Fado Português
O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.
Ai, que lindeza tamanha,
meu chão , meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.
Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.
Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.
Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.
Música: Alain Oulman
Música: Alain Oulman
Letra: José Régio
As comemorações servem para reavivar a memória e gostei de ver o Concerto da Amália no Coliseu, em 1987, transmitido esta noite na RTPMemória, embora já fosse evidente o declínio da Voz.. A propósito, é incrível como a plateia parece cheia de figuras antiquadas, os penteados, a moda, o ambiente e o retrato geral da sociedade ainda hesitante na sua transformação para a “gente guapa” que hoje estes concertos e festas mostram em profusão.
Mas a grande marca destas homenagens organizadas por ocasião dos dez anos passados sobre a morte de Amália Rodrigues é o lançamento da estação de rádio Amália (92.0 FM), inteiramente dedicada ao fado. Para os apreciadores actuais e para que haja muitos novos adeptos da nossa música-símbolo, haverá boas memórias e novos talentos já em grande estrelato, como Kátia Guerreiro e Carminho, fadistas profissionais e amadores, a ocupar um espaço que estava vazio e que será certamente atraente para os saudosistas e para os que querem estar na moda.
Sim, porque seja pelo ambiente revivalista e desiludido dos falsos modernismos, seja porque o que é bom volta sempre à ribalta, o fado aí está de novo, e com gente nova, a ligar gerações, a marcar a actualidade e a projectar-se no futuro. Como tudo o que vale a pena.
10 comentários:
Também no fado os ciclos da vida.
Não há muito, era enegrecido e vilipendiado e Amália era injusta e gratuitamente acusada de fascista. Agora, Amália em Museu e o Fado a ser proposto como Património Imaterial da Humanidade.
Fez bem, cara Suzana, em evocar a data, o Fado, Amália e o poema.
A conjugação do poema de José Régio com a voz de Amália até arrepia!...
É verdade, Pinho Cardão, muitos dos que hoje a celebram devem ter andado a desprezá-la quando os ventos para aí sopravam. Mas, como diz uma amiga minha, "as mós de Deus moem devagar mas moem muito fininho". Ainda em vida se lhe fez justiça, e agora é em sua honra que se canta o fado!
Caros Confrades do 4R,
Aqui o consenso parece fácil, imediato.
Julgo que poucos portugueses enjeitarão a grandeza de Amália, a sua magnífica voz e a sua forte presença no palco e na vida.
Para além disso, tinha também a sua veia poética, porque ela própria escrevia poemas, cheios de sentimento e de força, que nos tocavam fundo.
Depois, cantava poetas de primeira grandeza, como David Mourão-Ferreira, O'Neil, Camões, Ary, Garrett, creio que também e, claro, Régio, como o poema aqui transcrito recorda e, ainda bem, porque Régio anda, injustamente, muito esquecido.
Já acho discutível a decisão de a colocar no Panteão Nacional, pese todo o mérito que se lhe reconhecia e a sua extraordinária força simbólica, que, durante muitos anos, serviu para representar Portugal no estrangeiro, diga-se, representar Portugal e não o regime que então vigorava, como alguns, maliciosamente, puseram a circular para a diminuir, felizmente sem êxito.
O filme recente sobre a sua vida, apesar de algumas cedências ao gosto da época presente, acabou por retratar bem a sua vida, com a vantagem de nos oferecer a sua vera voz, nos fados apresentados.
Acrescente-se que o Filipe La Féria também já nos havia presenteado com um soberbo espectáculo em sua honra, a que o público correspondeu com sucessivas enchentes, mostrando bem quanto a estimava.
Para mim, Amália tinha ainda um significado especial, porque havia nascido em 1920, como o meu Pai e veio a falecer em 1999, como a minha mãe, acentuando, por estas coincidências, as minhas ligações afectivas à sua figura.
Bom momento, pois, o desta evocação.
E tudo vale a pena, é bem verdade cara Drª Suzana Toscano. Partilho inteiramente dessa opinião.
"O Barco Negro" é um dos fados de Amália, com poema de David Mourão Ferreira, que mais aprecio. Encontro-lhe uma majestosidade indefinível, algo de fortemente trágico, transformado empaixão e memória, de certa forma, um retrato fiel do povo marítimo, trágico mas, incessantemente atraído pela força magnética do mar.
Marisa encarna o sentimento subjacente a este "corpo" que em grande medida é Portugal, intrepertando o fado de Amália de uma forma muito pessoal e íntima, começando precisamente pelo verso mais marcante... um grito lancinante de revolta pelo adágio das velhas da praia.
São loucas... são loucas...
http://www.youtube.com/watch?v=5ElLSBx9Jo8&feature=fvw
AMÁLIA, grande AMÁLIA.
Sou o primeiro a gritar e mesmo assim não exprimo toda a minha admiração.
Mas convenhamos: não é um GRANDE EXAGERO todo este bulício à volta dos 10 anos do seu falecimento? Todas as TV's ocupadas com isso, raiando mesmo a loucura. O mesmo,embora mais suave, na comunicação escrita. Na falada, não sei, porque não ouvi mas palpita-me que não deve ter sido muito diferente.
Então este país não tem mais com que se preocupar?... Eu acho que, se outra vida existe, cansaram até a própria Senhora.
Deixem-na DESCANSAR EM PAZ. Já basta o mal como a trataram em vida, nos tempos políticamente efervescentes.
Disse...
Merecida homenagem, Suzana. Não sendo grande fã do fado, não tenho acompanhado de perto as homenagens a Amália Rodrigues.
À medida que os anos passam, e já lá vão dez anos sobre a sua morte, a sua voz vai-se tornando verdadeiramente imortal. Os novos talentos que estão a despontar ajudam-nos a viver e a reviver essa imortalidade, incorporando no fado, na letra, na guitarra, na voz, na composição e na representação a alegria da juventude.
Também não sou fã desta canção Nacional, que dizem, nasceu numa rua de má fama...
Mas ouço bem, aprecio as letras do tipo: não passes com ela à minha porta senão levas com o alguidar onde dói mais!...
Nestas coisas até nem sou esquisito de todo, acho-me um híbrido, papo de tudo: fado, clássico, Joaquim Cortês, Ópera, tango, sasha summer sessions...Tudo!
:)
...Mas Amália merece ser recordada e respeitada, mesmo por aqueles qua não gostam do fado, pois a sua arte contribuiu para dar a conhecer ao mundo este País morno e solarengo, à beira-mar plantado...
Pois eu gosto imenso de fado, quanto mais castiço e sofrido melhor,e agora estou viciada na nova rádio, há vários dias que deixei de ouvir as notícias e os comentadores de serviço quando venho a caminho do trabalho ou vou de volta a casa. E com grande vantagem para a minha sanidade mental...além de haver uma fantástica selecção de fados, alguns já quase esquecidos, outros novinhos em folha. Uma maravilha.
E acho muito bem ...
Mas experimente, cara Dra., sintonizar esta: MEGA FM Lisboa 92.4, vai ver que acelera o metabolismo, faz-nos mais "fantásticos"!
:)))
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