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terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Um cirurgião reclassificado e 2 dicionários!...

A última edição do SOL trazia uma notícia algo insólita. Era a de que o Hospital Amadora-Sintra tinha decidido despedir o seu mais qualificado cirurgião, aliás “o único que está no topo da carreira médica pública”, acusado de má prática clínica e de fraca assiduidade.
Entretanto, para ganhar tempo, enquanto o processo anda e desanda, o Hospital impediu o cirurgião de operar e encarregou-o de produzir investigação cirúrgica, tendo-lhe sido entregues, como instrumental de trabalho, “livros sobre cirurgia e dois dicionários”!...Como os dois dicionários não ocupam muito espaço, o cirurgião e o seu centro de investigação unipessoal foram naturalmente confinados a uma pequena sala. E para que a investigação pudesse decorrer sem sobressaltos, o cirurgião investigador foi terminantemente proibido de contactar os funcionários do hospital e de ver doentes!... Esta última proibição ainda a compreendo, pois poderia ter a tentação de os operar de imediato, tarefa de que foi superiormente proibido. Mas não poder falar com ninguém e ficar reduzido a uma investigação solitária, numa sala escusa com a companhia de dois dicionários é que me deixa um tanto perplexo!...
Mais perplexo ainda, porque, afinal, o Colégio da Especialidade da Ordem dos Médicos, analisado o processo, concluiu que o cirurgião actuou inequivocamente de acordo com as melhores práticas cirúrgicas.
Mas se actuou em conformidade com as melhores artes, deveria ser incentivado a ensiná-las aos restantes cirurgiões, sobretudo aos mais novatos, e não impedido de falar com eles. De outro modo, a investigação, por solitária, fica sem sentido nenhum, o que me enche ainda de um espanto maior!...
Resta a outra acusação: falta de assiduidade. Pode-se presumir que a intervenções cirúrgicas. Mas aqui também ficaria atónito, se o cirurgião mais qualificado do hospital deixasse usualmente, ou mesmo pontualmente, os doentes à espera de ser operados e não comparecesse.
Enfim, tratar-se-á de um exemplo publicado, entre os milhares de situações de violação dos direitos de muitos trabalhadores que para sempre ficam na sombra. Não havendo coragem ou motivo para os despedirem, muitos patrões, públicos ou privados, procuram, por todos os meios, que sejam os próprios a pedirem a demissão. Encerrando-os em cubículos, como parece ser o caso agora referido no SOL.
Não sei se o médico tem ou não tem razão. No aspecto técnico, a Ordem validou a técnica utilizada. Nos restantes, o processo o deveria dizer. Acontece que o qualificado cirurgião já foi punido e afastado de exercer a sua profissão, que é operar.
Mesmo com filas de espera para cirurgias. Mas isso que interessa?

6 comentários:

Bartolomeu disse...

Todos sabemos, caro Dr. Pinho Cardão, que os verdadeiros artistas, apresentam invariávelmente um comportamento algo excêntrico, comparativamente com aqueles que são os socialmente normais.
;))))
Lembro-me que quando os meus filhos eram pequenos, um casal amigo, com um filho sensívelmente da mesma idade, referindo-se à irrequietude do rebento e à dificuldade em lhe aplicar um castigo correctivo, lembraram-se de uma acção eficaz. Quando a criança fazia uma "asneira" eles não eram de modas, encatrafiàvam-no na dispensa com a luz apagada e fechavam a porta. Perante a minha expressão de espanto e incredulidade, eles tentaram justificar aquela atitude, com a velocidade alucinante com que a criança desfiava o seu rosário de peripécias e "asneiras". Como sou de opinião que nos assuntos familiares, quem está de fora não deve "meter a colher", só lhes coloquei uma pergunta, com um ar muito sério: Quando fecham o miudo na dispensa dão umas batidas na porta e emitem uns sons fantasmagóricos?
É claro que eles perceberam o sentido da pergunta, gerou-se algum mau estar repentino e o tema de conversa teve de mudar de rumo.
O medo gera sempre atitudes extremas nas pessoas, dizia o mago da rainha Elisabeth de inglaterra que perante uma situação de medo extremo, certos homens petrificam e outros ganham asas e excedem-se a si mesmo.
Pague-se para ver (o jogo do adversário)
;)))))

Margarida Corrêa de Aguiar disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Massano Cardoso disse...

