Tenho descrito no roteiro da campanha autárquica alguns episódios e vivências, quase todos a transpirar alegria e boa-disposição. Hoje, apesar de poder somar mais alguns, vou focar um que me chocou, e muito, confesso.
Já a tarde ia muito alta quando entrei numa rua muito estreita de um pequeno povoado. A rua com meia dúzia de casas ostentava um nome muito sugestivo, Rua da Saudade.
Um casebre abria a rua. Pensei que devia ser um curral ou um pequeno abrigo para albergar alfaias, lenha ou palha, mas não. Não queria acreditar no que estava a ver. Duas pessoas habitavam naquela choldra. Um homem e uma mulher. O filho e a mãe. Um deficiente e uma ativa. Perguntei a idade ao senhor. Respondeu-me muito amargurado: - Nasci aqui há 43 anos. – Vejo que está doente. Foi um acidente? – Não. Tive um AVC há cinco anos. Foi então que o vi a levantar-se com muita dificuldade revelando uma hemiparesia à esquerda. Antecipando a resposta a uma pergunta que ia formular, ouvi atrás de mim: - Estão a construir uma casa para eles. Daqui a um mês já está pronta. Não vão passar aqui o inverno. Poderia ser um alívio, mas não. Fiquei envergonhado. Como é possível permitir que seres humanos vivam naquelas condições? Afastamo-nos, mas eu tive que voltar para trás. Às minhas perguntas o Henrique respondia-me com uma amargura difícil de traduzir. Trabalhava nas madeiras. – Na serração? – Não. Nas matas. – Disseram-me que daqui a um mês vai para uma casa nova. Isto não é digno para seres humanos. Olhou-me com uns olhos estranhos em que vi impotência, raiva e agradecimento. Mas a mãe começou a chorar. Henrique voltou o seu olhar de sentimentos contraditórios e ralhou-lhe: - Chora! Chora pr´ai! – A senhora vira-se para mim e afirmou: - Oh meu senhor, eu fui criada nesta casa pela minha avó. Não percebi, de imediato, o que queria dizer aquelas lágrimas. Julguei que seria de tristeza e de desespero por não ter já saído daquela espelunca há mais tempo. Mas não. O motivo era outro: não queria sair dali! A mulher morria de saudades daquele espaço, ao contrário do Henrique.
Entretanto tinha dado dois passos e entrei naquele espaço. Não o descrevo, porque não encontro palavras. O que nos é relatado na televisão e nos jornais, a propósito destes casos, não conseguem transmitir a verdadeira dimensão da tragédia humana. É preciso vê-la, cheirá-la e palpá-la para a apreciar.
Não vou esquecer este caso e vou acompanhá-lo de perto. Não posso aceitar uma situação desta natureza. Que raio de sociedade é a nossa que desrespeita as pessoas desta forma? Tenho tantas perguntas a este propósito mas só me resta uma resposta: também devo ser culpado...
Já a tarde ia muito alta quando entrei numa rua muito estreita de um pequeno povoado. A rua com meia dúzia de casas ostentava um nome muito sugestivo, Rua da Saudade.
Um casebre abria a rua. Pensei que devia ser um curral ou um pequeno abrigo para albergar alfaias, lenha ou palha, mas não. Não queria acreditar no que estava a ver. Duas pessoas habitavam naquela choldra. Um homem e uma mulher. O filho e a mãe. Um deficiente e uma ativa. Perguntei a idade ao senhor. Respondeu-me muito amargurado: - Nasci aqui há 43 anos. – Vejo que está doente. Foi um acidente? – Não. Tive um AVC há cinco anos. Foi então que o vi a levantar-se com muita dificuldade revelando uma hemiparesia à esquerda. Antecipando a resposta a uma pergunta que ia formular, ouvi atrás de mim: - Estão a construir uma casa para eles. Daqui a um mês já está pronta. Não vão passar aqui o inverno. Poderia ser um alívio, mas não. Fiquei envergonhado. Como é possível permitir que seres humanos vivam naquelas condições? Afastamo-nos, mas eu tive que voltar para trás. Às minhas perguntas o Henrique respondia-me com uma amargura difícil de traduzir. Trabalhava nas madeiras. – Na serração? – Não. Nas matas. – Disseram-me que daqui a um mês vai para uma casa nova. Isto não é digno para seres humanos. Olhou-me com uns olhos estranhos em que vi impotência, raiva e agradecimento. Mas a mãe começou a chorar. Henrique voltou o seu olhar de sentimentos contraditórios e ralhou-lhe: - Chora! Chora pr´ai! – A senhora vira-se para mim e afirmou: - Oh meu senhor, eu fui criada nesta casa pela minha avó. Não percebi, de imediato, o que queria dizer aquelas lágrimas. Julguei que seria de tristeza e de desespero por não ter já saído daquela espelunca há mais tempo. Mas não. O motivo era outro: não queria sair dali! A mulher morria de saudades daquele espaço, ao contrário do Henrique.
