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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Poupança ou desperdício?

Os jornais dos últimos dias(quase todos) trazem-nos várias notícias que, a confirmar-se, merecem alguma reflexão para além dos habituais parâmetros das leituras orçamentais. O combate ao défice inclui, como sempre, a decisão de uma nova redução de pessoal, depois da afirmada redução de 65 000 nos últimos anos. Devo dizer que esta métrica me faz alguma confusão, uma vez que não percebo como é que se contabiliza essa poupança como virtuosa sem esclarecer que tipo de funcionários é que saíram (em geral para a reforma) e vão continuar a sair.
Uma nova alteração no regime de reforma e pensões irá provocar uma verdadeira corrida à reforma antecipada, o que constituirá certamente uma preciosa ajuda a que se alcance a tal meta da nova redução. Com esta alteração anuncia-se que “o Governo quer poupar 28 milhões de euros nas pensões”, reduzindo a média anual nas pensões futuras em 1244 € (Correio da Manhã de ontem).
Não tenho dúvidas de que, em termos contabilísticos, se gastará talvez menos dinheiro na respectiva classificação orçamental com o peso dos salários, o que eu pergunto é se o que se vai poupar compensa, mesmo em termos financeiros, o que se vai perder. Por outras palavras, não entendo como é que o que se paga em salário, por exemplo, a um médico no auge da sua carreira, ou a um professor com larga experiência, ou a um técnico qualificado num ministério, é inscrito apenas na coluna da despesa e não se atribui nenhum valor à contraprestação do seu trabalho. Se sair poupa-se porque o que produz parece não ter nenhum valor económico?…Gostaria de saber qual é a empresa privada onde este discurso fosse o eleito para estimular a produtividade e a competitividade, primeiro investe-se na formação, dá-se experiência, deixa-se criar nome e competências e depois anuncia-se que e que o que se espera é que se vão embora quanto antes. E, de seguida, apresenta-se aos accionistas um enorme êxito na redução de despesas, sem referir a consequência e dimensão da consistente redução da capacidade operacional da empresa no seu “core business…”
Curiosamente, os mesmos jornais dão notícia de ruptura em vários serviços do Sistema Nacional de Saúde, por falta de médicos qualificados ou simplesmente de médicos, havendo no entanto verbas para contratar empresas que por sua vez contrataram médicos que por esta via vão “prestar serviços” aos hospitais e centros de saúde. Calculo que estas despesas não sejam contadas como despesa de pessoal, mantendo-se assim os níveis de aplauso quanto à poupança na respectiva rubrica. Mas também dizem que há uma total incapacidade de o sector público de saúde concorrer com a contratação de médicos pelo sector privado, que está a absorver quer os que se reformaram antes de tempo para fugir “à poupança” com as novas regras, quer os que optam por carreiras e salários mais atractivos neste sector. É certo que continuamos a manter a rubrica “investimentos” em bom ritmo, pelo menos é o que dizem, e que vamos construir mais uns 5 ou 6 hospitais, todos muito bem equipados. O problema é que não há quem fique lá a trabalhar… Poupança ou desperdício?

5 comentários:

Bartolomeu disse...

Astigmatismo e surdêz... agudos!

Adriano Volframista disse...

Cara Suzana Toscano

Levanta alguns pontos importantes e que ilustram o actual momento.
Este Governo e não só, publica dados avulsos e, com essa publicação parcelar, descansa quanto à transparência.

Veja alguns dados que sairam:

Depositos portugueses em off shores durante o ano de 2009: 6. mil milhões

Derrapagem dos Hospitais Empresas (se não estou enganado) 1.5 mil milhões

Saídas da Função Pública 65.000, mas estes números são do SIOE e significam que deixaram o perímetro interno público, não significa que tenham deixado de trabalhar (alguns são reformados); nesta contabilidade há que ter em conta que uma parte - número que não tenho calculado- dos funcionários "passaram" para o perímetro alargado do Estado: EPEs, IP e outros.

As contas tornam-se um pouco mais complicadas e menos claras, muito menos claras.

Cumprimentos
joão

Suzana Toscano disse...

Sem dúvida, caro João, talvez por isso se persista na fórmula...

Fartinho da Silva disse...

Excelente análise. É pena que a caça às bruxas seja a política habitual de quem tem "governado" o nosso país nos últimos anos. Triste o facto de uma boa parte da população não ter disponibilidade para fazer uma reflexão séria no que se tem passado e no que se passará a curto/médio prazo se não arrepiarmos caminho.

Se nos últimos 5 anos nos habituámos a ouvir que a culpa do desastre no sector educativo público se devia aos professores, o desastre na justiça se devia aos juízes, a falta de qualidade dos serviços públicos de saúde aos médicos, a pouca qualidade dos serviços públicos aos funcionários públicos, agora a moda é afirmar que a culpa do desastre financeiro português se deve aos funcionários públicos e às suas "mordomias"...

Se pensarmos um pouco, depressa concluímos que o descrito no parágrafo anterior é... impossível! É quase a mesma coisa que dizer que a culpa da falência do Lehman Brothers se deveu aos seus funcionários e não aos responsáveis pela sua gestão...

É por isso que este tipo de desculpas não se utilizam nos mercados bolsistas. Imagine, Cara Susana Toscano, o responsável pela Intel anunciar que os fracos resultados da empresa se deviam aos seus funcionários ou que congelava os prémios de produtividade, salários e progressões quase todos os anos na última década...!

Parece que não aprendemos que as soluções fáceis e imediatas não resolvem problema nenhum, antes acrescentam novos problemas.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Acrescentaria, a propósito da falta de médicos no SNS, as situações crescentes de médicos que se reformam e que depois são contratados a "recibo verde" pelos mesmos hospitais - passando a trabalhar por conta própria - porque fazem falta, em particular a sua competência e sabedoria de anos de experiência.
Analisar o desempenho de uma actividade olhando apenas para o lado da despesa, corrente e de investimento, é um exercício incompleto e perigoso. A avaliação de uma actividade, por maioria de razão de natureza de serviço público, implica uma análise custo/benefício, em que está em causa um determinado valor social que se pretende gerar e o custo a que o mesmo pode ser obtido.
A resolução das rupturas do SNS e das suas incapacidades para prestar um serviço universal de qualidade (capacidade técnica, celeridade, proximidade, etc.) implica, a meu ver, uma análise integrada dos recursos quer da sua afectação inter-temporal quer por sectores - público, privado e social. Com o caminho que as coisas estão a levar, parece-me que o SNS não poderá deixar de fazer este exercício, sob pena de não conseguir cumprir a sua missão, de ser incapaz de gerar poupanças e de evitar desperdícios, não apenas no seu seio mas também na perspectiva global do sistema de saúde.