Há alguns dias escrevi sobre a pobreza inspirada um pouco no Estudo sobre a “Pobreza e Exclusão Social em Portugal” recentemente publicado.
Escrevi sobre a relação existente entre a pobreza e o capital escolar. Com efeito, de entre os factores estruturais aprofundados pelo Estudo que explicam a dimensão da pobreza encontra-se a educação.
Os baixos níveis de escolaridade conduzem a situações profissionais pouco qualificadas e geradoras de baixos níveis salariais, contribuindo para a precariedade do emprego, quer no que se refere à estabilidade do rendimento quer no que se refere ao seu nível. A educação assume por isso um papel fundamental no caminho do desenvolvimento.
A quebra do ciclo vicioso da pobreza revela-se difícil quando as famílias não conseguem que os seus filhos frequentem normalmente a escola porque o seu nível de rendimento e os problemas que daí derivam (não disporem por exemplo de ambiente para estudar e aprender) não permitem fazer face às despesas que lhe estão associadas, sobrepondo-se outras de maior necessidade, como é o caso da alimentação. Nestas circunstâncias o baixo nível de escolaridade e cultural dos pais não ajuda, antes funciona como uma explicação para nada mudar, tal é a barreira tantas vezes intransponível da falta de condições para proporcionar um quotidiano de vida normal, nas suas diversas componentes, designadamente a dimensão psicológica e emocional.
Assisti há alguns dias a uma excelente e educativa reportagem da SIC sobre uma família de Chão Sobral, residente na Aldeia dos Dez no Conselho de Oliveira Hospital. Trata-se de uma família rural numerosa, constituída por onze membros, pais e nove filhos com idades compreendidas entre os quatro e os vinte e três anos de idade. A história de vida desta família – Família Luís - impressionou-me pela sua sabedoria e riqueza de espírito em contraste com a presença de grandes dificuldades e obstáculos materiais causados pela sua fraca condição económica e social.
Na Família Luís, que se sustenta com um rendimento mensal que não chega a dois salários mínimos nacionais - obtidos numa oficina caseira de fabrico de facas com cabo de madeira – e com alguns apoios sociais e a solidariedade da comunidade local, todos os filhos estudam, com excepção da filha mais pequenita ainda com quatro anos. Os três filhos mais velhos estão a frequentar o ensino superior em Coimbra e sustentam-se com bolsas de estudo. Não trabalham para poderem estudar e vivem numa residência colectiva, contando exclusivamente com aquele apoio escolar, pois os pais não os podem ajudar.
Os pais sempre tiveram a preocupação de incentivar os filhos a estudar e entendem que os seus sacrifícios, que são muitos, são sustentáveis enquanto os filhos o quiserem fazer. Este querem e desejam fazê-lo. Estes pais sabem que a vida dos seus filhos só poderá ser melhor do que a deles se estudarem e se obtiverem uma qualificação profissional. Os filhos mais velhos falam com alegria do amor e generosidade dos seus pais e têm a certeza que vão vencer as adversidades e conseguir aproveitamento escolar para, antes de tudo o mais, ajudar os pais na educação dos irmãos mais novos.
O que impressiona nesta Família é a enorme sabedoria e riqueza de espírito, em particular dos pais, que a mobiliza na vontade, esperança e certeza de que tudo devem fazer para que todos os filhos tenham a oportunidade de estudar, com condições que lhes permita um bom aproveitamento escolar. Desejam que na escola aprendam muito e que também se distraiam. É o nobre e consequente desejo de uns pais, contagiado aos filhos mais velhos, que querem que os filhos não pensem demasiado nas dificuldades da falta de dinheiro, que sonhem e projectem coisas boas para as suas vidas.
Há em Portugal muitas famílias “Luís” com fracos recursos financeiros e muitas dificuldades para quebrar o ciclo da pobreza em que se encontram e de contrariar a sua própria condição de exclusão social. Mas, infelizmente, ainda são poucas as famílias “Luís” com pais tão lúcidos e tão corajosos, tão educados e tão cultos, mobilizados para transpor as dificuldades que os apoios sociais quase inexistentes não ajudam a esbater.