Entretanto tinha dado dois passos e entrei naquele espaço. Não o descrevo, porque não encontro palavras. O que nos é relatado na televisão e nos jornais, a propósito destes casos, não conseguem transmitir a verdadeira dimensão da tragédia humana. É preciso vê-la, cheirá-la e palpá-la para a apreciar.
Não vou esquecer este caso e vou acompanhá-lo de perto. Não posso aceitar uma situação desta natureza. Que raio de sociedade é a nossa que desrespeita as pessoas desta forma? Tenho tantas perguntas a este propósito mas só me resta uma resposta: também devo ser culpado...
8 comentários:
Esta realidade parece inventada para um país onde as pessoas se unem e se envolvem com tanta euforia em torno do Europeu/Mundial de futebol, a euforia em torno da Liga Nacional de Futebol, as enormes peregrinações a Fátima,...enfim, tantos outros...
Tanta motivação para brilhar, para aparecer, para abanar a bandeira de Portugal pelos golos da Selecção ou do Benfica, para se vangloriar pelo sacrifício da caminhada a Fátima...
Mas onde está o real sentido da natureza humana? A entre-ajuda, a humildade, a sensatez, o "fazer bem sem olhar a quem", o "fazer bem e não dizer a ninguém", o "ficar Feliz por ter ajudado"...
A nossa sociedade está a precisar de reflectir!
Estas duas pessoas, não devem ser, infelizmente, as únicas a viver nestas condições em Portugal. Também não são as única que sofrem com a frieza e egoísmo dos vizinhos, ou pessoas próximas.
Não vamos mais longe: aqui, mesmo ao lado, no nosso prédio, na nossa rua, na casa do lado...
Será que não vive um Ser que precise da nossa ajuda? E nós que sabemos que esse Ser existe...Fomos lá auxiliá-lo? Demos o melhor de nós para melhorar a sua situação? Ou simplesmente fingimos que não vimos nada e ignoramos?
É tempo de reflectir...
Gostaria de escrever um comentário capaz de reflectir os sentimentos que este post me suscitou.
Mas não, sou incapaz caro Massano Cardoso, não Professor, não Doutor, não Presidente do que quer que seja, mas sim Homem, Homem Massano Cardoso. O Homem voltou atrás, o Massano Cardoso voltou atrás, é desse voltar atrás que a humanidade está carenciada, caro amigo.
A minha vénia profunda ao seu sentido humanísta!
Caro Professor Massano Cardoso:
“(...) É preciso vê-la, cheirá-la e palpá-la para a apreciar.”
Neste caso, em que esta família teve a sorte de se cruzar consigo, tenho a certeza que num futuro não tão distante como isso V. Exa. vai usar de toda a influência, por inerência do cargo, para “expiar” a “sua culpa”.
Tivessem outros a mesma assertividade e atitude! Tivessem parado, falado e escutado, e o País seria muito melhor…
Caro Professor Massano Cardoso
O caso de pobreza extrema desta família mostra a tragédia de um país que em pleno século XXI não é capaz de erradicar esta miséria humana. É também uma tragédia!
O seu gesto fez-me lembrar a história do colibri que, com o maior empenho, voava entre o lago e a floresta incandescente, procurando, com a água que levava no bico, ajudar a apagar o incêndio…
A quem o criticou por esse esforço inútil, eu respondo que fez a sua parte…
Permita-me que lhe diga, cara Dra. Margarida Aguiar, gosto muito do que segue:
"O seu gesto fez-me lembrar a história do colibri que, com o maior empenho, voava entre o lago e a floresta incandescente, procurando, com a água que levava no bico, ajudar a apagar o incêndio…"
e infelizmente há muitos mais casos iguais a este e não passa por lá ninguém, ou fingem que não vêm....
Meu caro,li com muita atenção esta historia,na realidade podemos encontrar uma igual em qualquer aldeia deste nosso Portugal,é triste é muito triste. Sei que não tem nada a ver,mas quase me atreveria a colocar a hipotese da colocação de um refugiado do Darfur num apartamento de um qualquer país europeu! É o habito...habito que esta sociedade miseravel em que vivemos se encarregou de construir ao longo dos tempos. A revolta devera partir de cada um de nós!
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