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terça-feira, 17 de março de 2009

Bento XVI, África e preservativos...

Acabo de ouvir o Papa Bento XVI, a bordo do avião que o levou a África, a dizer que a Sida é “uma tragédia que não poderá ser superada apenas com dinheiro e não poderá ser superada pela distribuição de preservativos”.
O Papa sabe que 25 milhões de africanos sofrem desta doença. O Papa sabe que milhões de pessoas vão ouvi-lo. O Papa sabe o que vai dizer, denunciando muitas situações de abandono e de falta de cooperação para com os africanos. O Papa vai apelar aos africanos para terem fé. O Papa vai em missão doutrinal. O Papa vai dizer aos africanos que a solução para a sida é a abstinência. Os africanos, quando ouvirem a sua mensagem, vão concordar com o Papa, vão dizer que sim com a cabeça. Os africanos, nesse dia, ou no dia seguinte, quando as pulsões biológicas começarem a impor as suas regras, não vão conseguir lembrar-se da "abstinência papal”. Vão continuar nas suas práticas, vão adoecer e vão morrer. Se o Papa, ao apelar à abstinência, dissesse que, caso não consigam, ao menos usem o preservativo, os africanos, hoje, ou amanhã, quando forem atacados pelo desejo sexual, e não se lembrassem mais das palavras do Papa quanto à abstinência, lembrar-se-iam, tenho a certeza absoluta, das palavras do Papa ao dizer: “usem pelo menos o preservativo”, defendam a vossa saúde, protejam a saúde das vossas companheiras e dos vossos filhos, e os africanos agradeceriam as pias palavras, e começavam a adoecer menos e a não morrer, graças ao conselho do Papa.
Afinal onde está o amor do Papa pelos africanos? No apelo à abstinência? Por amor de Deus. Desça à terra, veja a realidade, contribua com o seu esforço, posição e ascendente para salvar vidas.
Lamentável. A atitude de hoje fez-me lembrar a de Leão XII quando se opôs à vacinação contra a varíola ou a de Paulo VI quando iniciou a cruzada contra a pílula.
Lamentável. É o mínimo que posso expressar neste momento.

“Apoplexia da ideia”

As nossas preferências estendem-se aos poetas, aos heróis, aos pintores, aos cientistas, aos acontecimentos, aos marcos históricos, às fantasias, revestindo-se de pormenores e razões próprias que fazem a marca individual de cada um. Por que razão preferimos um a outro? Não interessa saber a razão, porque no fundo o que sentimos não precisa de explicações. Dentro das preferências destaco alguns espaços. Procuro-os de acordo com o momento e com o que tenho a fazer. Um deles é a mata do Buçaco. Quando posso, meto-me no carro, galgando a distância sem a contar nem em tempo nem em espaço. Falar da sua beleza é uma redundância. É um dos meus “jardins”. Foi o que fiz no Domingo. Um dia cheio de sol e quentinho. Precisava de preparar as aulas para o dia seguinte. Não é que tivesse de ir para aquelas bandas fazer o trabalho de casa, o pretexto era outro, aproveitava para ler no acolhedor terraço do hotel. Levei alguns livros, não sabendo qual é que eu iria escolher. Um dos livros, publicado em 1936, tinha as folhas ainda por abrir, “O Homem, Centro do Mundo”, de Cruz Malpique. Agarrei numa navalha, que um amigo me deu recentemente, e entretive-me num estranho ritual, a que já não estava habituado, o de abrir aquelas folhas, fechadas há 73 anos, pensando o que é que iria encontrar lá dentro e os acontecimentos que ocorreram entretanto. Comecei a ler os vários ensaios, sendo o primeiro precisamente o que deu o título ao livro. Fiquei deliciado com o pensamento e o discurso do autor. Rapidamente aprendi novos conceitos e novas formas de abordagem a problemas que são intemporais. Claro que o tempo ia passando e a análise que o autor fazia da “literatura de mera paisagem” que “não passa, pois, de simples jogo de palavras, mais ou menos bem combinadas” obrigou-me a olhar a paisagem que estava à minha frente. As paisagens só têm significado quando o “homem é a medida de todas as coisas”. Na literatura ou num parque frondoso a presença do homem é que dá sentido e significado à beleza. O tempo ia passando e eu saltitava do livro para o computador e deste para o livro, o qual me fascinava mais do que os assuntos das aulas que iam preencher, a sério, a manhã de segunda-feira, um verdadeiro dia de pica bois.
Eis que de repente aparece na varanda um grupo de pessoas, quatro ou cinco, que se sentaram numa mesa próxima da minha. Estava, atentamente, a visualizar os diapositivos de uma das aulas, quando ouvi: - Desculpe. Posso oferecer-lhe um livro? À primeira não entendi muito bem, até que, a senhora voltou a repetir a pergunta, ao mesmo tempo que me mostrava o livro. Fiquei perplexo e, claro, disse-lhe que sim sem saber o que é que o livro tratava. Li de imediato o título da obra, “Apoplexia da ideia”, tendo, inicialmente ficado apenas pela “apoplexia”. Apoplexia?! Tratar-se-á de algo relacionado com a medicina? Mas na parte inferior estava a palavra “ideia”. Agradeci e comecei a folhear verificando que se tratava de um livro de poesia com interessantes ilustrações. Uma das raparigas, muito bem-disposta, disse-me que a senhora era a autora e que o rapaz que as acompanhava o ilustrador. Comecei a ler alguns dos poemas e, quando verifiquei que se preparavam para ir embora, usando de uma intimidade poética, chamei a senhora, tratando-a pelo nome próprio: - Maria, pode autografar o livro? - Claro. Respondeu. Foi então que escreveu: “Para o Massano Cardoso um fim de tarde verde. Um abraço. Maria Quintans”. - Espero que goste!
Cruz Malpique afirma que “O homem é o centro do mundo”, a medida de todas as coisas. Contraponho a poesia. Sim, a poesia é a verdadeira medida de todas as coisas e, no “Enigma da poesia”, o primeiro capítulo da obra de Jorge Luís Borges, “Este ofício de poeta”, o pensador escreve: “A poesia não nos é alheia – a poesia espreita, como veremos a cada esquina. Pode saltar-nos em cima a qualquer momento”. Foi o que me aconteceu. Caiu-me em cima no final de uma tarde de Domingo. “Os poetas não acabam, adormecem”, diz um dos poemas de Maria Quintans e acordam-nos para tanta beleza deste mundo...

