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quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Fundamentalismo médico no Egipto

O problema da falta de órgãos para transplantes tem originado o aparecimento de situações eticamente reprováveis. A carência é de tal forma grave que está a fomentar o tráfico e a originar novas formas de comércio. Têm sido relatados inúmeros casos, por esse mundo fora, que vão desde o rapto e roubo de órgãos, à sua compra em países e comunidades miseráveis para não falar do lucrativo negócio das autoridades chinesas com os órgãos de criminosos executados com um tiro na nuca, forma muito interessante de liquidar uma pessoa, já que não “adultera” a qualidade dos “subprodutos”. Também começa a preocupar a corrente norte-americana para legalizar o comércio de órgãos, dando voz à dinâmica de um mercado em que a procura ultrapassa, e em muito, a oferta, argumentando os defensores ser uma forma de regulamentar a actividade, “evitando” abusos!
Importa realçar que a técnica de transplantes constitui, em muitas situações, a única forma de garantir a sobrevivência e a qualidade de vida de muitos doentes. Nesta perspectiva, doar órgãos não é só legítimo como eticamente desejável, não obstante as críticas por parte de correntes conservadoras que, no início, se opunham a esta prática contra natura! Critérios religiosos que julgava terem caído no esquecimento ou mesmo abandonadas. Mas não! Ontem, li uma notícia que me surpreendeu. O sindicato dos médicos do Egipto decidiu proibir os seus filiados de realizarem transplantes de órgãos entre cristãos e muçulmanos. Quem o fizer será interrogado e castigado! A razão invocada pelos médicos prende-se com a necessidade em proteger os muçulmanos pobres dos cristãos ricos que compram os seus órgãos.
Este sindicato de médicos egípcio é um ninho de mentecaptos! Querem-nos convencer de quê? Que os “impolutos” sultões e milionários muçulmanos não são, também, capazes de estiolar ou mandar estiolar corpos de cristãos para lhe ficarem com os órgãos! Julgam eles que o Profeta ou Alá se importam muito com a origem étnica ou religiosa dos órgãos ou o seu destino? Os próprios líderes religiosos cristãos e muçulmanos vieram a público manifestar indignação com esta tomada de posição, já que pode ser mais uma razão para aumentar a conflitualidade inter-religiosa.
A atitude dos responsáveis da classe médica do Egipto merece a mais profunda revolta, porque além de um fundamentalismo patológico viola os nobres princípios da medicina.
Há três anos, uma pequena notícia marcou-me de uma forma particular. Nunca mais a esqueci, porque é tão nobre que constitui uma da mais belas lições que podemos receber. Por estes motivos, devo partilhá-la.
Uma criança palestiniana foi morta por soldados israelitas. Tinha 13 anos. A família decidiu doar os órgãos a seis israelitas, com um propósito humanitário e em nome das crianças do Mundo, sem nunca olhar ao credo religioso dos necessitados.
Um gesto de altruísmo que não foi, ainda, captado para as bandas dos médicos do Egipto.
Como é possível?

3 comentários:

Pinho Cardão disse...

De facto, o mundo não vai nada bem, caro Professor. Se até já classes ilustradas como os médicos pensam desta maneira...

Suzana Toscano disse...

Pergunta bem, como é possível? Como é possível um colectivo de médicos ter pensado nisto, discutido o assunto, reunir acordos - livremente ou com medo, neste caso ainda é pior - e tomar e publicar a decisão? Para cúmulo, sob a capa hipócrita de impedir que ricos beneficiem dos órgãos dos pobres, sendo que os ricos são cristãos e os pobres árabes, na sua ponderação louca e abominável. Médicos, racistas e fanáticos, tudo numa mistura explosiva. Como é possível?

Anónimo disse...

Sim, como é possivel?...