O tema dos desequilíbrios financeiros do sistema público de pensões tem estado, como se sabe, na ordem do dia. Mas é necessária cautela nas contas que se fazem, nos dados que se utilizam e na sua combinação. Neste tema, como em muitos outros, o rigor é fundamental e faz toda a diferença nas conclusões que se tiram, especialmente quando as contas são difundidas no espaço público.
Antes de irmos às contas que justificam este texto, importa fazer as seguintes notas fundamentais:
1ª O Sistema Previdêncial da Segurança Social é um sistema autónomo, financiado pelas contribuições dos trabalhadores e das entidades empregadoras para fazer face a prestações substitutivas do rendimento do trabalho, designadamente, pensões de reforma, de invalidez e de sobrevivência, subsídio de desemprego e subsídio de doença. Trata-se de um sistema contributivo que tem uma função de “seguro social”.
As contribuições são calculadas pela aplicação da taxa contributiva de 34,75% sobre os salários, cabendo 11% aos trabalhadores e 23,75% às entidades empregadoras, no caso de trabalho por conta de outrem.
A taxa contributiva de 34,75% destina-se a financiar todas as prestações sociais acima referidas, sendo que cerca de 77,5% é alocada às pensões (ou seja, 26,94%).
2ª A Segurança Social paga também pensões e complementos sociais. Neste caso o seu financiamento é assegurado pelos impostos, uma vez que está em causa uma função “redistributiva”. Entende o Estado atribuir aos seus beneficiários estas prestações por razões que se prendem com a sua situação económica de fragilidade ou vulnerabilidade.
3ª Estes dois sistemas não se confundem, a formação de direitos é distinta, assim como são diferentes as fontes do seu financiamento. No primeiro vigora o princípio da contributividade e no segundo o princípio da solidariedade.
Pois vieram a púbico muito recentemente umas contas para mostrar que o Sistema Previdêncial da Segurança Social não tem défice financeiro, muito pelo contrário tem um excedente financeiro porque as contribuições são superiores às pensões.
Como vimos atrás, o total das contribuições (TSU) do sistema destina-se ao financiamento não apenas das pensões mas de todas as outras prestações.
Se olharmos, por exemplo, para 2012, 2013 e 2014 as contribuições não foram suficientes para fazer face a todas as prestações, isto é, a despesa foi superior à receita.
Para resolver estas insuficiências financeiras, foram efectuadas todos os anos transferências do Orçamento do Estado especificamente consignadas para cobrir o “défice do sistema previdêncial”. Dizer, como foi dito, que o total das contribuições foi suficiente para pagar as pensões gerando um excedente não é sério. É uma informação enganosa.
Para resolver estas insuficiências financeiras, foram efectuadas todos os anos transferências do Orçamento do Estado especificamente consignadas para cobrir o “défice do sistema previdêncial”. Dizer, como foi dito, que o total das contribuições foi suficiente para pagar as pensões gerando um excedente não é sério. É uma informação enganosa.
Do quadro abaixo retiramos duas conclusões:
1ª O total de contribuições não foi suficiente para fazer face ao total da despesa.
2ª A parte das contribuições afecta às pensões não foi suficiente para fazer face à despesa com pensões.
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Fontes.
OE 2013, 2014 e 2015 e Relatórios de Sustentabilidade Financeira da
Segurança Social - RSFSS (anexos aos OE) (a) De acordo com os RSFSS |
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No quadro apresentado não estão incluídas as despesas com pensões e complementos sociais e com as pensões dos bancários porque ambos as parcelas são financiadas pelos impostos. A primeira parcela ascende a cerca de 2,7 mil milhões €, a segunda parcela ascende a cerca 498 milhões €.
Somar estas duas parcelas às pensões do Sistema Previdêncial da Segurança Social, como já tem sido feito, é outro erro. Neste caso o défice seria significativamente aumentado, distorcendo a realidade e a sua leitura.