segunda-feira, 16 de março de 2009

Sem vergonha...

Não é para menos! Foi com indignação e fúria que Barack Obama reagiu ao anúncio da seguradora AIG de pagar aos seus executivos - os mesmos que causaram a falência da empresa - bónus, referentes a 2008, no montante de 165 milhões de dólares, depois de ter recebido do governo, nos últimos seis meses, dinheiros públicos no montante de 173 milhões de dólares. Barack Obama afirmou que a “AIG está em dificuldades financeiras devido à sua ganância e negligência”!
Os argumentos por parte dos gestores da AIG de que não há na lei nada que proíba o pagamento daqueles bónus traduzem, a meu ver, a total ausência de ética. A lei não proíbe, então faz-se! Assim , vai o mundo...
Não há dúvida de que são necessárias e urgentes reformas muito profundas – não apenas financeiras - para acabar com comportamentos deste tipo.

Tremendismo: estado de espírito ou ideologia?

Eis que se afirma mais um ismo, sendo cada vez mais os seus adeptos.
Esta onda que se acentua nos fins de semana, aplaude entusiasticamente quem aparece a dizer ou escrever que este país está condenado a afundar-se sem solução. Faça-se o que se fizer para resolver os problemas e procurar viver melhor...
Perturba-me a actual dimensão do tremendismo - que se tornou moda exibida sempre com anúncio prévio nas passerelles mediáticas -, há uns tempos meramente semântica, como assinalava aqui Suzana Toscano. Expressava pelas palavras o estado de espírito geral negativo, quase depressivo, que se veio a acentuar à medida que se acentuaram as dificuldades resultantes da crise e da incapacidade das lideranças em substituir o pessimismo pela esperança, ainda que fosse em unidoses...
Hoje, porém, o fenómeno assume foros de verdadeira ideologia. Hipnótica para uns tantos a quem a ideia da falência ou da proximidade de um apocalipse nacional provoca frémitos de verdadeiro histerismo. Nota-se bem este efeito neste mundo da blogosfera que assiste a momentos de grande agitação sempre que uma dessas pitonisas da desgraça se pronuncia, anunciando as sete pragas com uma convicção biblica.
É verdade que não nos dão grandes motivos para otimismos. No 4R, faz-se o exercício cívico de anotar e comentar as razões para o desconcerto em que vivemos e para os riscos de, continuando assim, dificultarmos a vida desta geração e das que nos seguem. Mas por aqui também acreditamos no país de que somos parte. É por isso que reclamamos por uma nova república. Sempre com o espírito de que é possível dar a volta por cima.
Foi assim noutros momentos difíceis de uma História que nos orgulha.
Mude-se, pois, l´air du temps ...

domingo, 15 de março de 2009

Justiça aos “justos”

