O ´Expresso´ do próximo fim-de-semana aborda a questão da crise do imobiliário e de como ela se vai fazendo sentir no País.
A contrário do que se passou noutras paragens, a crise em Portugal não teve um impacto abrupto. Mas é já notória - com excepção dos standards mais elevados, isto é, da habitação de luxo - uma evidente estagnação do mercado imobiliário.
Não só nas periferias, mas também no interior das grandes cidades, é raro o bloco que não exiba anúncio de venda de lojas ou fracções de habitação. Como é também uma evidência a oferta sem procura de espaços para comércio ou serviços.
Em Portugal, a crise do imobiliário há muito que estava anunciada. Construiu-se muito para além das necessidades. Construiu-se, aliás, sem consciência das necessidades e da capacidade de absorção do mercado.
Uma crise de abundância, gerada pela elevada e continuada rendibilidade da aplicação imobiliária para quem promoveu, construia e vendeu; e pelo empréstimo bancário fácil e pelo juro baixo prometido a quem comprou.
Essa conjuntura favorável ao sector terminou. Havia de terminar um dia num País onde bem contados, existem já muito mais fogos de habitação do que famílias para os habitar, não sendo previsível que o mercado internacional da habitação turística (que é igualmente sensível à crise) viesse a absorver tudo quanto a mais se construiu pelo País.
Longe vai o tempo em que a aquisição de imobiliário era uma forma de entesouramento.
Hoje, com a menor valorização e por vezes a desvalorização determinada por acelerados indices de degradação ou de vetustez, mas sobretudo pelos encargos - fiscais e outros - que impendem sobre a propriedade, não é uma boa aplicação de poupanças a aquisição de imóveis para habitação cuja revenda já não garante o "salto" para uma moradia mais qualificada ou uma mais-valia considerável no futuro.
O que resta a quem detém este tipo de bens, dificultada que está a sua alienação com vantagem financeira?
A locação será uma hipótese.
Será que a crise de abundância pode efectivamente reanimar o mercado de arrendamento, sobretudo se se confirmar a tendência para o encarecimento do crédito à habitação?
7 comentários:
Caro Drº. Ferreira de Almeida:
Excelente retrato da realidade imobiliária em Portugal. Há efectivamente excesso de casas.
O problema é tão grave que, as casas do segmento médio baixo, quando se conseguem vender, o construtor não “vê” o retorno do capital investido porque, entretanto, os juros vencidos acabam por levar mais do que o próprio lucro.
Dizia-me há dias um construtor da Amadora, com 80 anos de idade, que já tinha vencido muita crise, a do pós 25 de Abril, a dos anos 80…mas passaram. Esta, que tinha começado há dez anos, não percebia porque estava a durar tanto, e até os sócios estavam tão desiludidos que lhe estavam a vender as quotas abaixo do valor…
Dei-lhe a minha opinião, baseada no estudo de alguém que disse, e muito bem, que a viabilidade económica das empresas de construção civil passava por se especializarem na “reconstrução”.
O impacto da derrocada destas empresas na economia Portuguesa, e mais directamente nas famílias que dependem deste sector, já se está a fazer sentir, com milhares de trabalhadores a rumarem semanalmente a Espanha onde, por enquanto, vai havendo trabalho.
Eu próprio tenho verificado que as empresas estão a orçamentar abaixo do valor estimado, cerca de 40%. Já não “buscam” lucros, querem apenas aguentar-se nas despesas.
É provável que este excesso de casas “paradas” cinco anos(!?) até se venderem, tenham que entrar no mercado de arrendamento, e, a médio prazo, talvez haja oferta de habitações condignas e modernas para arrendar, uma vez que a qualidade de muitas das casas disponíveis, deixam muito a desejar…
Não está mal visto, não senhor...