Nas contas oficiais da Segurança Social há falta de informação relevante e de qualidade e há ausência de transparência. Faltas destas estão na origem de desconhecimento, desinformação, erros, manipulação e muita discussão estéril. Tudo o que não deve acontecer. Uma situação a precisar de ser corrigida. Voltarei ao tema um destes dias…
12 comentários:
A divisão dos 34,75% é uma divisão perfeitamente contabilistica e não se aplica a todos os trabalhadores. Aí está a primeira falha do sistema. Os 34,75% saem todos do trabalhador uma vez que só são aplicados à empresa se esta empregar o sujeito em causa. Portanto, pelo serviço que o trabalhador presta a empresa paga um total, onde se incluem os 34,75% e, desse total, calcula o preço que vai fazer aos seus clientes. Na realidade, o trabalhador paga a totalidade dos 34.75% que estão directamente colocados sobre o valor do seu trabalho. Tirando, claro, os trabalhadores do estado, cujo trabalho não contribui com esses 23.75% adicionais. Não fiz contas, mas se esses 23.75% fossem cobrados aos trabalhadores do estado, como são aos trabalhadores do privado (algo que deve ser inconstitucional pelo principio do "se é do estado é bom se é privado é lixo") as contas estariam muito mais equilibradas.
Cara MCA
Só faltará acrescentar que nos anos 2011 a 2014 a taxa média de desemprego rondou os 15,25% e a redução salarial em média rondou os 11,6% no sector privado e 22,1% na função pública.
Seria interessante comparar os saldos da SS naqueles anos considerando uma taxa de desemprego de 8% e sem qualquer desvalorização salarial.
O problema resolve-se... indo a Bruxelase levando o raminho de oliveira na mão, aderindo assim à "moda" Varoufakis, que, ao que parece, resulta em cheio! (se preciso for, até levamos uma oliveira... as do Alqueva já esgotaram, mas arranjam-se mais.)
Tem toda a razão quanto à falta de transparência e de informação, no tocante às contas da SSocial. E não se vê como é que as coisas, neste capítulo, vão melhorar.
Vi outro dia uns quadros elaborados pelo Dr. Trigo Pereira e ainda fiquei mais baralhado. Prevê aquele Professor que as pensões de reforma, em Portugal, vão continuar a baixar, relativamente ao PIB esperado. Ora, como ele fez parte do grupo de economistas que propuseram ao PS baixar a taxa da TSU, não seria de esperar que aqueles economistas também propusessem ao PS a correspondente baixa no valor das pensões de reforma e que isso ficasse, bem explícito, no seu programa eleitoral? Ou, dito de outra forma, se eles prevêm que as pensões vão continuar a baixar, por que razão não ouvimos os políticos do PS a dizer que, se forem governo, vão fazer baixar as pensões dos portugueses? Por que será que acusam a actual ministra de admitir essa possibilidade e eles, os socialistas, apenas acenam com a baixa das TSU, a cargo dos trabalhadores?
Responda quem saiba.
Caro João Pires da Cruz
As entidades empregadoras do Estado pagam à Segurança Social os mesmos 23,75% que são exigidos às entidades privadas. Durante muito tempo não foi assim, julgo que foi em 2014 que o esforço contributivo se igualou.
Caro Carlos Sério
O que está em causa no texto que escrevi é um esclarecimento factual em relação à informação errada que tem circulado. Não é aceitável que se venha dizer que as contribuições para o sistema previdencial da segurança social pagaram as pensões e ainda geraram um excedente. Este tipo de coisas inquinam o debate.
Caro Bartolomeu
Haja boa disposição!
Caro Tiro ao Alvo
A falta de informação e de transparências é, com efeito, muito grave. Sem um diagnóstico credível e rigoroso, auditável e escrutinável, não é possível fazer um debate sério de ideais e soluções. Não é sustentável o país não ter um conhecimento actualizado e prospectivo sobre o sistema de pensões. Estas falhas prejudicam a qualidade da decisão política. Enquanto não fizermos mudanças no modelo de governação do sistema público de pensões estes problemas irão continuar.
Estratégias políticas, Caro Tiro ao Alvo! Com efeito, a descida da TSU para os trabalhadores terá como consequência, entre outras, a redução de pensões. Foi anunciado que a descida da TSU seria actuarialmente neutra. Neutralidade actuarial não é igual a neutralidade orçamental. A redução das pensões por contrapartida da descida da TSU levanta vários problemas de equidade e justiça social e de adequação do rendimento. Estes por exemplo:
- aprofunda a descida das taxas de substituição cuja previsão é já bastante preocupante.
- não permitirá aos trabalhadores que já estão próximo da reforma canalizarem o rendimento libertado para planos complementares de reforma de modo a compensar a redução da pensão pública.
- tem uma natureza regressiva, beneficia os salários mais elevados.
As entidades empregadoras? O contribuinte, quer a Margarida dizer. Isso resolve zero do problema, certo? Afinal, o trabalho do funcionário do estado não subiu de valor mas o dinheiro que o contribuinte gasta com ele subiu 23.75%. É um passo na direcção errada e em termos de SS é uma mera passagem administrativa.