A canonização do Condestável Nuno Álvares Pereira tem sido objeto de múltiplas intervenções, crónicas e notícias, umas a favor, outras nem por isso.
Na Escola Primária, o meu professor descrevia as batalhas entre os portugueses e os castelhanos no final do século XIV, e os esforços para não ficarmos sob o domínio destes, criando em todos os alunos um sentimento nacionalista e anticastelhano.
A batalha de Aljubarrota foi-nos contada com muitos pormenores entre os quais destacou a nossa franca inferioridade numérica que fazia prever o pior. Graças ao Condestável - que se ajoelhava sempre antes de cada batalha perante a sua espada a lembrar a cruz e da qual conservo na minha memória o pequeno pormenor de Nuno Álvares Pereira a rezar detrás de uma rocha -, foi possível dar uma abada aos nossos inimigos. Fiquei muito satisfeito com esta vitória sobre os espanhóis. Eu pensava que só conseguíamos ganhar no hóquei em patins, no tempo em que éramos os melhores com o pau! Mas recordo-me de ter pensado por que é que Deus tinha dado preferência aos portugueses na batalha. Não abri a boca para fazer a pergunta, mas elaborei uma resposta: “do lado castelhano ninguém se lembrou de pedir a Deus a vitória, claro. Se tivesse havido, então o resultado poderia ter sido outro. Afinal, a razão por que é que o Condestável se escondia atrás de um rocha para rezar antes da batalha era para que o inimigo não o visse a meter uma cunha ao Todo-Poderoso. O Condestável era mesmo esperto.” Fiquei satisfeito com a minha interpretação.
Na altura já era beato, eu não, o Condestável. Por esse tempo, as relíquias de Nuno Álvares andaram pelo país. O que eu queria ver era a sua espada, que acreditava ser a mesma que usou na batalha de Aljubarrota e nas outras. É fácil de imaginar a sensação produzida num miúdo de dez anos quando tive a oportunidade de a ver. Fiquei estupefacto. Bem conservada. “Fartou-se de matar castelhanos!”
Admiro o Condestável por razões históricas, pela sua postura e opções de vida.
Mais tarde, frequentei o sexto e o sétimo ano no colégio Nun´Álvares onde aprendi muito, acabando por ganhar o meu primeiro prémio: O prémio Nun´Álvares, um certificado e um jeitoso prémio monetário. Só agora é que verifico que nunca o citei nos inúmeros currículos que já elaborei até hoje! Uma falta imperdoável.
Considero-o um herói nacional que deve ser recordado aos mais velhos e ensinado aos mais jovens, retirando aquele sentimento anticastelhano que, na altura, nos era injetado até à exaustão. Um fenómeno de imprinting que ainda hoje perdura. Para o controlar tenho que por em funcionamento a razão.
Fico surpreendido com algumas notícias segundo as quais uma das razões, porque não foi canonizado mais cedo, deveu-se aos espanhóis que não tinham interesse que tal acontecesse! Mas será que esta explicação é mesmo plausível? Não creio. Quem é que em Espanha conhece o Nuno Álvares? Saberão que houve uma batalha de Aljubarrota?
Quando fui a Espanha pela primeira vez, entrei em várias livrarias, tentando descobrir o que é que diziam os manuais de história espanhóis sobre aquele período. Fiquei dececionado. Nada! Não falavam das batalhas havidas e muito menos da de Aljubarrota. Eram apenas manuais. Mas a aprendizagem faz-se com estes livros.
Houve um período em que podia ter sido canonizado, mas, depreendo que se o tivessem feito seria por via “administrativa”. Esperaram por um milagre, e aí está ele, já conhecido pelo “milagre do salpico do óleo de fritar peixe”, uma forma de alguns desvalorizar a faceta de santo, não a outra.. De facto, não é por nada, mas merecia um milagre melhor, ou, então, a tal passagem administrativa ter-lhe-ia ficado muito bem, evitando certos sarcasmos que andam por aí. Dizem os entendidos que para se ser santo basta a forma como viveram e as suas qualidades, devendo constituir um exemplo para os demais.
Não consigo compreender as razões que levaram um fã do Condestável, um tenente-coronel, a considerar um “escândalo” que não fosse colocado nos cem primeiros” portugueses de sempre e que fosse eleito para terceiro “aquele diplomata cuja história está mal contada e que era praticamente um desconhecido da maioria das pessoas”. Quanto à primeira parte da sua afirmação nada a comentar, mas quanto à segunda merece um reparo. A tal figura “cuja história está mal contada” salvou milhares de pessoas, é considerado um “justo” pelos judeus e tem muitas mais qualidades do que muitos santos que andam por aí. Não fez milagres? Claro que fez! Milhares de milagres, bem documentados e que honra o nosso país e dignifica a Humanidade. Mesmo que um dia lhe seja atribuído um qualquer “milagre”, um ou dois “salpicos do que quer seja”, já reúne em si a tal santidade...
Justiça aos justos, enquanto a santidade não os transformar em santos...

sexta-feira, 13 de março de 2009

Não há palavras...

