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quarta-feira, 22 de agosto de 2007

"Trapped"

Foram hoje divulgados os primeiros dados da balança de pagamentos com o exterior para o 1º semestre de 2007.
Por eles se constata que o défice da rubrica de Rendimentos continua a progredir muito rapidamente, fixando-se em quase € 3,5 mil milhões no final de Junho, ou seja:
- Mais 27,9% do que em igual período de 2006;
- Equivalente a 90% do défice total apurado em 2005 nessa rubrica;
- Quase 120% do défice total apurado em 2004.
Por causa dessa evolução, o défice global da balança corrente baixa apenas 10% em relação ao verificado no 1º semestre de 2006, num ano em que as exportações de bens e de serviços, apesar de algum abrandamento no 2º trimestre, têm tido um comportamento muito favorável e em que as restrições internas contiveram o crescimento das importações.

Este défice dos rendimentos é, neste momento e em m/ opinião, o problema mais sério que a economia portuguesa enfrenta e para o qual não se vê fácil solução – se é que existe alguma.
Com efeito, este défice é resultante, quase exclusivamente, do pagamento de juros ao exterior, por força do enorme, mas ainda crescente e imparável endividamento externo da economia – de todos os sectores, Famílias, Empresas e Estado.
Este défice deverá atingir no final do ano um valor superior a € 7 mil milhões, quase 4,5% do PIB.
O BP no boletim económico do Verão apresentou uma previsão de subida deste défice para 5,2% do PIB em 2008 – porventura com algum optimismo.
Por força desta situação, vamos ter de conviver com um défice externo global da ordem de 8%(ou mais) do PIB por tempo indeterminado? Como vai ser isso possível?
A única hipótese de termos algum alívio no defice desta rubrica será uma descida acentuada dos juros – mas uma descida acentuada dos juros só será viável em ambiente de crise económica europeia e aí lá se vai o crescimento das exportações de bens e de serviços...
Estamos “trapped” como dizem os ingleses.
O mais curioso é que fomos nós próprios (alguns de nós, é evidente – e dos mais admirados pelos “media”, sem surpresa) que montamos a ratoeira em que caímos...

Miguel Frasquilho escreveu em 7 e 21 do corrente um artigo (em 2 partes) no Jornal de Negócios, muito bem elaborado, a propósito da discrepância entre PIB e PNB que se tem verificado em Portugal exactamente por força deste enorme e crescente défice dos rendimentos.
O PNB, que reflecte melhor o bem-estar dos residentes em Portugal, não só é inferior ao PIB como cresce menos que o PIB.
Permito-me recomendar a leitura desse texto, para quem quiser ficar mais elucidado acerca deste tema.

10 comentários:

Tonibler disse...

O défice é o mesmo. O facto de eu continuar a pagar o mesmo valor nominal de euros para uma produção que não existe, esse mesmo valor nominal tem o mesmo poder de importação que tinha antes.
Se saíssemos do euro, a correcção era quase imediata pela desvalorização da moeda e o poder de compra da nossa ineficiência era corrigido. Como estamos no euro, só nos resta corrigir a ineficiência. E, a avaliar pela indiferença que está a provocar as notícias da prova que o PSD foi financiado ilegal e fraudulentamente pela Somague, o melhor é começarmos a fazer as malas

Tavares Moreira disse...

Tonibler,
Embora não possa concordar com o seu raciocínio do 1º parágrafo, por razões que seria fastidioso desenvolver, nmu ponto tenho de lhe dar razão: já que chegamos ao ponto em que o problema não tem solução, tanto faz termos este peso de serviço da dívida como o dobro ou o triplo - teremos de a refinanciar "eternamente" até ao dia em que os credores atingirem a saturação.
Quanto à 2ª parte, não quero deixar de colocar ao seu espírito arguto a seguinte questão: porque será que os opositores institucionais do PSD estão tão calados nesta matéria?
Será que o Tribunal de Contas começou pela S. Caetano?

O MARQUÊS DA PRAIA E MONFORTE disse...

N�meros, n�meros e mais alguns n�meros. Agosto est�-me a entorpecer os racioc�nio que obriguem a l�gicas num�ricas. Quanto � achega do amigo tonibler e � sua pergunta, creio que a resposta � simples. Telhados de vidro fino, com cambiantes vitrais, enfim, s�o hoje a cobertura de quase todos os edif�cios partid�rios, n�o generalizo por completo para evitar injusti�as.

Bruno Sim�o

Tonibler disse...

Caro Tavares Moreira,

Por estarem todos calados é que se percebe bem que isto não vai acabar nunca.

Anthrax disse...

Ói! Querem que eu fale?

Eu posso falar. É que ainda 'tou ventando fogo. Tivesse eu umas escamas coloridas e parecia um dragãozinho. :)))

Estou a brincar (estava-me só a meter com o "camarada" Tóni que se estava a queixar que estavam todos calados).

Lamentavelmente, não posso falar sobre este assunto porque não sei mas, vou ficar por aqui a ouvir-vos falar. Quiçá, aprendo alguma coisa.

Rui Fonseca disse...

Caro Tavares Moreira,

Lê-se o seu "post" e ocorre-nos a interrogação recorrente: Onde é que isto vai parar?

De qualquer modo, salvo melhor opinião, a dívida privada preocupa-me bastante menos que a dívida pública.

Pela simples razão que é esta última que, de um modo ou de outro, terei também de pagar enquanto for vivo.

E lá voltamos à dívida pública, mais uma vez.

Acredite que não é assunto que me tire o sono, mas é uma questão que me desafia sempre a alguns comentários. Porque, mais tarde ou mais cedo, a ribaldaria tem forçosamente de chegar ao fim. As árvores não crescem até aos céus e a dívida pública também não, se a moeda não pode desvalorizar-se para a amortizar.

