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quinta-feira, 12 de abril de 2007

O Socorro, de Millôr Fernandes

"Ele foi cavando, foi cavando, cavando, pois sua profissão - coveiro - era cavar. Mas, de repente, na distracção do ofício que amava, percebeu que cavara de mais. Tentou sair da cova e não conseguiu. Levantou o olhar para cima e viu que, sozinho, não conseguiria sair. Gritou. Ninguém atendeu. Gritou mais forte. Ninguém veio. Enlouqueceu de gritar, cansou de esbravejar, desistiu com a noite. Sentou-se no fundo da cova, desesperado. A noite chegou, subiu, fez-se o silêncio das horas tardas. Bateu o frio da madrugada e, na noite escura, não se ouvia mais um som humano, embora o cemitério estivesse cheio dos pipilos e coaxares naturais dos matos. Só pouco depois da meia-noite é que lá vieram uns passos. Deitado no fundo da cova o coveiro gritou. Os passos se aproximaram. Uma cabeça ébria apareceu lá em cima, perguntou o que havia: «O que é que há?»O coveiro então gritou, desesperado: «Tire-me daqui, por favor. Estou com um frio terrível!». «Mas coitado!» - condoeu-se o bêbado. - «Tem toda razão de estar com frio.Alguém tirou a terra toda de cima de você, meu pobre mortinho!». E, pegando na pá, encheu-a de terra e pôs-se a cobri-lo cuidadosamente.
Moral: Nos momentos graves é preciso verificar muito bem para quem se apela"
In "Pif-Paf".
Nota da Redacção: cada um identificará nesta estória o mortinho da sua simpatia :)

1 comentário:

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

José Mário
Extraordinário conto, sobre um claríssimo pensamento... Uma lição de vida! Muitas vezes não sabemos avaliar ou subavaliamos o perigo.
Avaliar o perigo, em particular nas situações adversas, é um dom escasso. Mas até os melhores se enganam!
Cavar a própria cova não é difícil!
Por isso, todos os cuidados são poucos...