Quem é que pode ficar indiferente ao caso do bebé que morreu no interior do automóvel do seu pai porque este se esqueceu dele?
O que pode levar um pai a esquecer-se assim do seu bebé, a apagar da sua memória, durante horas a fio, que não tinha cumprido a rotina diária da manhã? Como é que não lhe veio à memória que não tinha retirado o filho do automóvel, caminhando com ele até à creche, deixando-o nas mãos de uma educadora, provavelmente despedindo-se dele com um beijinho e um até logo, e caminhar de novo até ao seu local de trabalho? Como é que não sentiu o desconforto de que alguma coisa naquela manhã não estava bem, que algo estava em falta? Porque é que "adormeceu"?
Há aqui algo de incompreensível, para o próprio pai que, certamente, amando o seu filho não sabe como foi capaz de cometer um erro tão brutal.
Ouvi umas pessoas discutirem, com um certo encolher de ombros, como que aceitando a fatalidade que não tem que surpreender, que a culpa de um tal comportamento está nas vidas agitadas destes tempos, na pressão permanente a que as pessoas estão sujeitas e nas dificuldades em conciliar a vida familiar e o trabalho. Comentavam que tudo é possível, que o mundo está de "pernas voltadas para o ar"! Ainda assim custa a aceitar que tanta coisa má seja responsável por esquecimentos tão desastrosos. Até porque, felizmente, acontecem raríssimas vezes.
Li no jornal que nos Estados Unidos um homem que se esqueceu do filho de tenra idade no automóvel durante nove horas, encontrado sem vida, foi julgado e absolvido de homicídio involuntário porque o juiz considerou que “nenhuma pena de prisão causaria mais dor do que aquela que o arguido já estava a sofrer”. Neste caso o pai estava convencido que tinha deixado o filho no infantário. Ficou provado que o pai (e a mãe) amava e cuidava bem do seu filho.
Tenho dificuldades em avaliar a tragédia humana destes casos, mas consigo pensar no sentimento de culpa que perseguirá estes pais para o resto das suas vidas.

“Em lugar nenhum”...

Acho que não sonhei. Penso ter ouvido que vai ser dada primazia ao currículo ético dos gestores. A experiência e os princípios éticos são vitais para evitar a repetição dos descalabros que ocorreram por esse mundo fora e que fazem sofrer a quase totalidade dos cidadãos deste estranho mundo. Uma ideia muito bonita. E não venham dizer que só os que têm experiência como profissionais de gestão é que são capazes de tomar conta da economia e da produtividade. Qual quê! Indivíduos com a quarta classe antiga, médicos, dentistas, engenheiros, juristas, peixeiros, agricultores, só para citar alguns, e não me alongar muito, são capazes de gerir e de fomentar a riqueza. Sendo assim, não podemos considerar como indispensáveis os tais “doutos profissionais” da gestão. O que importa é que sejam respeitados certos valores e, naturalmente, os que têm a responsabilidade da gestão sejam eticamente irrepreensíveis, característica que, infelizmente, não tem sido cultivada.
Às tantas, pensei: mais uma utopia! Ato contínuo fui transportado para uma tarde chuvosa de um Verão distante, em que, impossibilitado de ir com os miúdos para a praia, acabei por ficar no átrio de um hotel a devorar a obra de Tomás Morus, “Utopia”, na qual, Rafael, um marinheiro português, relatava a existência de uma cidade, cujos habitantes, vidas e organização ultrapassavam tudo o que se conhecia e praticava. Bendita chuva! Fiquei com uma vontade louca de ir parar aquele paraíso.
Agora fico na dúvida. Não sei se foi a “utopia” da original afirmação sobre a primazia dos valores éticos a considerar no recrutamento dos gestores ou se foi o facto de a tarde desse dia persistir, teimosamente, na onda prolongada e triste de chuva que me levou a um plúmbeo dia de Agosto no barlavento algarvio.
Agora que os dias começaram a ser alegres, quentes e soalheiros, deu-me para reler a “Cidade do Sol” de Tomás Campanella. Sol exige Sol. Esta obra, utópica, encerra conceitos muito interessantes, alguns dos quais chegam a ser um pouco incompreensíveis, mas, de qualquer modo, ilustrativos da forma como deveriam comportar-se os seres humanos. A dada altura, na sequência de mais uma pergunta do Grão-mestre, o Almirante disserta “que ninguém pode receber favores particulares, porque todos obtêm da comunidade o necessário, e porque os magistrados velam para que ninguém obtenha mais do que merece (sem que o necessário lhe seja negado)". Logo de seguida realça as ocasiões em que a amizade, “grandemente sentida”, se manifesta.
O mundo está “moriático”. Moria, a deusa da loucura, tomou conta dos “gestores”. Não gosto deste tipo de loucura, prefiro a outra, aquela que faz o seu auto elogio, a produzida pelo amigo de Tomás Morus, Erasmo de Roterdão, que lha dedicou, fazendo um divertido trocadilho com o seu apelido, Morus.
Não há nada como viver “em lugar nenhum”, ou, então, num sítio onde não houvesse vigaristas e trafulhas da primeira apanha. Já me contentava com um lugar destes...