Em 8 de Outubro de 2006. a propósito de um post sobre “Meter a cauda entre as pernas”… (http://quartarepublica.blogspot.com/2006/10/meter-cauda-entre-as-pernas.html) o meu amigo Pinho Cardão teceu o seguinte comentário:


Quanto " à forma de destruir a auto-estima de um trabalhador, através de meios de coacção psicológica, com o objectivo de o “abater”...", confirmo que é uma realidade, nomeadamente nos casos em que se pretende mandá-lo embora.
É matéria em que deveria haver legislação específica e dura. Orgulho-me de nunca o ter consentido nos vários sítios por onde andei.

O caso que relata é paradigmático de um fenómeno, em crescendo, mobying, que tem que ser travado. E atendendo ás circunstâncias laborais do nosso país é de esperar isto e muito mais…
No caso concreto do Amadora-Sintra eu propunha Pinho Cardão para fazer parte da administração. Seria uma garantia de respeito da dignidade humana.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Dr. Pinho Cardão
O caso relatado é estranho e gera perplexidade.
Estranho porque não se compreende como é tendo o Colégio da Especialidade da Ordem dos Médicos concluído que o cirurgião actuou inequivocamente de acordo com as melhores práticas cirúrgicas a administração do Hospital Amadora- Sintra decidiu despedir o cirurgião, acusando-o de má prática clínica. Questiono-me sobre quais os efeitos jurídicos das decisões do Colégio Especialidade sobre terceiras entidades, neste caso sobre a administração hospitalar? Qual a eficácia das suas decisões?
Talvez o Professor Massano Cardoso nos possa dar aqui uma ajudinha.
Não me espanta a utilização da medida da “cela solitária” para afastar o trabalhador do normal exercício das suas funções, com o intuito de através deste expediente reforçar uma qualquer prova de negligência ou perigosidade do trabalhador para a actividade, neste caso para a boa saúde dos doentes!
Este deverá ser mais um daqueles casos que acabará nos tribunais. Mas com as longas demoras da justiça a que já estamos habituados e admitindo que a acusação aduzida pela administração do Hospital Amadora-Sintra não tem fundamento – desmentida pelo Colégio da Especialidade – o que é poderá compensar os danos pessoais e profissionais do cirurgião?

Tonibler disse...

Complicado.

Podemos dizer que uma legislação mais adequada defenderia o direito do trabalhador, ao atribuir ao empregador o direito de o despedir? Porque é isso que está em causa...

Luís Guerreiro disse...

Eu penso que o que está realmente em causa, aqui e quase sempre, é uma questão de bom senso.

É-nos fácil falar, a nós que estamos de fora e apenas sabemos o que nos contam, temos por isso que dar o devido desconto.

Mas neste tipo de situações que o deixam a si, caro Dr. Pinho Cardão, a mim e a tanta gente, absolutamente embasbacados e que são recorrentes, parece-me sempre mais uma questão de bom-senso, ou no caso carência deste, do que problemas de legislação ou deontologia de qualquer ordem.

Parece-me evidente que um cirurgião com as valências que este, como refere, parece ter, é sempre uma mais vali para o hospital em que exerce a sua actividade. A fazer investigação? Pois que o seja, mas em condições "normais", por forma a poder contribuir da forma que melhor poder enquanto cientista.

Até que ponto será mais rentável, até nesta nova prespectiva dos "hospital-empresa", ter um seu empregado, sobretudo um muito qualificado, a efectuar trabalho, que não é o seu, nestas péssimas condições que acaba, por certo, por não ter efeitos práticos?

Falta de bom-senso e má gestão, acima de tudo, quer-me parecer.