Os doze trabalhos de Asterix (mas sem happy end...)

Andava eu cheia de remorsos por ainda não ter tratado de uns assuntos de família relacionados com um andar eufemisticamente chamado de “rendimento” ou seja, arrendado há longos anos e, claro, com rendas ridículas apesar dos também eufemistas “aumentos anuais extraordinários”(este ano foi de 2€), até que me dispus a tratar do assunto. O que me levou a decidir foi o facto de o dito andar ter sido objecto de reavaliação para efeitos do IMI, na sequência da morte de um dos proprietários. A viúva, com mais de 80 anos, viu-se assim de repente com uma gorda conta por pagar, uma vez que só o novo montante de imposto leva metade (!) do rendimento anual do andar. Fui às Finanças reclamar desse aumento, uma vez que as rendas estavam na mesma e a viúva era casada em comunhão de bens e, portanto, metade da propriedade nem sequer se transmitiu. Nada feito, era preciso ter declarado as rendas em 2003 (o que vem no IRS e é tributado não serve para esse efeito, só para cobrança), se não fez paciência, agora é o cabo dos trabalhos, isso da comunhão de bens também é indiferente, enfim, desisti e resolvi tentar compensar este problema usando esse fantástico mecanismo do Novo Regime de Arrendamento Urbano.
Primeiro, foi praticamente preciso tirar um curso de informática, ler o emaranhado legal para tentar perceber alguma coisa e, finalmente, lá meti mãos à obra, através do processo desmaterializado. Vamos então admitir que tinha conseguido ultrapassar as mil e uma trapalhadas que é preciso ter, entre elas o número de contribuinte dos inquilinos, a avaliação do estado de conservação do prédio, mais a senha de acesso a não sei quê. Vamos admitir que eu tinha vencido os 12 trabalhos de Asterix e que não tinha ficado embasbacada perante a simulação.
Pois bem. Caso o inquilino não conteste nada no prazo de 40 dias, a renda actual de pouco mais de 70 euros passará, daqui a 3 meses, a ser de 237€/mês, prudentemente faseada em…10 (DEZ) anos, uma vez que o arrendatário tem 66 anos! Ou seja, em 2008 será de 95 euros, depois 114 e por aí fora até 2018, gloriosa altura em que o abissal aumento tão laboriosamente conseguido terá sido de…150 euros/mês!
Vou agora comunicar à interessada, que tem 83 anos, que nos próximos 10 anos poderá contar com mais cerca de 15€/mês de rendimento, certinho, certinho. É claro que não vou lembrar que os 400 de IMI também não devem ficar parados, que há as obras (permanentes, de resto) de conservação, que o IRS dela aumentou, que o condomínio é 20€ por mês, que o seguro tem que ser actualizado. Não lhe vou dizer nada disso porque ela vai achar que eu sou uma incompetente.Vai olhar para mim com ar de desprezo e dizer “Vocês também nunca sabem tratar de nada, isso é lá possível, ainda ontem vi na televisão…”
Deixo-vos aqui a minuta a enviar ao inquilino, coitado, tal como vem no site respectivo. Palavras para quê?

Minuta-tipo 1
Comunicação do senhorio ao arrendatário, informando a actualização especial da renda, sem invocar que o arrendatário tem um rendimento anual bruto corrigido (RABC) superior a 15 retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA).
(As partes do texto que estão sublinhadas deverão ser preenchidas pelo senhorio. Os valores de rendimentos indicados reportam-se ao ano de 2006, pelo que deverão ser actualizados com a mudança de ano)

Ex.mo Sr. [ nome do arrendatário/cônjuge ]

Na qualidade de senhorio do [ identificar o tipo de locado ] sito em [ morada do locado ], de que V. Exa. é arrendatário, venho comunicar a iniciativa de actualização da renda, ao abrigo do Novo Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.

O valor máximo da renda actualizada será de [ valor em euros ]. Este valor foi calculado nos termos do artigo 31º da Lei atrás referida, tendo por base a avaliação fiscal que atribuiu ao imóvel o valor patrimonial de [ valor patrimonial tributário em euros ] e o coeficiente de conservação de [ 0,9 ou 1,0 ou 1,2 ], correspondente a um estado de conservação [ médio / bom / excelente ], tudo conforme as cópias juntas
Este valor será devido após um período de faseamento que poderá ser de 2, 5, ou 10 anos.

A actualização será em 10 anos no caso de V. Exa. ter idade igual ou superior a 65 anos ou de ter deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.

Não se verificando qualquer dessas circunstâncias, o faseamento:

- será em 10 anos se o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do agregado familiar de V. Exa. for inferior a 27.013,00 euros (valor correspondente a 5 retribuições mínimas nacionais anuais, em 2006);

- será em 5 anos se o rendimento anual bruto corrigido do agregado familiar de V. Exa. se situar entre 27.013,00 euros e 81.039,00 euros (valor correspondente a 15 salários mínimos anuais, em 2006);

- será em 2 anos se o rendimento anual bruto corrigido do agregado familiar de V. Exa. for superior 81.039,00 euros.

Consoante o período de actualização, o valor da renda a pagar no primeiro ano de actualização será o seguinte:

- actualização em 2 anos: [ valor da renda em euros ];

- actualização em 5 anos: [ valor da renda em euros ];

- actualização em 10 anos: [ valor da renda em euros ].

Caso V. Exa. se encontre em alguma das situações que permitem a actualização em 10 anos deverá invocá-lo no prazo de 40 dias, por carta, contendo o comprovativo da situação invocada, sob pena de o faseamento se processar em apenas 5 anos. O comprovativo do escalão de rendimento é obtido nos serviços de finanças.

A nova renda é devida a partir do dia [ indicar o dia 1 do terceiro mês seguinte ao da data desta comunicação ].

Cumprimentos

Junta: Cópias do resultado da avaliação fiscal e da determinação do nível de conservação do locado.