A RTP folhetinesca

Bem respaldada nos dinheiros públicos, a RTP achou por bom serviço público enviar um jornalista à Alemanha para redescrever, com toda a minúcia que a causa pública exige, o drama das mortes causadas pelo jovem estudante alemão. São reportagens e mais reportagens redizendo o que já ficou dito, explorando e reexplorando as múltiplas facetas do caso, entrevistando e reentrevistando personagens ad-hoc, propagandeando "ad nauseam" o trágico acontecimento.
Hoje, um dos temas foi a descoberta de intenções semelhantes por parte de outros jovens, na Alemanha.
É óbvio que a "informação" repetida actua de forma similar à da publicidade, despertando o desejo de adquirir ou ter ou aparentar, ou fazer igual. Só essa razão bastaria para que um meio de comunicação responsável, nomeadamente quem tem como objectivo estatutário o serviço público, revelasse o maior comedimento e rigor na difusão da notícia. A RTP escolheu a via do sensacionalismo, editando contínuos folhetins sobre o tema. Revelando uma total irresponsabilidade social. Lamentável!...

Casa assaltada e esvaziada - trancas na porta para quê?

1. Foi notícia, esta semana, uma nova medida de “moralização” da actividade financeira, traduzida na imposição de um limite superior às taxas de juro praticadas no crédito ao consumo concedido pelas instituições financeiras.
2. Curiosamente, quando li a primeira vez esta notícia fiquei com a sensação que o BdeP tinha visto o seu objecto alargado à actividade de construção civil: com efeito, uma série de títulos dos prestimosos referia que o Banco iria estabelecer um TECTO às operações de crédito ao consumo...supostamente essas operações iriam passar a ser negociadas ao abrigo do “tecto” edificado pelo BdeP...
3. Significa também que caso venham a ser outorgados créditos a taxa que fure esse “tecto”, essa prática passará a ser qualificada de usura (ver artigo 1146 do Código Civil quem tiver curiosidade)...até agora somente possível nos empréstimos feitos entre particulares uma vez que os bancos, por definição legal, não tinham limite superior para os juros aplicados nos créditos aos clientes.
4. É claro que no ponto a que chegamos, de altíssimo nível de endividamento das Famílias – já próximo de 150% do rendimento disponível – esta medida é sobretudo demagógica, não vem dar resposta nem resolver qualquer problema.
5. O que provavelmente vai acontecer é que as pessoas/famílias que estão financeiramente desesperadas, sobrecarregadas com serviços de dívida de múltiplos créditos (a DECO conhece bem esse problema) – e que por isso estariam dispostas a pagar qualquer juro por um novo crédito – já não vão conseguir crédito nas financeiras e vão entregar-se à usura não declarada dos empréstimos de particulares ou das casas de penhores.
6. Nas casas de penhores a questão usurária é de mais complexa verificação: os montantes dos empréstimos sobre penhores de certos objectos são estabelecidos em % dum valor atribuído a esses objectos e vencem juro contratual...basta portanto fixar um valor mais baixo para tais objectos e depois, se o mutuário não puder pagar, os objectos vão para leilão, são arrematados ao preço conveniente, o empréstimo é pago e...acabou a história.
7. É tudo um fazer de conta, pelo que se constata – o importante é mostrar que as autoridades estão preocupadas com a chaga social do sobre endividamento, que “vão actuar”, que impõem “tectos”...qualquer dia lembram-se de um telhado para cobrir o tecto, etc...
8. Mas não é só fazer de conta, há também uma considerável dose de cinismo – já se pensou na exageradíssima taxa de juro que por exemplo o fisco cobra sobre dívidas fiscais?
9. Casa assaltada, esvaziada, quase destruída – e agora é que se lembram de por trancas na porta?!!!