Caro Dr. Ferreira de Almeida
Relativamente ao arrendamento existe realmente procura que supera a oferta por razões há muito conhecidas. No actual contexto é natural que a procura aumente ainda mais, mas a oferta resistirá até ao limite. Para entrar neste mercado são necessários recursos financeiros, recursos que os antigos proprietários não têm de forma a manterem o seu património, e recursos que os novos proprietários também não têm para optarem pelo arrendamento em lugar da venda.
Tudo isto acontece porque o mercado não é saudável e sustentado, provavelmente como a restante economia do País. Mas neste caso posso precisar as razões que explicam o exagerado número de casas à venda por preços que vêm descendo acentuadamente. Na periferia de Lisboa o valor das casas é realmente muito baixo.
As razões prendem-se em primeira linha com o mau urbanismo, a má qualidade arquitectónica. Esta situação é clara nas periferias de Lisboa, as pessoas não têm espaços verdes, os prédios vão surgindo na paisagem aleatoriamente, as casa metem água, etc. Em suma, o que se constrói não tem valor próprio, é dinheiro para lixo. O esforço dos cidadãos em tentar criar património e passa-lo aos descendentes, será em vão. Esta situação já se passou com os emigrantes, com as famosas casas na província. Quem vai comprar aquelas casas? Dinheiro mais uma vez para o lixo. Nova vaga de emigrantes será precisa a começar do zero.
De quem é a culpa de tudo isto?
Desde já, não é dos construtores. Há construtores bons e maus, tal como nas outras actividades. As actividades económicas são sempre racionais e se foi fácil construir de qualquer maneira no Cacém, mas é difícil construir cumprindo as regras, então constrói-se no Cacém.
Meu caro JMFA,
Por ausência, só agora li o seu comentário no Post do MF "eleições no PSD", que naturalmente mereceu a resposta Social Democrata indispensável.
Caro agitador:
Permita-me que o comente.
Concordo, na generalidade, com o que diz excepto quando escreve:
-“As razões prendem-se em primeira linha com o mau urbanismo, a má qualidade arquitectónica. Esta situação é clara nas periferias de Lisboa, as pessoas não têm espaços verdes, os prédios vão surgindo na paisagem aleatoriamente, as casas metem água, etc.”
Era desejável que as casas não se vendessem pelos motivos que elenca. Porque, a ser assim, significava que os portugueses da classe média e média baixa, tinham a possibilidade de decidir comprar em função dos mesmos padrões de exigência da classe média alta. Não concordo, visto que:
Uma família que vai à Serra da Mina ou ao Cacém à procura de um T2(com um agregado de 3 pessoas), não vai fazer depender a compra, de factores estéticos ou da existência ou não de infra-estruturas de lazer do bairro. As pessoas optam por aqueles locais, porque não têm “pulmão” para o Restelo ou para o condomínio da Lapa.
No entanto o problema subsiste. Dizem os entendidos que há milhares de habitações à venda que ninguém compra...
Caro JotaC,
O património construído é por excelência uma forma de transmitir riqueza entre gerações, desde que tenha qualidade para hoje e para amanhã, caso contrário será alvo de demolição. Que numa determinada altura, para as classes baixas, determinadas casas (na periferia de Lisboa) tinham qualidade na perspectiva que satisfaziam necessidades, numa perspectiva a prazo, isso já não é verdade.
A qualidade urbanística e arquitectónica não obriga a luxo ou custos elevados, obriga a conhecimento e amor pelo território pelos actuais e futuros cidadãos. Agora se construímos anarquicamente, mesmo que barato, no futuro temos ainda os custos da demolição.
O País não pode ser a Lapa ou a “lata”. Senão lá temos as estatísticas da desigualdade.
Mais concretamente e relativamente ás casas que não se vendem, a maioria são as tais casas que, pelos motivos apontados, já ninguém quer, porque a sociedade também evolui e as pessoas começam a perceber os erros de determinas opções. Por outro lado e tendo em conta o ciclo de pobreza que estes fenómenos urbanísticos provocam, e com a crise económica geral, as classes baixas ressentem-se por acumulação de factores.
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