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quarta-feira, 10 de setembro de 2008

As Time Goes By

A minha mãe é uma excelente conversadora. Ouve com imensa curiosidade e faz perguntas sobre todas as novidades. Sabe sempre as notícias, acompanha a política e não é raro ser ela a telefonar-me a dar nota de alguma coisa que soube e que acha que me pode interessar. O meu pai vivia fascinado pelas descobertas científicas, pelos progressos tecnológicos, pelos mistérios da história, por tudo o que pudesse modificar a vida das pessoas e provasse a inteligência e a capacidade de surpreender.
De modo que em minha casa era fácil e estimulante contar e ouvir, do mesmo modo que os preconceitos e a tacanhez de espírito eram considerados uma forma lamentável de mediocridade que a rotina alimentava.
Foi à espera do seu habitual interesse que há dias resolvi contar à minha mãe o post que a Margarida aqui escreveu, e daí derivei para os avanços da ciência no tratamento das pessoas. Talvez os jovens de hoje possam viver 120 anos ou mais, dizia eu, com partes novas no corpo, como acontece com as árvores, quando se corta um ramo seco e nasce outro. Ela ouviu, muito calada, e depois disse: -“Sabes, já não sou deste mundo. Já não reconheço nada do que há à minha volta.”
E explicou-me que dantes as coisas levavam muito tempo a mudar. Passavam anos e a vida era sempre a mesma, a quinta dos avós estava lá, com os velhos caseiros. A casa dos pais tinha mobília que ela sempre tinha visto, as pessoas moravam na mesma rua desde que nasciam até que se casavam e depois iam visitar os pais que lá continuavam. Um avanço científico era falado durante anos como uma novidade. Agora, dizia ela, quando está uns tempos sem ir a uma loja, já não está lá loja nenhuma, nem a senhora que a atendia, nem nada. Nesse lugar há um centro comercial onde ninguém se conhece e onde ela se perde e já não pode ir sozinha. Já não há as casas de Benfica, onde moravam os tios todos, nem a quinta de Sintra, que o pai dela comprou quando era pequena e onde nós passávamos as férias. Os exemplos sucediam-se. Não são só as pessoas que morreram, insistia, é que tudo desaparece de um dia para o outro e depois já nem me lembro do que é que havia naqueles lugares. As coisas e os lugares já não me dizem nada. As minhas netas vivem em países que eu não cheguei a conhecer mas partem de manhã e vêm almoçar, mas parece que a vida é igual em todo o lado. Mudam tanto, que não chegam a conhecer coisa nenhuma.
Eu nunca tinha pensado nesse verdadeiro sentido de vivermos numa época de mudança. Todas as nossas referências são eliminadas, as estradas novas baralham-nos as rotinas quase todas as semanas, os campos somem-se pelas urbanizações, as casas são antigas de 10 anos quando antes eram centenárias.
Os meus pais levavam-nos a passear aos sítios onde tinham vivido a juventude e estava lá tudo, nós podíamos imaginá-los a atravessar aquela rua, a bater àquela porta sem campainha, víamos os modelos dos carros que eles tinham tido durante anos, igual àquele, estás a ver? Por todo o lado havia permanência, mudavam as pessoas mas a paisagem era muito lenta na sua transformação, era fácil reviver as memórias, reconhecer-se nos espaços e identificar vivências comuns.
Hoje, os nossos vestígios desaparecem de um dia para o outro e temos que encontrar novos pontos de referência, absorvê-los e torná-los nossos para nos sentirmos de novo em casa. Até que desistimos de tomar posse, e habituamo-nos a estranhar em permanência.
Deve ser por isso que é cada vez mais difícil contar histórias às crianças, temos que ver quais são os heróis que a televisão apresentou há 15 dias ou comprar um livro que já tenha a versão moderna onde o capuchinho vermelho seja um polar do Decatlon e o lobo seja um dinossauro telecomandado. As histórias da avozinha são chinês para as crianças do séc. XXI.
A minha mãe esperou mais de oitenta anos para se sentir fora deste mundo. Nós andamos todos os dias a correr atrás do mundo que foge de nós, que se apaga à nossa frente levando com ele os registos que nos ajudavam a lembrar que ainda ontem existíamos…
É verdade que somos novos mais tempo. Mas abreviámos a memória.

10 comentários:

Bartolomeu disse...

Com efeito, cara Suzana, a observação inquietante de sua mãe, é cada vez mais coerente, cada um de nós não pertence já a este mundo. estes tempos apressados em que se vive e que não nos permitem escapar-lhes, empurram-nos todavia para uma eclusão.
A forca centrípeta, acasala e alimenta a força centrífuga e nem me parece neste caso, que se verifique a regra da atracção dos oposto. Estaremos provávelmente e à luz do entendimento daqueles que como a mãe da cara Drª. Suzana, tiveram toda a sua vida referências concretas quer físicas, quer morais, no caminho da dinâmica do caos.
Pessoalmente quero acreditar que todas as transformações radicais a que assistimos, irão resultar num novo equilíbrio. As características humanas, tal como as conhecemos, são incompatíveis com a desordem e não subsistem por muito tempo nesse ambiente. Contudo, a humanidade não perdeu ainda a capacidade de se regenerar e reequilibrar, apesar de, e verificamos isso observando os factos no decorrer da sua história, que é necessário que sobrevenham grandes convulsões, para que o equilíbrio volte a ser conquistado. Estranha existência a nossa, quanto mais a raça humana consegue evoluir em termos de descobertas científicas, mas dependente fica frágil se torna e mais se aproxima do embrutecimento.