Um Estado cada vez mais fraco

Em plena onda de violência registada no verão do ano passado o ´Expresso´ publicou um artigo que concluía que não era real mas meramente do mundo das sensações, a ideia de que tinha aumentado a criminalidade, em especial a criminalidade violenta. O que se passava era que as pessoas sentiam mais insegurança sem que os números dos anteriores 5 anos o confirmassem. O governo, em especial o ministro Rui Pereira, apoiou-se sempre nesta análise para negar o que para o comum dos cidadãos era uma evidência. Consolou-se com ela e continuou a política omissiva. Comentámos a notícia aqui, manifestando a opinião de que o fenómeno revelava uma preocupante fraqueza do Estado e apontámos os factores.
Escassos meses volvidos, aqui está, agora inegável, a prova.
Apesar do registo oficial de 1100 crimes por dia, dos quais 67 violentos (leram bem), não se esperam, contudo, quaisquer alterações, nem de ministro nem de atitude política. Porque, como então comentámos, as razões que impedem uma reacção à altura são, sobretudo, ideológicas, essas sim do mundo das sensações e dos preconceitos, e não da razão. E quando assim é...

quinta-feira, 12 de março de 2009

Plano Nacional para a Redução dos Problemas ligados ao Álcool

“O Governo decidiu não incluir no Plano Nacional para a Redução dos Problemas ligados ao Álcool as restrições à publicidade de bebidas alcoólicas e o aumento dos impostos sobre estes produtos – duas medidas que os especialistas consideram fundamentais para baixar o consumo e os seus impactos negativos na sociedade”.

Após ter lido esta notícia questionei-me: por que razão não foram incluídas aquelas medidas? Por desconhecimento de que são úteis à saúde dos portugueses, nomeadamente dos mais jovens? Não, com toda a certeza. Não são tão ignorantes a esse ponto. O que deverá estar na génese da decisão é não querer afrontar os que vivem à custa do álcool, e são tantos neste país! O lóbi dos profissionais relacionados com a produção, distribuição e venda de bebidas alcoólicas é muito poderoso. Por esta razão, o melhor é não abrir mais uma nova frente de combate. Além do mais, também poderia ter reflexos negativos, mesmo nos mais jovens, ao perder votos nas próximas lutas eleitorais.
Os argumentos aduzidos pelos especialistas: redução dos internamentos, redução das despesas provocadas pelas inúmeras doenças, diminuição da sinistralidade e da violência, melhoria da produtividade laboral e do bem-estar social, são algumas das consequências que, transformadas em euros, sugerem uma verdadeira fortuna deitada à rua num povo cada vez mais empobrecido!
As opiniões dos que veem nestas medidas atitudes zelosas de “regulamentação sanitária” não colhem, porque o objetivo não é proibir o consumo de álcool, mas sim evitar excessos e, sobretudo, consumos prematuros, protegendo os organismos dos mais jovens que não estão devidamente preparados para suportarem tamanhas agressões etílicas.
No mesmo jornal, na página do obituário, surge a notícia da morte de Charles Lieber, cientista a quem se deve muito em matéria de luta contra o alcoolismo. Lieber foi o responsável pela afirmação de que o álcool é um tóxico que atua diretamente no fígado (e não só!), provocando lesões irreversíveis, contrariando muitas opiniões até então reinantes. Não foi fácil, nada fácil, a criação de um novo paradigma. O cientista sofreu muitas pressões, alvo de ataques e de incompreensão por parte de responsáveis, entre os quais muitos médicos, num tempo, não muito longínquo, em 1974!
É preciso determinação e coragem para impor ideias certas no momento oportuno. O que não se está a ver no caso presente. Talvez um dia. Há sempre um dia para mudar, tarde, tarde demais para muitos. É pena que os políticos não se antecipem ao futuro. Para eles o que conta é o presente e os “presentes” dos eleitores...

Portugal, um país de criaturas imensamente importantes

No país em que a secretária do adjunto do subsecretário de estado adjunto faz questão de se fazer transportar no banco de trás do carro do Estado, o mais humilde dos funcionários detentor de um pequeno poder transforma-se num ser longínquo para os demais, não vá a disponibilidade ser confundida com familiaridade, inimiga como esta é do reconhecimento da importância social dos cargos.
Em Portugal é assim. Há mais de uma semana que tento reportar uma questão - que pode ser um problema sério de segurança - relacionada com informações pessoais detidas por uma instituição bancária. Fiz o que me pareceu mais prático: questionar sobre um determinado procedimento, supostamente de rotina, a responsável por uma pequena agência do banco em causa aqui ao pé do meu local de trabalho. À terceira tentativa desisti, pois a importante criatura, de tão ocupada, só com marcação me poderia ouvir. Estou a falar de uma agência bancária de tanta relevância que, por junto, deve ter para aí uns...4 funcionários!
Pois lá terei que incomodar os figurões do conselho de administração que estou certo que me ouvirão. Ou não. Porquanto atentos estes exemplos, se percebe que ser atentido por alguém que pode ajudar na resolução de um problema é tão estranho, tão insólito, que nos últimos tempos tem sido mesmo considerado indício do cometimento das maiores safadezas.

O emocionante convite-mistério da página 161!...