Não há substituto a ir buscar esses 23.75% ao vencimento do trabalhador do estado.
Exma. Sra. Dra. Margarida Corrêa de Aguiar,
muito obrigado pela exposição e pela sua dedicação a estes temas, fundamentais para a nossa sociedade e que durante décadas estiveram praticamente ausentes das discussões públicas.
Duas questões, se me é permitido:
1) Como explica o aumento (em termos absolutos, e não em % da remuneração, essa inalterada, evidentemente) das contribuições (TSU) para a SS nos anos que vão de 2012 a 2014 (aumento esse que consta do quadro), tendo em conta que são anos de grande desemprego e de baixa de salários (pelo menos dos recém-contratados, que chegaram a ser contratados a valores inferiores ao praticados em anos anteriores aos do início da crise)?
2) Se só em 2014 as transferências do OE para cobrir o défice do sistema previdencial da SS é que efectivamente o cobriram, como é que em 2012 e 2013 a SS conseguiu cumprir as suas obrigações? Onde foi o sistema previdencial da SS buscar o dinheiro? (Ou então há algo que me está a escapar)
Desde já, o meu muito obrigado!
Caro Gabriel Órfão Gonçalves
Agradeço as suas amáveis palavras. Seja muito bem vindo.
As suas questões são pertinentes e demonstram a leitura cuidada que fez dos números.
Começo por refefir que a Conta da Segurança Social de 2013 ainda não foi publicada, embora este documento tenha muitas falhas de informação, designadamente porque omite informação relevante para a transparência das contas e compreensão das mesmas. As Contas de 2013 e 2014 deveriam dar resposta às questões que o Caro Gabriel Órfão Gonçalves colocou. A Segurança Social deveria produzir esta e muitas outras informações em tempo útil e com o necessário detalhe.
Tendo presente estaa limitações, diria o seguinte:
- a variação de 2012 para 2013, a confirmar-se na Conta de 2013 ainda por publicar (os números apresentados constam dos OE a título de previsão de execução), terá que ver com os efeitos da entrada em vigor do Código Contributivo (alargamento de bases de incidência e aumento de taxas contributivas) e com a convergência da taxa contributiva das entidades empregadores do Estado para a taxa contributiva normal de 23,75% estabelecida para as entidades empregadoras. A variação de 2013 para 2014 será explicada pela melhoria da taxa de emprego.
- as necessidades de financiamento não cobertas pelas transferências do OE inscritas expressamente para cobrir o défice previdencial terão sido satisfeitas com parcelas das transferências do OE para a Segurança Social destinadas ao financiamento da lei de bases. Estas transferências destinam-se à concretização da "função redistributiva". Assim sendo, a contrapartida terá sido uma menor despesa com prestações dos regimes não contributivos.
Continuamos a não ter uma prestação de contas rigorosa e transparente. Se assim fosse, as transferências de recursos financeiros entre regimes contributivos e regimes não contributivos teria que ser explicada e justificada. Vou mais longe, alterações na consignação inicialmente aprovada de transferências do OE para financiar os diversos regimes e obrigações da Segurança Social deveriam estar sujeitas também ao mesmo nível de aprovação ( lei da AR).
A cara Margarida Correa de Aguiar atribui ao Sistema Previdencial da Segurança Social as características de um sistema contributivo que tem uma função de “seguro social”.
À primeira vista parece tratar-se de um conceito adquirido, mas, se me permite, há qui um erro. Um erro que por sinal eu também já cometi algumas vezes quando, noutras oportunidades, algumas em comentários neste blog, chamei ao sistema de pensões um “seguro de velhice”.
E porquê o erro ? É que um seguro, no verdadeiro sentido do termo, destina-se a cobrir situações de risco. Por natureza, um seguro funciona em regime de mutualidade e é suportado em estatísticas que permitem prever o número de sinistros que podem ocorrer durante certos intervalos de tempo, numa determinada população.
Os segurados sentem-se confortados pela perspectiva de poderem vir a ser ressarcidos dos seus prejuízos pela entidade seguradora, em caso de sinistro, mas verdadeiramente não querem que nenhum sinistro se verifique com eles. Por isso, não se importam de dividir entre todos as indemnizações que a seguradora tiver de pagar aos que têm o azar de ser vítimas de um sinistro.
As situações de desemprego e de doença, incluídas no orçamento da Segurança Social, são imprevisíveis e são, na verdade, situações de risco que podem e devem ser cobertas por um seguro.
