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terça-feira, 4 de novembro de 2008

Quando um azar não vem sozinho...


A revista Visão publicou na edição da semana passada uma reportagem com o título “Sobreviver a um AVC” que aborda, entre outros aspectos, a doença - os factores de risco, os sintomas, as consequências físicas, os impactos sociais para as vítimas e as suas famílias – a capacidade de resposta dos serviços de saúde e as dificuldades da recuperação que enfrentam as vítimas de AVC.
Li com interesse a reportagem, pois os casos de AVC vão sendo comuns e muitas vezes estamos mal informados sobre as causas – a tensão alta, a gordura no sangue e o hábito de fumar - e como as devemos efectivamente combater.
Prendeu-me a atenção na reportagem os problemas e as dificuldades dos nossos cuidados de saúde na reabilitação de vítimas de AVC, actividade médica que se revela fundamental para diminuir o risco de um novo AVC e reduzir o grau de dependência ou o grau de incapacidade pós AVC.
Os acidentes vasculares cerebrais atingem entre nós 20 mil pessoas por ano. Em Portugal morre-se mais de AVC do que em geral nos outros países europeus. Os números são impressionantes. Para se ter uma ideia, em Portugal a mortalidade é quatro vezes superior à da Alemanha. Este resultado não se deve aos doentes que morrem ao fim do primeiro mês, período considerado crítico. O problema vem depois com a reabilitação porque as opções de reabilitação são poucas e funcionam mal. Segundo o testemunho de um médico citado “Não há para onde enviar os doentes que chegam a ficar 40 dias internados, quando uma semana depois já podiam estar na reabilitação”.
A somar à falta de cuidados de reabilitação, que coloca muitos doentes em fila de espera e alguns deles que nunca chegam a deles beneficiar, está a revelação de uma médica que declara “Tenho vários doentes com segundos acidentes porque não tinham dinheiro para os medicamentos”.
Esta realidade, muito dura, que tantas vezes nos está distante e que nos esquecemos que existe, que envolve milhares de portugueses, deveria ser relatada mais vezes no sentido de contribuir para uma maior consciência colectiva sobre a necessidade de investirmos mais nos serviços de reabilitação e de influenciar o decisor político a colocar prioridade e urgência na resolução destes problemas.
Sabemos, aliás, que o défice de resposta na reabilitação não se confina apenas a vítimas de acidentes vasculares cerebrais, mas é tanto ou mais nítido no domínio da reabilitação e recuperação de vítimas de acidentes rodoviários e de acidentes de trabalho.
A amostra da realidade tratada na reportagem é bem demonstrativa dos ainda importantes atrasos que se verificam em domínios fundamentais da vida, que fazem toda a diferença para podermos aspirar a ser um país desenvolvido. É uma vergonha que ainda tenhamos portugueses que por falta de dinheiro não tenham acesso à saúde e a sua vida seja, por falta de resposta médica, irremediavelmente interrompida. Infelizmente, ainda são muitos…

4 comentários:

Massano Cardoso disse...

Cara Margarida
São muitas as causas que explicam este fenómeno em Portugal. Mas há alguns aspectos que queria focar aqui: são os mais pobres os que sofrem de AVC; são os que têm menos habilitações culturais e os grupos populacionais mais indiferenciados os que mais sofrem. Depois dos AVCs constituídos, são, também, os que têm mais dificuldades na reabilitação. Em termos de controlo de factores de risco, que estão na génese de tão grave fenómeno, é preciso cultura, é preciso adesão, é preciso dinheiro para comprar medicamentos, é preciso equidade aos cuidados de saúde que começa a fugir de uma forma descarada.
As causas dos AVC não se cingem praticamente ao consumo excessivo de sal, à hipertensão ou ao consumo de álcool, só para falar dos mais importantes. As “verdadeiras” causas assentam na pobreza económica e cultural e num crescendo e preocupante injustiça de acesso aos cuidados de saúde. E o melhor é ficar por aqui...

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Professor Massano Cardoso
Obrigada pelos seus ensinamentos. A sua informação vem reforçar a necessidade de agir. São sempre os mais pobres que mais sofrem. Não ter dinheiro para adquirir medicamentos ou para recorrer a cuidados de saúde porque o SNS não dá resposta é também um factor de risco...

antoniodasiscas disse...

Cara Margarida
Tendo apenas umas luzes das causas do aparecimento cada vez maior dos A.V.C., em nada fico espantado,todavia,com os dados fornecidos neste seu texto e com o comentário profissional do Prof. Massano. A vida está difícil,cada vez mais com problemas agudos e complicados, a esperança de melhoras da situação social e económica cada vez se esbate mais, o desemprego pouco faltará para entrar em descontrolo, enfim um rol de desgraças e amrguras em que os portuguese, também por grande culpa própria,estão mergulhados, rol este que traz consigo doença e tristeza. O stress que tudo isto provoca é aflitivo e daí até à falta de saúde é um rufo,para mal dos nossos pecados.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro antoniodasiscas
O País continua a ser muito deficitário na prestação de serviços públicos essenciais, quer na acessibilidade quer na qualidade. Quando assim é acabam por ser os mais pobres que por falta de recursos e de conhecimentos ficam impossibilitados de ver as necessidades mais básicas satisfeitas.