Esta história ajuda-nos a perceber melhor o que é pobreza em Portugal e a necessidade de tomarmos verdadeira consciência que temos obrigação de dar oportunidades às famílias “Luís” para entrarem no ciclo virtuoso do desenvolvimento. Pensemos micro ou pensemos macro, a pobreza não tem que ser uma fatalidade para quem dela sofre e para o País! Fingir que a pobreza não é uma realidade brutal e estigmatizante para quem dela padece e para o bem estar colectivo é negar aquilo que é verdadeiramente importante na nossa existência!
Escrevi sobre a relação existente entre a pobreza e o capital escolar. Com efeito, de entre os factores estruturais aprofundados pelo Estudo que explicam a dimensão da pobreza encontra-se a educação.
Os baixos níveis de escolaridade conduzem a situações profissionais pouco qualificadas e geradoras de baixos níveis salariais, contribuindo para a precariedade do emprego, quer no que se refere à estabilidade do rendimento quer no que se refere ao seu nível. A educação assume por isso um papel fundamental no caminho do desenvolvimento.
A quebra do ciclo vicioso da pobreza revela-se difícil quando as famílias não conseguem que os seus filhos frequentem normalmente a escola porque o seu nível de rendimento e os problemas que daí derivam (não disporem por exemplo de ambiente para estudar e aprender) não permitem fazer face às despesas que lhe estão associadas, sobrepondo-se outras de maior necessidade, como é o caso da alimentação. Nestas circunstâncias o baixo nível de escolaridade e cultural dos pais não ajuda, antes funciona como uma explicação para nada mudar, tal é a barreira tantas vezes intransponível da falta de condições para proporcionar um quotidiano de vida normal, nas suas diversas componentes, designadamente a dimensão psicológica e emocional.
Assisti há alguns dias a uma excelente e educativa reportagem da SIC sobre uma família de Chão Sobral, residente na Aldeia dos Dez no Conselho de Oliveira Hospital. Trata-se de uma família rural numerosa, constituída por onze membros, pais e nove filhos com idades compreendidas entre os quatro e os vinte e três anos de idade. A história de vida desta família – Família Luís - impressionou-me pela sua sabedoria e riqueza de espírito em contraste com a presença de grandes dificuldades e obstáculos materiais causados pela sua fraca condição económica e social.
Na Família Luís, que se sustenta com um rendimento mensal que não chega a dois salários mínimos nacionais - obtidos numa oficina caseira de fabrico de facas com cabo de madeira – e com alguns apoios sociais e a solidariedade da comunidade local, todos os filhos estudam, com excepção da filha mais pequenita ainda com quatro anos. Os três filhos mais velhos estão a frequentar o ensino superior em Coimbra e sustentam-se com bolsas de estudo. Não trabalham para poderem estudar e vivem numa residência colectiva, contando exclusivamente com aquele apoio escolar, pois os pais não os podem ajudar.
Os pais sempre tiveram a preocupação de incentivar os filhos a estudar e entendem que os seus sacrifícios, que são muitos, são sustentáveis enquanto os filhos o quiserem fazer. Este querem e desejam fazê-lo. Estes pais sabem que a vida dos seus filhos só poderá ser melhor do que a deles se estudarem e se obtiverem uma qualificação profissional. Os filhos mais velhos falam com alegria do amor e generosidade dos seus pais e têm a certeza que vão vencer as adversidades e conseguir aproveitamento escolar para, antes de tudo o mais, ajudar os pais na educação dos irmãos mais novos.
O que impressiona nesta Família é a enorme sabedoria e riqueza de espírito, em particular dos pais, que a mobiliza na vontade, esperança e certeza de que tudo devem fazer para que todos os filhos tenham a oportunidade de estudar, com condições que lhes permita um bom aproveitamento escolar. Desejam que na escola aprendam muito e que também se distraiam. É o nobre e consequente desejo de uns pais, contagiado aos filhos mais velhos, que querem que os filhos não pensem demasiado nas dificuldades da falta de dinheiro, que sonhem e projectem coisas boas para as suas vidas.
Há em Portugal muitas famílias “Luís” com fracos recursos financeiros e muitas dificuldades para quebrar o ciclo da pobreza em que se encontram e de contrariar a sua própria condição de exclusão social. Mas, infelizmente, ainda são poucas as famílias “Luís” com pais tão lúcidos e tão corajosos, tão educados e tão cultos, mobilizados para transpor as dificuldades que os apoios sociais quase inexistentes não ajudam a esbater.