A blogosfera desenvolveu um vírus esquisito, como o que consiste em um blogueiro intimar outro blogueiro a confessar o nome dos dez livros, ou dos dez sotaques, ou das dez expressões vernáculas que mais o sensibilizaram.
Mas os vírus multiplicam-se e criam mutações. Agora, vai estando na moda aquele altamente corrosivo que consiste em pegar no livro que no momento está mais à mão, abri-lo na pág.161, procurar a quinta frase completa, colocar a frase no blog e indicar 5 pessoas para continuar a tarefa. Criativo e deveras interessante!...E emocionante!...
Para este suculento desafio fui convidado por um dos animadores do Blog Geração de 80, Nuno Gonçalo Poças. Tendo em atenção a juventude dos autores, aqui vai a minha contribuição.
Livro: Código do IRS/IRC anotado, vários autores, página 161, decreto de aprovação do Código IRC :
"Os sujeitos passivos de IRC que, não tendo sede nem direcção efectiva em território português nele disponham, à data de entrada de vigor do Código, de estabelecimento estável, optem, nos termos do nº 2 do seu artigo 7º por um período de tributação diferente do ano civil deverão comunicar essa opção à Direcção dos Impostos no prazo de 60 dias a contar da entrada em vigor daquele Código, sendo aplicável, relativamente ao período decorrido desde 1 de Janeiro de 1989 até ao dia imediatamente anterior ao do início do novo período de tributação, o disposto no Código do IRC, com referência ao período mencionado na alínea d) do nº 4 do artigo 7º ".
Ora tomem lá, meus caros da Geração de 80, que o futuro é vosso. Se não conseguirem acabar com os Impostos, ao menos acabem com o Código!...
Ah, e convido para o seguimento o Eduardo Pitta, do Da literatura, o Paulo Gorjão, do Gorjão.Eu, o João Espinho do Praça da República, o Pedro Correia, do Delito de Opinião, o Lopes de Araújo, do Corta-Fitas.Tudo gente erudita em muitas artes e dada a grandes emoções, como é, certamente, saltar para o desconhecido das páginas 161!...

Money, money,money


A realidade mostra-se na sua crueza de formas muito variadas, em geral bem mais explícitas do que uma infinidade de alertas gerais. Em dois dias, três episódios que pude testemunhar demonstram como a vida real se vai enredando numa teia cujo fio ninguém consegue desembaraçar.
O primeiro foi uma conversa com um pequeno empresário, que me contou que vive momentos de grande dificuldade, não porque tenha deixado de ter os habituais clientes mas porque o banco, junto do qual tem um crédito, aumentou pela 3ª vez, sem qualquer cerimónia, o spread contratado. Perante a minha incredulidade, quer porque me parecia que um banco não devia poder mudar o contrato sem ao menos falar com o cliente, quer porque as taxas de juro, como ouvimos até à agonia, têm descido todos os dias, o empresário mostrou-me a carta/circular do dito banco que, de uma forma seca e impessoal, argumentava com a crise de financiamento para comunicar que o preço do dinheiro em dívida tinha sofrido um novo aumento, passando agora a taxa a ser de…mais de 10%! A alternativa era ele liquidar a dívida. O empréstimo tem uma hipoteca como garantia e o devedor nunca falhou um pagamento, mas vai ter que fechar a empresa porque o "seu" banco não quer saber dele para nada.
O segundo foi o caso de uma jovem gestora de conta que há dias propôs por mail uma aplicação financeira num produto maravilha qualquer, e ao qual nem sequer demos resposta. Recebemos dias depois um mail com o título Favor/Ajuda, em que ela pedia, por favor, que aceitássemos a proposta, ao menos no mínimo possível de aplicação de 500€, porque era o que bastava para cumprir o objectivo que lhe estava marcado. Era uma grande ajuda!, terminava em tom comovente, deixando-nos um enorme sentimento de culpa.
Finalmente, ao abrir a caixa do correio deparei com um envelope desdobrável todo colorido, anunciando que eu tinha "ganho um crédito de 5€" para "trocar no jogo de apostas sem quaisquer riscos ou obrigações" através do endereço electrónico com o sugestivo nome de bet-at-home, subtítulo life is a game, seguido do código e das instruções para abrir a conta pessoal de apostas. Não me dei ao trabalho de ver o site, mas o anúncio garante que já tem mais de 1,5 milhões de apostadores na Europa.
Money, money, money!Um empresa asfixiada com as decisões cegas do banco credor; a manutenção pelos bancos dos objectivos cegos que levam ao desespero de quem tem que os cumprir sem pensar um segundo se está a servir o cliente; e as iniciativas despudoradas para incitar os incautos a dissipar o pouco que lhes resta sem sequer sairem de casa, três casos que mostram bem como ainda estamos tão longe da mudança de comportamentos, de mais ética, de mais responsabilidade, de mais decoro. Que longa caminhada a percorrer!