Bartolomeu disse...

parece-me que escrevi ali em cima eclusão... talvez quisesse escrever eclosão(?!) estava a ver se escapava, mas vou mesmo ter de voltar às aulas nocturnas e tentar acabar a 3ª classe.

jotaC disse...

Cara Dra. Suzana Toscano:
Permita-me que lhe diga que a sua Mãe é uma Filósofa e nada do seu tempo, pelos vistos, lhe passou ao lado sem que ela visse!
Este texto de tão reflexivo causa-me sentimentos contraditórios: de um lado, um sentimento de nostálgico do tempo vivido até à minha adolescência, em que tudo era lento e a vida corria devagar e sempre igual; do outro lado, o gosto que tenho em viver este tempo actual de mudança contínua, em que tudo corre cada vez mais depressa e onde apesar de não haver o tempo (que a sua Mãe teve) de vermos tudo o que nos passa ao lado, não deixa de ser o tempo das maravilhas…
Talvez não me esteja a fazer entender, visto que estou a expor sentimentos contraditórios. Mas o que eu quero dizer é que devemos viver o nosso tempo, gozando-o da melhor forma possível de acordo com os nossos padrões, respeitando naturalmente os dos outras.
Há coisas que foram e ainda são iguais…

you must remember this
A kiss is still a kiss
A sigh is just a sigh
The fundamental things
Apply
As time goes by
And when two lovers woo
They still say
"I love you"
On that you can rely
No matter
What the future brings
As time goes by
Moonlight
And love songs
Never out of date
Hearts
Full of passion
Jealousy and hate
Woman needs man
And man
Must have his mate
That no one can deny
It's still
The same old story
A fight for love
And glory
A case of do or die
The world will always
Welcome lovers
As time goes by

Tiago Soares Carneiro disse...

Isto os jornalistas não dizem. Estão feitos com o sistema que enterra o país...

Vim aqui só para dizer que ontem soube que:

Há uma escola onde os alunos passam com 5 negativas. Sempre. Sem ponderação.
Com 5 passam!

NESTA ESCOLA PASSAM COM 5 NEGAS...

E se for a 3ª vez no 7º passam com todas.

O resto da notícia no meu blog.

Por esse motivo encerrei o meu blog:
http://democraciaemportugal.blogspot.com

Abraço

Anónimo disse...

Excelente reflexão, Suzana.
A aceleração da história tem este reflexo nas pessoas. As dinâmicas de mudança imprimem tal ritmo à vida, que os factos, mesmo os mais relevantes, tendem a ter a volatilidade da notícia.
As gerações mais novas estão já formatadas para esta banalização da mudança. Essas só estranharão a desaceleração da História, se algum dia ela vier a ocorrer.

Rosário disse...

Excelente! Não poderia estar mais de acordo com o que diz e com o modo como conclui a reflexão:
"... andamos todos os dias a correr atrás do mundo que foge de nós, que se apaga à nossa frente levando com ele os registos que nos ajudavam a lembrar que ainda ontem existía". Pra mim, isto diz tudo:-)

Bartolomeu disse...

Caro Dr. J.M. Ferreira de Almeida,
as acelerações e desacelerações da história, a que se refere, não estão relacionadas com a experiência que os cêntistas da Org. Europ. Para Inv. Nuclear vão accionar, na esperança de simular as condições que existiram logo a seguir ao Big Bang?
;)
Partindo do princípio que a teoria de Einstein é correcta e, a essa interrogação só o universo consegue responder com exactidão, seguem-se duas alternativas possíveis, o Big Freeze, ou o Big Crunch, nunca o Big Black Hole.
Seja qual for o caminho, será sempre ditado pela dinâmica do universo.
Peço-lhe desculpa pela brincadeira.

Anónimo disse...

Ora essa, meu caro Bartolomeu. Saborosa e oportuna a brincadeira, como habitualmente, de resto.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Cada vez mais a nossa memória não pode ser "recordada" com referências físicas porque estas desaparecem e são substituídas por outras. A sua permanência é cada vez mais reduzida.
Por isso a nossa memória precisa de se fortalecer para que não esqueçamos as imagens daquelas referências que constantemente desaparecem. É um grande desafio!

Suzana Toscano disse...

Caro Bartolomeu, gosto dessa expressão da "dinãmica do caos" e também acredito que isto não e o fim do mundo, mas é certamente uma maneira completamente nova de viver.
Cato Jotac, não são sentimentos contraditórios, até porque somos obrigados a conciliá-los para vivermos relativamente bem, a sabedoria está em conseguirmos tirar de cada uma das tendências - a de viver a vertigem e a de manter uma identidade - o que cada uma tem de bomp ara oferecer. Obrigada pela publicação do poema da canção que me inspirou para o título, é um excelente complemento, ainda por cima positivo, da minha reflexão!
Caro Ferreira d'Almeida, receio que essa desaceleração, a existir,seja brusca,por destruição não por acalmia, mas pode ser que se encontrem sempre novos equilíbrios, não podemos evoluir só no tecnológico.
Obrigada cara Rosário, por também artilhar connosco esse seu sentimento perante a mudança meteórica à nossa volta.
Pois é, Margarida, temos que reforçar a capacidade de armazenamento da memória, em vez de a poupar... :)