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quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Andando (Still Walking)


Hoje fomos ao cinema King ver Still Walking (Andando), do japonês Hirokazu KoreEda. Não se importem que o cinema seja velho e desconfortável, ao fim de 5 minutos de filme estão no Japão, em casa de um velho casal japonês que recebe os filhos, noras, genro e netos para comemorarem juntos a data da morte acidental do filho mais velho. Ao fim de 10 minutos, já não é uma família japonesa mas uma família qualquer, cada um vindo de seu lado, tirado da sua vida autónoma de adultos, de regresso episódico à “sua” casa onde afinal se sentem estranhos, ao mesmo tempo que se deixam aprisionar pelas memórias de infância e pelas querelas que não souberam ultrapassar. Ao fim de pouco mais, já não é uma família qualquer mas sim cada um de nós, de volta à casa dos pais já velhos, incompreensíveis na sua privacidade, nas suas manias, no seu entendimento secreto e nós a querer o nosso espaço de volta, a impor-nos como se tivéssemos esse direito, sem compreender como ficámos excluídos daquela linguagem.
Finalmente, já perto do fim, já demasiado tarde talvez, tornamo-nos adultos de repente e compreendemos tudo. Tudo o que devíamos ter entendido, tudo o que sempre esteve à vista, tudo o que teimávamos em não ver porque só queríamos que eles nos vissem, foi assim que nos habituaram, e afinal não tínhamos sabido vê-los a eles. Pelo menos o suficiente, nunca o suficiente.
Não vou contar o fim do filme, é uma história que cada um escreverá porque é essa a arte extraordinária do realizador, não conta nada, não orienta, não impõe. Apenas mostra para que cada um leia, com uma suavidade e uma delicadeza que só os japoneses e a sua língua suave e doce podem transmitir, quase sem palavras, quase sem pisar o chão, numa intensidade de gestos e de silêncios mais eloquente do que o mais elaborado dos discursos. Como uma borboleta amarela, que esvoaça a marcar os compassos do filme.
Se ainda têm pais, corram a ver o filme. Se já não têm, vão ver sem demora e deixem que a saudade, uma incrível e dorida saudade, vos encha o coração vazio deles.
Um filme mágico.

8 comentários:

Bartolomeu disse...

A cara Drª Suzana, anota aqui um par de situações que realmente são comuns às famílias e que eu próprio já tive oportunidade de observar.
São situações decorrentes do natural afastamento físico dos filhos que passam a gerir autonomamente as suas carreiras e as suas vidas no âmbito do seu circulo iprivado familiar.
Eu direccionei a educação dos meus filhos para o conceito da máxima liberdade e da máxima responsabilidade, sem contudo me demitir das minhas próprias responsabilidades educacionais. Liberdade em todos os aspectos, tanto da vida em comum, como da vida privada. Hoje, o meu filho mais velho que vive numa casa que construí para ele e a namorada na mesma propriedade, quando vem a minha casa, visita-me.
Este é um "enquadramento" estranho que tenho alguma dificuldade em interiorizar.
Noto que este filho, contrastando com o mais novo que ainda vive comigo, usa de algumas cerimónias, quando está em minha casa. Cerimónias essas que se reflectem no modo como partilha os acontecimentos do dia-a-dia, assim como os projectos profissionais, etc. Quase como que a dizer-me: ok pá, continuas a ser meu pai, gosto muito de ti, mas agora sou mais eu, e tu trata lá dos teus assuntos que eu tratarei dos meus.
Talvez a nostalgia de os ver crescer, e os ver voar sozinhos, cause uma maior sensibilidade e nos faça sentir estranhamente relegados para um espaço menos íntimo.
Fica contudo o orgulho, quando admiramos as "catedrais" que construímos, pedra-a-pedra, com muito carinho, utilizando os melhores materiais de que dispunhamos.
Agora, permita-me que utilize o seu espaço para deixar um apelo muito pessoal, mas que estou certo é tambem sentido pelos demais comentadores e autores do 4R.
A ausência do nosso grande amigo Professor Massano Cardoso, está a tornar-se insuportável, porque já se nota à demasiado tempo. Espero que pelo facto de os Santa Combadenses o terem ganho, não o tenhamos nós perdido.
O meu apelo é no sentido de que o caro professor não esqueça estes seus umides leitores e admiradores e nos beneficie com um texto, por muito curto que possa ser.
C'est tout pour le moment...

Pinho Cardão disse...

Cara Suzana:
Mas que excelente conteúdo num texto tão bem escrito!...

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Se o filme é suave e delicado, o que dizer do seu texto?
É difícil descrever o que me fez sentir. É um tesouro de ternura...

Anónimo disse...

Se o filme for tão bom de ver como foi bom ler este texto...

Pinho Cardão disse...

Caro Bartolomeu:

Por certo que o Professor está em reflexão criativa. Quando voltar, é imparável!...

Bartolomeu disse...

Assim espero, caro Dr. Pinho Cardão

jotaC disse...

Cara Dra. Suzana Toscano:

Permitam-me que subscreva estes comentários tão bonitos, bem apropriados a este belo e doce texto que nos esmaga…

Tal como a Dra. Margarida Aguiar diz:“…É difícil descrever o que me fez sentir. É um tesouro de ternura...”

Suzana Toscano disse...

Caro bartolomeu, é bem verdade tudo o que diz, acho que todos sentimos essa estranheza de os ver como "visitas" e ao mesmo tempo "nossos", mas é uma etapa que, como todas as que a precederam, não se pode saltar, a fase seguinte será a de sermos ós a sentirmo-nos visitas nas casas deles (é uma questão de tempo, maior ou menor.
Caros Pinho cardão, margarida, Zé Mário e Jotac, é que eu gostei mesmo do filme!e por isso me esforcei por vos convencer a ir vê-lo :)
Caro bartolomeu, o seu apelo para que o Prof. Massano não nos deixe muito mais tempo à míngua dos seus belos textos cabe sempre em qualquer espaço e subscrevo inteiramente,mas assim ainda vamos apreciar mais os seus escritos porque sentimos a ausência...!