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terça-feira, 3 de abril de 2007

A lei das compensações, ou a natural falta de moralidade de um Estado amoral

Uma das notícias do dia de ontem, passada à exaustão nalguns media, anunciava esta coisa notável. O senhor Ministro de Estado e das Finanças passou a achar que a mora nos pagamentos aos fornecedores do Estado não é mais tolerável. Terá dado então instruções aos serviços do Estado para pagarem a tempo e horas (!), justificando que éramos um dos paises em que o Estado é por mais tempo caloteiro, que deve não sei quantos milhares de milhões de euros, patati-patata...
Os mais incautos terão visto neste súbito despertar do ministro para a moralidade e honestidade negociais, uma feliz nova. Terão pensado que o Estado, contra todos os sinais em contrário, sempre tem consciência e finalmente meteu lá a mão. Os mais cépticos, perante o insólito, terão achado que para que o ministro anunciasse a morte de uma vetusta instituição como o é a mora nos pagamentos aos fornecedores do Estado, algum puxão de orelhas por um poder mais forte teria acontecido. Talvez a União Europeia, quem sabe, chantageando mais uma vez com a ameaça de um corte no financiamento, porventura da Ota, por incumprimento da directiva que define o prazo máximo das contraprestações negociais.
Este, que aqui se assina, que vai admirando a meticulosa gestão da imagem que o governo faz, antecipando os impactos negativos de algumas medidas que sabe que os terão, foi ler o que por estes dias saiu no Diário da República. E lá descobriu o Decreto-Lei n.º 50-A/2007, de 6 de Março, que impõe que os organismos públicos verifiquem se o credor da Administração Pública tem a situação tributária ou contributiva regularizada, devendo reter o montante em dívida com o limite máximo de 25% do valor total do pagamento a efectuar e proceder ao seu depósito à ordem do órgão da execução fiscal, montante esse que servirá para efectuar o pagamento total ou parcial do valor da dívida.
É a chamada lei das compensações. Como todas as leis, unilateral. E como todos os instrumentos de agressão fiscal, de aplicação implacável como convém a uma política eficaz de combate à fuga e evasão fiscais.
Mesmo quando essa fuga e evasão são, afinal, falta de meios financeiros para pagar, por paradoxo, ao caloteiro.
O governo sabe bem que jamais alguém fará a avaliação do cumprimento da pia instrução ministerial. Mas também sabe que a imagem que passou foi a de que está empenhado em moralizar os pagamentos devidos aos seus fornecedores. Imagem que por antecipação neutralizou qualquer voz que viesse reclamar que a lei que impõe a retenção de parte dos créditos sobre o Estado só seria justa se admitisse o pagamento de impostos, sem qualquer encargo, com os mesmos créditos.

3 comentários:

Tonibler disse...

Acho que incautos já não haverá muitos... Eu já só espero o dia em que o ministério das Finanças vem anunciar a penhora dos orgãos dos contribuintes em dívida. Em rigor, já não se importa se o contribuinte fica com alguma coisa para comer, pelo que não devo ter que esperar muito. Talvez quando chegar a factura do aeroporto R. Mugabe

Suzana Toscano disse...

A lei só fala em "compensações", não diz quem é que se compensa...!

Anthrax disse...

Ora, ora caro JMFA,

Essa é mais uma daquelas coisas do nosso Estado Português.

O nosso Estado é o maior caloteiro de todos os tempos e isso é do conhecimento geral, não é só de agora.

Só para lhe dar um exemplo, aqui há uns anitos atrás o meu pai tinha uma Agência de Viagens e - já não me lembro a propósito do quê exactamente - houve uma altura em que era preciso deslocar polícias para o sul do país e tratar do alojamento etc. Então a proposta jeitosa do executivo era qualquer coisa como, «Vocês (Agências) mandam para lá os polícias e pagam as deslocações e o alojamento que nós (Estado) depois pagamos». É claro que isto estava escrito de uma maneira muito mais elaborada, mas a ideia era esta. Como é óbvio, o meu pai mandou-os pastar (e vá-lá, não se ter escangalhado a rir na cara deles já foi uma sorte).

O Estado não pode ser tratado como uma pessoa de bem, porque o Estado não é uma pessoa de bem e não cumpre com as suas obrigações, além de que exige aos privados aquilo que o próprio não cumpre, como por exemplo, a legislação laboral no que toca à questão dos recibos verdes.

Essa história das "compensações" deve ter sido uma ideia que foram buscar às novas convenções comunitárias que dizem respeito à utilização dos fundos da U.E. Porque essas sim, já definem as regras relativas à figura do "Recovery by offsetting", que mais não é do que a possibilidade de suspender/não efectuar ou diminuir o valor de pagamentos a uma instituição no mesmo valor do montante em dívida (e não há cá lugar a juros, nem nada dessa pangaiada toda). Mas tal como eu disse, isto tem regras, tem procedimentos e os dois lados têm sempre conhecimento das mesmas antes de embarcarem na aventura. Não é uma coisa que surja de surpresa, definitivamente não é aplicado nem sem aviso prévio, nem de forma arbitrária e indiscriminada e muito menos serve para ganhar dinheiro.

O mesmo já não posso dizer às "compensações" do Estado (que me cheiram um bocado a esturro).