A despesa pública tem de contrair-se. Onde?
Quanto mais tarde se atacar o tema mais ela cresce potenciada pela espiral de juros. Os refinanciadores, mais tarde ou mais cedo, imporão condições se nós não as impusermos a nós próprios. Ou não?

Tavares Moreira disse...

Caro Rui Fonseca,

Para este efeito, dívida privada ou pública tanto faz, temos de a pagar - a menos que fizessemos como a Argentina que rejeitou uma parte da dívida externa há cerca de meia dúzia de anos e parece que nem se deu mal com essa ousadíssima decisão.
No nosso caso, todavia, uma decisão desse tipo valer-nos-ia um "cartão vermelho" do Conselho Europeu, por proposta da Comissão, e a consequente expulsão do Euro, com a subsequente falência de quase todo o sistema financeiro (salvar-se-iam os bancos estrangeiros...).
Onde é que isto vai parar pergunta e bem.
A minha resposta é simples: não sei, apenas sei que não poderá continuar indefinidamente porque os credores acabarão por se saturar.
O que não vejo, no horizonte de alguns anos, é qualquer hipótese de melhoria, porque estamos de pés e mãos atados: é o próprio serviço da dívida, juros apenas, que nos obriga a aumentar todos os anos a própria dívida.
Como disse no post, estamos "trapped", caímos na ratoeira e de lá não conseguimos sair.
Quero dizer-lhe que em diversas intervenções na A.R., em 2002, 2003 e 2004, tentei chamar a atenção para este problema, mas confesso que ninguém me deu ouvidos.
Creio que mesmo aqueles que me aplaudiam nunca tiveram a noção da gravidade do problema.
E ainda me recordo de um aparte do Deputado do PS José Magalhãse, actualmente Secretário de Estado, numa passagem duma das minhas últimas intervenções no hemiciclo dizer "Isto é discurso do passado...".
Pois é, até pode ser do passado.
O problema é que também é do presente e vai ser mais ainda do futuro...

Rui Fonseca disse...

Grato pela sua atenção e paciência atrevo-me, no entanto, a abusar desta para lhe colocar uma dúvida a propósito da sua afirmação:

"Para este efeito, dívida privada ou pública tanto faz,..."

Por dívida privada entendo eu, porventura mal, os débitos assumidos por entidades privadas, nomeadamente os bancos e empresas do sector privado. Presumo que as dívidas de empresas do sector público, caucionadas pelo Estado, devam considerar-se estatisticamente dívidas do sector privado mas, para o efeito que aqui falamos, são dívida pública.

De modo que, se um banco, por exemplo, cai em situação de incumprimento cairá nas mãos dos credores, geralmente outros bancos. Ou não?

Não haverá, portanto, neste caso efeitos completamente diferentes dos resultantes do incumprimento da dívida pública?

No caso da Argentina, por ter divisa própria, a situação não era semelhante, supunha eu.

Para efeitos de PNB, tanto a dívida privada como a dívida pública (o reeembolso e os juros) terão efeitos idênticos. Para os cidadãos contribuintes os efeitos são desiguais.

Ou não?

Rui Fonseca disse...

Não.

Volto porque, já depois de ter entrado com o meu comentário, vi que me esqueci de, pelo menos, um ponto importante: O incumprimento dos bancos, se decorre de um incumprimento dos seus clientes, determinará, forçosamente, uma redução do crédito concedido.

Que terá efeitos sobre a economia. O caso de empréstimos para habitação própria é flagrante.

Mais tarde ou mais cedo a construção abrandará e, tendo em conta o seu peso excessivo na economia, o resultado poderá ser catastrófico. Para toda a gente.

Tavares Moreira disse...

Rui Fonseca,

O tema que agora nos ocupa é muito interessante e importante.
A melhor prova disso é que ninguém, ou quase ninguém, excepção feita a J. César das Neves e mais um ou outro analista, lhe dá atenção.
É claro que não tardará muito e desatarão todos (os "media") aos berros, para dizer que descobriram mais este problema, outro MONSTRO, que ninguém tinha chamado a atenção para a sua gravidade,etc, etc.
Quanto à classificação das dívidas, é claro que a privada é aquela de que são titulares, sujeitos passivos, os particulares e as empresas.
Nestas últimas deverão incluir-se as E.P.E., embora como bem assinala, a dívida destas, quando garantida pelo Estado seja muito mais pública que privada. E a pouco e pouco vai passando para o sector público, à medida que o Estado vai subsidiando essas empresas ou aumentando o seu capital (dotações) para pagarem parte das dívidas.
Quando eu lhe disse que "para este efeito" pública ou privada tanto faz, refiro-me, como é evidente à necessidade de assegurar o seu pagamento ao exterior.
É claro que para os particulares solventes, como presumo seja o seu caso, a dívida privada é problema apenas de cada um, de quem é devedor.
A dívida pública é problema de todos nós que temos de suportar uma carga fiscal elevada para os pagar - e tb para pagar as despesas supérfluas, inúteis, ou totalmente absurdas que o Estado vai realizando com acabamos de ver neste rocambolesco episódio da invasão da propriedade agrícola e destruição de colheitas em Silves.
A propósito, já reparou nas acobracias mirabolantes do Ministério da Agricultura para tentar explicar o inexplicável quanto ao tipo de assistência jurídica que será providenciado pelo Estado ao agricultor ofendido?
É de pasmar tanto disparate seguido...e a oposição desnorteada sem saber como pegar no assunto.
Que espectáculo!