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sábado, 16 de fevereiro de 2008

Natalidade: sabemos o que queremos?

O assunto é recorrente nas reflexões que tenho partilhado no 4R, a última das quais em Janeiro passado (ler mais aqui), porque se trata realmente de um tema importante, que diz respeito a todos e que a todos deveria interessar. Refiro-me à natalidade.
No plano político o assunto da natalidade é recorrente mas não propriamente pelas melhores razões. Explico-me.
O primeiro-ministro anunciou esta semana no debate quinzenal mais uma medida dita de “apoio à natalidade”, concretamente um programa de investimento em creches, especificamente dirigido às áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, e referiu que “o apoio à infância representa uma área fundamental para a política social. Por várias razões. (…) Em terceiro lugar, é um meio eficaz de incentivar a natalidade, assim contribuindo para a superação do problema demográfico”.
A verdade é que esta iniciativa e outras anteriormente tomadas apelidadas de “apoio à natalidade”, sendo positivas, são medidas que se inserem numa abordagem social e não constituem um incentivo à natalidade. Com efeito, a introdução de uma prestação social para grávidas a partir dos seis meses e o aumento da prestação do abono de família a partir do segundo filho durante o 2º e o 3º anos de vida das crianças, em função do rendimento das famílias, são medidas de apoio social, com uma função redistributiva que se destina a ajudar as famílias mais pobres. Ou o alargamento da prestação do abono de família às familias de imigrantes, reconhecendo-se nesta medida uma preocupação de equidade social.
Recorrentemente são anunciadas pelo governo medidas rotuladas de “natalícias”, mas que verdadeiramente não o são, antes integrando o universo das políticas sociais.
Mas recorrentemente, continua a faltar uma política de natalidade que terá que estar, a meu ver, muito virada para questões que se prendem com a repartição do tempo entre a família e o trabalho, com a articulação entre a maternidade e a carreira profissional, com as opções de escolha dos pais no tipo de acompanhamento a dar aos filhos nos primeiros anos de vida, com o acesso facilitado aos infantários e às escolas e aos cuidados de saúde (custos, localização, horários, fiscalidade, etc.) e com o acesso a novas formas de trabalho (organização, flexibilidade de horários, etc.).
O tema da natalidade é demasiado sério para não justificar uma discussão alargada envolvendo toda a sociedade. É um daqueles temas em que a sociedade portuguesa necessita de assumir determinadas opções, muitas delas com impactos em importantes domínios como a organização da vida familiar e a organização do trabalho.
Veja-se o esforço que está a ser feito na Alemanha para mudar a sensibilidade social sobre os filhos, com origem na sociedade civil e a contribuição da comunicação social. "Precisamos de mais crianças" diz a Alemanha. Iniciou-se em Dezembro passado uma campanha que passa pela publicação até Maio próximo em toda a imprensa alemã de um conjunto de anúncios para fomentar uma mudança de clima mental que consiga uma maior aceitação das crianças na sociedade alemã. Além dos anúncios impressos, todos os dias pelas 20h surge um spot de dois minutos de duração nas televisões mais importantes do país (clicar aqui, para ver um dos spots).

5 comentários:

Frederico Lucas disse...

Cara Margarida,
O que verdadeiramente me entristece é que as medidas não são tomadas de forma articulada.
Escrevo, neste momento, num dos lugares mais altos de Lisboa. Está a chover. Vejo milhares de carros em filas interminaveis, cujas familias desesperam no seu interior.
Que solução tem o Governo para este desordenamento urbano?
Quantos mais milhares de carros imobilizados precisa o governo para entender que o que falha não é a falta de vontade de ter filhos, mas sim de uma estratégia de ordenamento?
Como se justifica que o valor das cresces tenha em Lisboa um custo base igual ao valor do ordenado mínimo, quando no interior o mesmo valor permite assumir o pagamento para 7 crianças?
Será que os senhores que fazem o ordenamento deste país, que são os mesmos há 30 anos e que até são os únicos que defenderam a OTA, ainda servem?
Concordo consigo que este é um tema demasiado sério para não merecer um debate público. O António Barreto, no seu Retrato Social, introduziu muitíssimo bem o tema.
Do que esperamos?!

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Francisco Lucas
Aborda um ponto importante que constitui mesmo um dos nossos grandes problemas: a falta de articulação de políticas.
O caso que cita do "ordenamento do território" é um exemplo trágico do desordenamento das nossas políticas, de costas voltadas umas para as outras e incoerentes intertemporalmente.
Veja-se por exemplo o que se passa com as políticas de (não) desenvolvimento regional, contraditórias e desarticuladas de uma ideia para o país!
A vida em Portugal é muito difícil para a maioria das pessoas. Não está organizada para as pessoas. As cidades e os equipamentos urbanos funcionam mal, a acessibilidade a serviços essenciais - educação, saúde a justiça - é difícil para o comum dos cidadãos, etc.
Se juntarmos a esta incompetência as dificuldades económicas da maioria dos portugueses facilmente percebemos que a vontade de ter filhos, que deveria ser preservada e incentivada com "pinças", acaba numa grande frustração e em grande prejuízo para o bem-estar e o futuro de todos.
Fazer estádios de futebol, OTAs e Alcochetes e TGVs num país que não sabe cuidar das coisas mais essenciais da vida não faz sentido!

Frederico Lucas disse...

100% de acordo.

Deveremos, tal como os velhinhos dos marretas, contestar sem fazer deste descontentamento uma causa?

E depois? Vamos dizer que a culpa é dos sucessivos governos porque não leram os nossos blogs?!

(não me interprete mal. mas penso que o tempo é de acção)

Suzana Toscano disse...

Margarida, este é realmente um tema muito difícil de tratar e ainda mais de resolver, politicamente falando. Portugal é uma país que está "a meio" entre os países ricos, que já têm condições materiais para os casais terem filhos e tratá-los e educá-los de acordo com os exigentes padrões da civilização actual, e os países pobres, onde os filhos nascem a eito não porque haja política de natalidade mas porque os miúdos lá se vão criando (e morrendo)como Deus quer.Felizmente, já alinhamos com os países ricos quanto ao que desejamos para os nossos filhos, qualidade de vida, educação, conforto, assistência na saúde, crescimento equilibrado e apoiado até quase aos 30 anos de idade...Mas, como somos pobres em salários e cada vez mais em estabilidade e confiança no futuro, não nos atrevemos a fazer crescer a família, quer para nos poupar ao sofrimento de não poder dar aos filhos o que achamos indispensável, quer para poupar as crianças a essas dificuldades. De modo que ficamos a meio caminho, com as poucas crianças bem tratadas e com o pouco dinheiro a não dar para mais. Concordo consigo, as políticas de apoio social são isso mesmo, de mitigação das dificuldades, mas a questão é muito mais funda, é que já não somos "proletários" (com muita prole) mas também ainda não somos burgueses ricos...

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Frederico Lucas
Desculpe, há pouco, o "Francisco".

Suzana
Gostei muito da sua análise sociológica. Ficarmos a meio caminho não é bom. É arriscado porque à mínima distracção podemos voltar para trás. É que andar para a frente parece que dá muito trabalho. Mas é para a frente que temos que olhar!
Bem sei que o tema é muito difícil de tratar, mas não é razão para não o fazermos. Já estamos atrasados...