“Santos Silva malha forte no PSD”

O grande arauto do PS, o tal que gosta de malhar, sempre que o PSD fala, nomeadamente a sua presidente, vem logo a terreiro com o seu habitual discurso. O homem nem deve mastigar as palavras que ouve. Reage sempre da mesma maneira. Até já chateia. Hoje reagiu como prometeu, e deveria ter já engatilhado o arrazoado visto que o vomitou logo a seguir ao discurso da senhora. Ao ler no Expresso online, até dá para perceber que se trata de um “psicanalista” frustrado ou, então, precisa mesmo de se deitar num divã!
A notícia diz o seguinte:

Um discurso "sem ideias", vindo de um partido que "diz mal de tudo", com "preconceitos" e "cegueira" - assim se pode resumir o comentário de Augusto Santos Silva, que não deixou por mãos alheias o seu gosto em "malhar" na oposição. "No PSD há um vazio de ideias diretamente proporcional à propensão para dizer mal", considerou o ministro, acusando o partido de Manuela Ferreira Leite de estar mal com o mundo: "O PSD sente-se mal com o Governo e com o País, porque se sente mal consigo próprio."
Na opinião do governante, a crise internacional não permite que a líder do PSD compare o estado de Portugal hoje com o que se passava em 2005. Face a essa crise, diz o ministro, "temos contado com uma atitude positiva, nomeadamente dos parceiros sociais, mas não vemos do lado do PSD uma atitude semelhante".

Bom, às tantas, o senhor, e respetivos confrades, até devem julgar que, sendo tão bons e tão competentes, o mais justo e acertado era o PSD apelar ao voto no PS, no Santos Silva & companhia! Era o que mais faltava! Cada um faz a figura que quer, mas este senhor está a passar das marcas.
Um dia vai acordar com nódoas negras, não no corpo, obviamente, mas na alma, a não ser que seja um “desalmado”...

quarta-feira, 11 de março de 2009

Campanha azul e branca!...

FC Porto nos Quartos da Champions, em companhia de encher o olho: Manchester, Chelsea, Arsenal, Liverpool, Bayern, Barcelona, Villa Real.
Mais uma gloriosa campanha azul e branca!...

Aplausos

Neste espaço quando é de aplaudir, aplaude-se.
O Conselho de Ministros aprovou uma medida que só peca por tardia: a partir da entrada em vigor do diploma hoje aprovado, transferir um PPR sem capital garantido, isto é, sem alocação do risco na instituição que os gere, ficará isento das violentas comissões até agora cobradas.
Sempre entendi absurdas por desproporcionadas comissões de transferência que chegam a 5% do montante a transferir, mesmo quando a baixa performance tornava normal a "migração" para PPR geridos por outras instituições, cujo histórico de rentabilidade demonstrava gestão mais proficiente.
Para os PPR com garantia de capital (aplicações de menor risco), o Governo fixou um tecto de 0,5% do valor a resgatar, para a comissão de transferência, o que me parece razoável.
Diz-se que o objectivo é aumentar a mobilidade do mercado de serviços financeiros, estimulando as melhores práticas de gestão dos fundos para garantir melhor nível de recompensa para o esforço individual no complemento das reformas. Pois aqui registo que é um bom objectivo!

Programa LEGISLAR MELHOR

Basta abrir o Diário da República para se perceber a falta de rigor com que se fazem as leis.
Um dos sintomas de uma preocupante doença está na profusão de rectificações, muitas vezes verdadeiras e próprias alterações substantivas.
Um exemplo, entre muitos, aqui, nem mais nem menos do que uma portaria do ministério que deveria ter mais cuidados com a segurança jurídica, que começa com a clareza do sistema jurídico.

Direito técnico II

A alínea e) do artigo 3.º da proposta de Lei sobre a violência doméstica, em discussão na Assembleia da República refere o conjunto de medidas que visam "tutelar os direitos dos trabalhadores que, na relação laboral, sejam vítimas de violência doméstica".

"Não percebo o que é tutelar uma relação laboral de violência doméstica", afirmou Pinto Monteiro, na Assembleia da República!...
Não há dúvida que o PGR é de outro tempo, do tempo em que não se aprendia direito técnico!...

Tesourinhos esquecidos

Resolução do Conselho de Ministros n.o 63/2006
"O XVII Governo Constitucional está firmemente empenhado na concretização de todos os pressupostos, exigências e condições que permitam legislar melhor—com mais justificação, adequação e qualidade dos actos normativos, com mais preocupação pela simplificação transparência dos procedimentos, de forma a desburocratizaro Estado e a facilitar a vida dos cidadãos e das empresas num ambiente amigo da concretização eficiente dos direitos e dos interesses legítimos.
(...)"