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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Vacinas e autismo

Uma das maiores conquistas da humanidade prende-se com a descoberta e a utilização das vacinas. Centenas de milhões de pessoas devem a vida a esta prática que se tornou rotineira e abrangente face ao complexo mundo de inúmeros “microagressores”. Apesar de todas as conquistas e aperfeiçoamento tecnológicos associados às maravilhosas evidências científicas neste setor, mesmo assim existem detratores que põem em causa as suas vantagens. Todos têm direito à sua opinião, mesmo que não seja racional e inteligente. Neste caso não há muito a fazer. Se forem adultos, então que se amanhem. Não querem ser vacinados? Bom, podem não querer, mas para algumas são obrigados por imposição da legislação. E ainda bem. As medidas legislativas que impõem a obrigatoriedade de vacinação contra certas doenças é uma forma de proteger a saúde de cidadãos. Na prática, o não respeito não se faz acompanhar de medidas sancionatórias. Certo é que pode ter algumas consequências, como não permitir a matrícula nalgum estabelecimento de ensino e, até, dificultar ou impedir o acesso à atividade profissional. Situações limite que, na prática, não são atingidas, porque as pessoas acabam por as acatar. O pior são alguns grupos que recusam sistematicamente a vacinação por motivos “ecológicos” ou doutrinários. Nestes casos, as crianças poderão ser as principais vítimas dos preconceitos paternais que podem por em causa a saúde dos filhos, levando-os à morte. É compreensível que, caso surjam evidências de perigo para a saúde das crianças, provenientes da vacinação, os opositores se sintam “legitimados” nas suas condutas. Foi o que aconteceu quando a partir de um estudo publicado em 1998, numa revista médica altamente prestigiada, The Lancet, se estabeleceu uma relação entre o autismo e a composição de algumas vacinas que continham uma substância denominada timerosal, um derivado do mercúrio.
O autismo é uma situação problemática em que as crianças ficam afetadas na comunicação e no relacionamento, podendo ser altamente disfuncional em termos comportamentais. Existem estudos de que este problema está em crescendo. As causas não são bem conhecidas e além dos fatores genéticos são apontadas outras, externas, resultantes de exposição a toxinas e infeções. O estudo em causa veio reforçar a opinião de alguns pais que viam naquela prática a causa dos males dos seus filhos. Durante todo este tempo, acompanhei com algum interesse o debate e a investigação a propósito desta associação que levou a reformular a composição de algumas vacinas e ao crescente medo em vacinar a pequenada, sobretudo com a vacina tríplice, que na Inglaterra chegou a atingir foros de recusa altamente preocupantes ao ponto de causar apreensão face a novas epidemias do sarampo, com todas as terríveis consequências que esta doença pode provocar. No meio disto tudo, os pedidos de indemnização devidos à utilização do timerosal não se fizeram esperar. Entretanto, os vários estudos epidemiológicos começaram a não conseguirem evidenciar a tal associação e muito menos estabelecer os nexos de causalidade. Mas a situação começou a impregnar as sociedades ao mais alto nível e com intensidade muito forte nos restantes, pelo que foi quase impossível desfazer a ideia inicial.
Pois bem, agora, ao fim de 12 anos, a revisa médica britânica acaba de retirar do seu arquivo o polémico artigo. Esta retratação surge na sequência de um pedido formal nesse sentido efetuado noutra publicação científica, The British Medical Journal. Afinal, o autor do artigo, Andrew Wakefield, é acusado de má conduta científica. Trabalhava para os advogados de pais que achavam que os filhos tinham sido vítimas das vacinas. Todo o processo de investigação foi posto em causa, em termos de metodologia científica e ética com desprezo total pelos interesses e direitos das crianças. Wakefield e os restantes coautores correm riscos de virem a ser penalizados.
A má conduta e a fraude científica constituem realidades que não devemos escamotear e que podem perigar a segurança e o bem-estar de outros, alimentando, muitas vezes, certas pessoas que aguardam ansiosamente por factos ou informações suscetíveis de legitimar as suas condutas ou doutrinas, mais do que discutíveis, a raiarem mesmo o crime.
E agora? Agora, não vai ser nada fácil descontaminar a poluição mental provocada.

2 comentários:

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Professor Massano Cardoso
Não conhecia o caso que aqui nos trouxe.
Em todas as actividades há profissionais com condutas reprováveis e condenáveis que normalmente lesam interesses de terceiros.
Quando estamos a falar de profissionais ligados à saúde essas condutas ganham uma perigosidade enorme.
O ponto é que por mais perfeitos que sejam os quadros legais, designadamente os regimes sancionatórios, nunca será possível impedir comportamentos como aquele aqui nos relatou.
Mas será que esses quadros legais são suficientemente preventivos e disuasores de tais comportamentos?

Catarina disse...

A falta de honestidade, integridade e de ética profissional é tão preocupante, principalmente, quando se trata de entidades que, no passado, não seriam motivo de quaisquer suspeitas de má conduta, nomeadamente, médicos e a comunidade científica.