Esta história ajuda-nos a perceber melhor o que é pobreza em Portugal e a necessidade de tomarmos verdadeira consciência que temos obrigação de dar oportunidades às famílias “Luís” para entrarem no ciclo virtuoso do desenvolvimento. Pensemos micro ou pensemos macro, a pobreza não tem que ser uma fatalidade para quem dela sofre e para o País! Fingir que a pobreza não é uma realidade brutal e estigmatizante para quem dela padece e para o bem estar colectivo é negar aquilo que é verdadeiramente importante na nossa existência!
7 comentários:
Caríssima Margarida,
Se neste comentário me limitasse a concordar das considerações e reflexões que deixa reflectidas no seu texto, revelaria a meu ver, falta de consideração quer pelo autor quanto pelo esforço dispendido para o esculpir.
Nenhum desses sentimentos se verifica, quer em relação a um ou ao outro.
E, como ficou uma "ponta" fora da meada, sobejante do grandioso "A "longa metragem" da pobreza (I)" volto para afirmar a minha concordância com o seu "olhar", mas também para, reiterando a minha opinião acerca da formação académica, como única base de sustentação para a evolução de uma sociedade, permitir-me "puxar para este espaço um pequeníssimo excerto do texto, que continua a ser em meu entender o motor para essa evolução quer haja ou não lugar e (ou) condições para a formação desejável.
"Os filhos mais velhos falam com alegria do amor e generosidade dos seus pais e têm a certeza que vão vencer as adversidades e conseguir aproveitamento".
Não conclui a frase precisamente porque entendo que este "aproveitamento" pode ter o mesmo valor que se atribui ao amor aconchegado entre a alegria e a generosidade.
Soubesse a igreja de Cristo confeccionar cocktails com um poder igual a este que a família Luis mistura no seu shaque e... duvido cara Margarida que fosse de tanta valia possuir um diploma.
No entanto e apanhando (ou tentando apanhar) o trem do entendimento, creio que está na origem deste "dogma" o facto de ainda se ter entendido muito mal a diferença entre saber e conhecer.
Dizem as regras maçon, ministradas aos seus iniciados que devem conhecer para amar, que o saber é efémero e que conduz somente a uma situação passageira, ao contrário do conhecimento que deve ser eterno e convictamente inabalável.
Concluímos sem margem para dúvidas que a família de que nos fala, cara Margarida, a família Luis, detém no seu seio o conhecimento essencial, por isso, ama, por isso é amada.
Um dia que este simples princípio seja entendido em toda a sua plenitude, então as sociedades passarão a ser solidárias e construtivas.
Caríssima Margarida,
Não tive a oportunidade atempada para a felicitar pelo post anterior sobre este tema, pelo que o faço agora.
All,
A história da família Luís é mais interessante do que se possa pensar.
Como seria se, em vez de viverem na Aldeia dos Dez, num ambiente rural onde se aprendeu há muitas décadas a conviver com a pobreza, vivessem na Damaia de Cima? Seria o mesmo clima, a mesma "Cultura"?
Teria o Pai Luís um Renault 19 comprado graças ao milagre crédito e por consequência andariam alguns dos filhos estudantes a tentar salvar o Pai do cobrador da financeira?
Pois. Estou certo que julgarão que se trata de especulação - da barata por sinal - e por isso temos todos a oportunidade de ficarmos menos tristes.
A nossa cultura de consumo tem consequências que não imaginamos. E apenas por isso estranhamos esta estória. Posso, sem esforço, apontar mais 10 casos da família Luís na Beira Interior. E, também sem esforço, a DECO identificará 10.000 familias com rendimentos iguais a 10 ordenados mínimos a viver debaixo do desespero e por vezes de fome.
Deveremos ensinar aos estudantes que o maior património que poderão adquirir é a sua formação, por ter depois um factor multiplicador nos seus rendimentos?
Como poderíamos operacionalizar uma iniciativa deste tipo?
