Tenho que aprender a não fazer nada. Como, não sei bem, ainda não aprendi, mas deve haver maneiras. É tempo para isso, ou melhor, tenho de arranjar tempo para isso. Hoje, liberto dos afazeres, e sem compromissos de maior no imediato, Cronos deu-me um saco de tempo para o gastar, mas advertiu-me, não penses que és milionário, usa-o para desfrutar um pouco do teu Kairos. Está bem, vou ver o que posso fazer. Deixei corrê-lo entre os dedos. Ouvi conversas de mal dizer e de bem fazer, deliciosas, a ponto de desejar pintá-las com os meus dedos, mas se o fizesse esvaziava o meu tempo duma só vez. Eu não quis. Falei, vi, senti, pensei, desejei, apreciei, comentei, diverti e deliciei-me com pequeninas coisas. Registei o tempo em pequenas frações de lotaria não premiada, mas sempre prometedora de belas ilusões recompensadoras, indo ao futuro e viajando pelo passado. Depois, à socapa, misturei-os, e o presente, estonteado e confuso, pôs-se a rir com tal felicidade que até se esqueceu de que o tempo existia.
Há quanto tempo me deste isto? O quê? Isto. Sei lá, deixa-me cá ver, foi há 43 anos. Credo! Olha o que eu encontrei. Trouxe-a de África, em pequena, foi a única coisa que trouxe, a minha boneca. Está toda desengonçada. A roupa fui eu que a fiz. O cabelo é natural. A minha Rosinha dos Limões. É tão bonita. É mesmo, tem uns olhos muito belos. É de porcelana? É! Então deve ter, pelo menos, uns 54 anos. Está bem conservada. Rosinha dos Limões! Uma bela canção dos anos cinquenta, que cantarolava em miúdo e que fez tanto sucesso. Toda a gente a cantava e todas as "Rosas" passaram a ser as "Rosinhas dos Limões".
"Quando ela passa, franzina e cheia de graça,
Há sempre um ar de chalaça, no seu olhar feiticeiro.
Lá vai catita, cada dia mais bonita,
E o seu vestido, de chita, tem sempre um ar
domingueiro.
Passa ligeira, alegre e namoradeira,
E a sorrir, p'rá rua inteira, vai semeando ilusões.
Quando ela passa, vai vender limões à praça,
E até lhe chamam, por graça, a Rosinha dos limões..."
As recordações começaram a surgir e o tempo delas passou a ser medido, foi há 40, 50, cinquenta e picos, enfim, algo de estrondoso, coisas vivas vindas de um passado que parecia ter sido ontem, pairavam em redor confundido-se com o presente e anunciando a construção de um futuro, tudo num tempo existencial em que Cronos, numa simpatia pouco habitual, se lembrou de me oferecer. Olho para o saco e fecho-o delicadamente. Espero não o ter despejado. Só saberei quando o abrir novamente. Amanhã? Talvez.
Agora, olho para a Rosinha e sinto a tranquilidade do seu sono de boneca, um sono sem tempo, com "um ar de chalaça, no seu olhar feiticeiro"...
3 comentários:
Professor Massano Cardoso
Mesmo não fazendo nada, fazemos alguma coisa. Não fazer nada é quase o impossível. Por vezes dá-nos para sonhar recordações e saudades. É precioso ter uma "Rosinha de Limões"...
Nota prévia: Como o meu comentário, educado, cordato, posto em termos sérios foi censurado pelo Dr. Tavares Moreira (pela 2.ª vez, já o tinha feito há dias), deixo ao vosso conhecimento esse facto. O comentário propriamente dito não o guardei, mas sou capaz de o reconstituir. Mas porque não o Dr. Tavares Moreira repô-lo, para que possam aquilatar da verdade do que digo?
Aqui vos deixo o desafio, de um social-democrata (verdadeiro) para outros sociais-democratas, igualmente amantes da liberdade.
E aqui vos deixo o link do vídeo de 3:58 de que o Dr. Tavares Moreira não gostou:
http://www.youtube.com/watch?v=RFEf9_swh3s
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Sr. Dr. Tavares Moreira:
O execrável acto de censura que o senhor acabou de fazer com o meu comentário é bem revelador dos tempos que vivemos.
Tanto mais que é perfeitamente injustificado, na medida em que, quer os termos formais do comentário, quer o conteúdo não o justificam.
Trata-se, portanto, de um acto da mais pura e dura censura.
Motivada apenas pelo facto de o senhor não suportar o contraditório, um contraditório que, de forma eloquente, põe a nu as historietas dos juros amigáveis que os mercados nos cobram.
O Dr. Moreira Rato já tinha ficado embatucado com as perguntas de José Gomes Ferreira, mas, ou por impossibilidade real ou por uma razão de ética, aguentou o incómodo.
O senhor não, não o suportou: logo, censurou.
Se o que prefere é tem um público fiel que se limita a aplaudir o que diz, que fique com esse público e que seja muito feliz.
Mas não me venha com a treta da social-democracia, clamando-se daquilo que não é.
Passe muito bem.
Conseguiu o que queria.
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