nasciam nessa condição!
Cara Margarida, uma perguntinha capciosa. Essa denuncia jornalística a que alude era um bom serviço para quem?
Para os ocidentais que se acham superiores a tudo e todos, que tiveram durante os anos 90 o péssimo hábito de querer impôr os seus modelos sem cuidar de ver se seriam aplicaveis às culturas onde os pretenderam implantar, com os péssimos resultados que se conhecem, ou para as mulheres - para já não dizer para todo um edificio cultural e social - locais que aceitam, encaram com naturalidade e nem sequer querem que as coisas mudem?
Caro Zuricher
A sua pergunta tem uma resposta fácil. As denúncias jornalísticas e a abolição de barbáries prestam serviço à Humanidade, que somos todos nós, os que não vivemos debaixo desses horrores e todos aqueles que deles são vítimas directa ou indirectamente.
O mundo é feito de uma multiplicidade de culturas civilizacionais. É uma enorme riqueza, um património da Humanidade que devemos preservar.
Condenações à morte por apedrejamento e por outras formas que me abstenho de referir, julgamentos sumários, só para citar alguns exemplos, não são admissíveis seja qual for a cultura. Uma cultura ou tradição não desaparecem porque é abolido o apedrejamento até à morte!
Recordo, por exemplo, que foi imposta à Turquia como condição, entre outras, para a sua integração na União Europeia - decisão muito discutível - o respeito pelos direitos humanos.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem constitui também um avanço civilizacional de enorme alcance. Não é uma mera citação de intenções. Todos os países que a subscreveram têm o dever de a defender.
Caro Zuricher,
Denoto no seu discurso mais uma vontade de apontar o dedo a contrdições morais ocidentais do que em apontar o dedo a tiranias sob a capa "especificidades culturais". Faz lembrar todos aqueles estalinistas que eram muito comunistas e muito pró União Soviética mas que viviam todos aqui, no ocidente....
Perdoe-me a franqueza, mas nestas coisas ou há uma condenação convicta, se for preciso com total desrespeito por tradições culturais desses povos, ou fica tudo na mesma.
cmonteiro, está redondissimamente enganado. Não é esse o meu propósito, em absoluto.
A questão é totalmente outra e já muito antiga. É de há muitos anos a esta parte vir assistindo ao ocidente, que não entende sequer as culturas islâmicas ou africanas, meter o bedelho em coisas que não entende, não conhece minimamente e nem quer conhecer sequer. Acha-se que os seres humanos são todos iguais, pensam todos da mesma maneira, sentem todos da mesma maneira, têm todos os mesmos ideais. Depois, claro, essas intromissões dão asneiras totais, com violências sérias, guerras civis, persistencia dos mesmos comportamentos mas agora de forma anarquica e sem controlo do estado. Violências essas que deixam morto um número de pessoas que dava para compensar décadas e décadas de condenações à morte por apedrejamento. Sempre assisti a isso em África, e no Médio Oriente só não se faz o mesmo porque os árabes não são doceis como os africanos em geral e não se deixam manipular da mesma forma. Até porque, claro, têm outro tipo de armas diplomáticas e económicas. É muito natural que estas violências, rejeições, guerras civis até, aconteçam quando o ocidente - imbuido da melhor das intenções, não o nego - tenta mudar pontos específicos de certas culturas. O grande problema é que os ideólogos e os defensores dessa moral focam-se em pontos específicos e não entendiam - já vão começando a entender o erro, tanto que as ingerências começam a ser cada vez menos - que não se pode supôr que, num castelo de cartas, ao tirar uma carta, todas as restantes se manterão de pé.
Acho muito bonito falarem em direitos humanos, como a Margarida Corrêa de Aguiar fez no comentário anterior. Mas eles também falam em direitos humanos, conforme, aliás, transcrevi o artigo relevante da constituição saudita e existe semelhante em várias outras pelo mundo islâmico fora. O conceito de direitos humanos deles, porém, é totalmente diferente do nosso. Qual está certo? O cmonteiro e vários outros dirão que é o nosso. Eles dizem que o conceito deles é o certo. Porque é que eles estão errados e nós certos? É que os islâmicos dizem exactamente o mesmo. Acham que eles é que estão certos e nós errados. Eu, simplesmente, não faço esse tipo de julgamentos de valor. São locais, culturas, histórias, mentalidades diferentes, daí que não se possa aplicar um rótulo de certo e errado assim, tout-court. Entendo os motivos pelos quais os conceitos são diferentes e que advêm de estágios culturais e sociais diferentes. Permito-lhes evoluir, ao seu ritmo, no seu tempo, conquanto seja dentro do seu espaço geográfico, como o ocidente evoluiu. E isto porque sei, tenho-o visto, que são mudanças impossiveis de forçar dado estarem incluídas num encadeado cultural onde não se pode mudar uma coisa específica e esperar que tudo o resto se mantenha. Mudam, sim, com o rolar dos anos, como têm mudado. Querer forçar e fazer tudo à força leva exactamente ao contrário que é o estado abster-se de se intrometer nessas coisas - sim, porque os servidores do estado também são pessoas e podem optar em massa como na Turquia que o Pinho Cardão aqui nos trouxe por olhar para o lado - e elas serem entregues ao povo. E aí passam a ser tratadas anarquicamente, sem qualquer controlo. Ou seja, alcança-se o exacto oposto do pretendido. Mas, claro, o ocidente fica muito contente. Afinal, alcançou uma vitória importantissima: o país aboliu do seu ordenamento jurídico a pena tal e tal. Continuar a fazer-se mas de forma não regulamentada é algo que convenientemente se ignora. Tal como na Turquia actual em que a população escolheu para o governo um partido islamita e a Europa assobia para o lado e abstem-se de reflectir sobre os motivos de tal ter acontecido.
Direitos humanos? Pois sim, claro. É só mais um chavão à conta do qual já morreram milhões. Mas esses milhões que morreram não contam, claro. O que conta é que o ocidente conseguiu fazer vingar os seus ideais e os direitos humanos são respeitados no papel ainda que não na realidade.
Direitos humanos, cmonteiro? Quero lá saber dessa frase feita para alguma coisa. A vida humana é, para mim, demasiado valiosa para me focar apenas num assunto específico e ignorar as consequências de tentar mudar questões de imensa relevância numa cultura. Interessa-me o que funciona e permite defender e proteger o maior número de vidas possivel durante o maior espaço de tempo possivel. Chavões, ideologias, principios morais ou outros, teorias, sinceramente isso não me interessa para nada. Já que falou em União Sovietica, olhe, já bem bastou essa ideologia assassina que por mero acaso também pretendia que os seres humanos eram todos iguais, sentiam as coisas da mesma maneira e as poucas ovelhas negras do rebanho, depois de reeducadas, passavam a ser como as outras.
Repare, cmonteiro, eu condeno esta barbarié de se matarem pessoas à pedrada. Jamais assistira a algo remotamente similar e nem conseguia. Aliás, devo dizer-lhe que, há uns anos, por duas vezes tentei ver um filme duma morte por empalamento e simplesmente não consegui. Ao fim dum momento simplesmente era superior a mim e desligava, não consigo, simplesmente. Agora, não é essa reacção visceral e emocional que me faz deixar de entender porque é que é assim, quais as suas origens, quais os propositos que visa defender, qual o seu lugar na cultura específica onde está inserido e quais os efeitos de se abolir da noite para o dia.
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