Margarida, os seus postes são sempre importantes chamadas de atenção que não por acaso atraem reflexões e contributos importantes como os que deixaram Bartolomeu e Frederico
Caro Bartolomeu
Gostei muito da sua reflexão. Na verdade os valores mais simples, aqueles que dão sentido à vida, são muitas vezes complicados de entender e depois mais difíceis ainda de cultivar. O amor e a generosidade que sentimos naquela Família fazem-nos compreender a serenidade mas também a força que a mobiliza para darem um sentido à vida. Porque as dificuldades são muitas...
Caro Frederico Lucas
Muito obrigada pelas simpáticas palavras.
Tem muita razão na sua análise. No meio rural a entreajuda e a solidariedade estão bastante mais presentes. A proximidade de vizinhança e hábitos de vida menos urbanos são factores que contribuem para uma vida mais humanizada.
José Mário
De vez em quando falar de uns temas mais incómodos também é preciso...
(...) O que impressiona nesta Família é a enorme sabedoria e riqueza de espírito, em particular dos pais, que a mobiliza na vontade, esperança e certeza de que tudo devem fazer para que todos os filhos tenham a oportunidade de estudar, com condições que lhes permita um bom aproveitamento escolar. (...)
Impressiona, de facto, mas a mim o que sempre me causa impressão é a opção de colocar no mundo 9 (!) filhos sem a certeza de conseguir rendimentos que permitam não só o estudo mas o suprimento de tantas outras necessidades básicas. Porque ter a capacidade de estudar num ambiente tão fortemente adverso é de facto mérito das próprias crianças desta família, agora jovens estudantes. O enquadramento social, que não se restringe ao círculo familiar e ao longo de toda a vida molda a personalidade de cada índividuo é francamente adverso a estes 'objectos de estudo' - não vejo que lhes tenha sido atribuída por si outra categoria - e começou por ser na casa dos pais que sem qualquer projecto de vida procriam para além do que o rendimento disponível lhes permite oferecer aos filhos...
É triste ler o seu post escrito em tom de Condessa de Ségur, só lhe faltou rematar com um condescendente "Pobre mas limpinhos" enquanto em fundo se ouve Amália:
Numa casa portuguesa fica bem
pão e vinho sobre a mesa.
Quando à porta humildemente bate alguém,
senta-se à mesa co'a gente.
Fica bem essa fraqueza, fica bem,
que o povo nunca a desmente.
A alegria da pobreza
está nesta grande riqueza
de dar, e ficar contente.
Quatro paredes caiadas,
um cheirinho á alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
um São José de azulejo
sob um sol de primavera,
uma promessa de beijos
dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!
No conforto pobrezinho do meu lar,
há fartura de carinho.
A cortina da janela e o luar,
mais o sol que gosta dela...
Basta pouco, poucochinho p'ra alegrar
uma existência singela...
É só amor, pão e vinho
e um caldo verde, verdinho
a fumegar na tigela.
Quatro paredes caiadas,
um cheirinho á alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
um São José de azulejo
sob um sol de primavera,
uma promessa de beijos
dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!
=^.^=
Cara Margarida
Quando me preparava para intervir sobre este tema deveras pertinente que permite uma abordagem séria, dei-me conta que uma tal lua mais ana, ataca o problema como é normal dos chamados "amigos do povo", para depois à laia de "vingança por existirem os coitadinhos", chamar a capítulo a condessa de Ségur e "recitar" uma versalhada à boa maneira do ataca zé para não teres que entrar em disputa, sabendo bem que com estas teorias demagógicas, se enganam os incautos e os ingénuos. Deixemo-nos de política baixa e saiamos pela porta da frente, defendendo e bem como a Margarida fez - e de resto todos os outros comentadores a quem teço elogios pela lucidez revelada - aspectos que sendo pungentes são a realidade, inultrapassável para já.
Cara Nuala
Não creio que alguém tenha autoridade para julgar sobre as opções dos pais desta Família ao afirmar que "...começou por ser na casa dos pais que sem qualquer projecto de vida procriam para além do que o rendimento disponível lhes permite oferecer aos filhos...".
O mesmo já não direi sobre as falhas existentes no nosso sistema de protecção social que existe para apoiar e ajudar quem realmente precisa.
Caro antoniodasiscas
O caminho não se faz castigando quem porventura pelas suas opções de vida vem mais tarde a debater-se com dificuldades. Por maioria de razão, apoiar quem precisa e valoriza esse apoio é o caminho...
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