Ora, a situação de velhice não é um risco. É uma certeza ! As contribuições para uma pensão de velhice não se destinam a cobrir um risco. Não são mais, ou não deveriam ser mais do que um esquema de poupança, por sinal obrigatória (e bem) para garantir que na velhice não vamos para a rua pedir esmola.
É por isso que é errado juntar as contribuições para as pensões de velhice com os “prémios” de seguro pagos para cobrir o risco de desemprego e o risco de doença.
As outras prestações pagas pelo Sistema de Segurança Social, como as pensões de solidariedade atribuidas a idosos que não descontaram, ou descontaram muito pouco, ou ainda outras prestações assistenciais, todas elas devem ser cobertas pelos impostos e não pelas contribuições da TSU.
Se houver este cuidado na separação das rubricas, poder-se-á então verificar se o sub-sistema das pensões de velhice é ou não sustentável.
Obviamente, a separação das rubricas pode levar a uma futura fragmentação da TSU, numa espécie de regresso ao tempo do Fundo de Desemprego... Não é nada que se deva rejeitar, pois, se quisermos evitar o alarmismo de que os trabalhadores actuais virão a ter uma pensão de reforma muito reduzida, teremos que ajustar o valor da TSU total, ou fragmentada, de forma a produzir, no final da vida activa, uma pensão que se considere aceitável. É só fazer as contas...
Caro Jorge Oliveira
O seu comentário, que agradeço, suscita-me várias notas:
1. O exercício oficial de sustentabilidade do sistema previdencial da segurança social ("seguro social") encontra-se feito nos relatórios de sustentabilidade financeira da segurança social, documentos anexos aos OE. Este exercício não inclui prestações dos regimes não contributivos ("função redistributiva"). Os últimos exercícios evidenciam a insustentabilidade do sistema.
Estes exercícios são pobres em termos analíticos, não fazem análise de sensibilidade, não segregam os riscos, não justificam desvios, etc.
2. Há falta de transparência e ausência de informação de qualidade sobre os dois sistemas, facto que, entre outras coisas, levanta dúvidas sobre subsidiasses cruzadas entre ambos os sistemas.
Esta falta de transparência é reconhecida, por exemplo, na falta de informação sobre o custo técnico das diversas eventualidades financiadas pela taxa contributiva (TSU), os desvios actuariais, os níveis de autofinanciamento, etc. Há riscos, por exemplo, a doença e a invalidez que têm um custo técnico inferior à parcela da taxa contributiva que lhe está "administrativamente" afecta.
3. Defendo - aspecto que é tratado em artigos e trabalhos de especialidade publicados e no livro PENSÕES que recentemente publiquei - que seria desjável separar a gestão das contingências de longo prazo (reforma) da gestão das contingências de curto prazo (doença, desemprego, morte, invalidez) do sistema previdencial da segurança social. A autonomização da gestão destes dois grupos de prestações sociais tem a vantagem de fazer uma segregação de riscos, uma vez que estamos na presença de riscos de natureza diferente, com implicações distintas em termos de gestão técnica e gestão financeira, obedecendo a lógicas de cobertura e financiamento diferentes. A autonomização tem, entre outras, as vantagens de intriduzir uma gestão actuarial e gestão financeira próprias, promover a eficiência e a transparência das contas, contribuir para impedir a subsidiação cruzada dos riscos, melhorar o controlo da geração de défices e dívidas.
4. Em resultado do que atrás ficou dito, as taxas contributivas de financiamento de cada uma das contigências seriam calculadas actuarialmente para um determinado nível de benefício/protecção, tendo em conta a natureza dos riscos e as perdas expectáveis e o equilíbrio financeiro.
Cara Margarida
Estou de acordo com o que acaba de dizer. Por sinal comprei o seu livro, Pensões, mas confesso que ainda não arranjei tempo para o ler.
Apesar de o assunto me interessar sobremaneira, visto que tenho quase 70 anos, sou reformado, e não confio nos nossos governantes, actuais ou futuros, deveria já ter começado a ler o seu livro, mas ainda me encontro embrenhado na leitura de livros que são para mim irresistíveis, sobre temas científicos.
Cumprimentos
Jorge Pacheco de Oliveira
Caro Jorge Oliveira
Concordo que há temas bem mais interessantes.
Espero que uma leitura agradável e útil justifique a preferência pela compra do livro. O livro não tem bolas de cristal, mas mostra que há caminhos. Há soluções técnicas, o problema está no plano político...
Boa leitura!
Cumprimentos
Margarida Corrêa de Aguiar
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