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quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Keneth Rogoff, Ricardo Reis e...a política de "papa-açorda"

Editei na última 6ª Feira um POST comentando a iminente ruptura do Lehman Brothers, na sequência do episódio que envolveu as empresas/agências Fannie Mae e Freddie Mac, tendo citado a profecia feita a 18 de Agosto, em Singapura, por Kenneth Rogoff – segundo a qual iríamos assistir muito em breve à falência de um grande banco americano.
E ao 27º dia após essa profecia, o Lehman entregou-se aos credores!
Parece quase inverosímil tal capacidade de premonição!
Este episódio trouxe ao meu espírito a “famosa” profecia do Professor Ricardo Reis, de Agosto do ano passado, antevendo uma duração máxima de 30 dias para a crise financeira então no seu início, “esclarecendo” que a crise nem era financeira, nem era crise tampouco – tratava-se somente de uma situação de tensão “short-lived” no mercado interbancário, que no final de Setembro estaria ultrapassada e já não se falaria mais no assunto.
A menos que o Professor Reis tivesse emergido nesse dia de uma cura de sono e acabado de ler as notícias, custa a crer também como tenha sido possível um erro tão extraordinário de previsão...
Curiosamente, do Professor nunca mais houve notícia...espero bem que não tenha sido submergido pela crise do sub-prime...
Mas a absurda profecia do Professor Reis mereceu grandes parangonas por alguns dos mais destacados jornais de economia domésticos, que colocaram o Professor num pedestal, como nova estrela da economia nacional!
Era o que lhes cumpria de resto - a notícia era agradável ao “establishment”, enquadrava-se perfeitamente no estado de “papa-açorda” nacional reinante segundo o qual tudo o que se diga sobre problemas e ameaças que condicionam a economia é desde logo rotulado de alarmismo injustificado...até que os problemas estalam e pomos as mãos na cabeça sem saber o que fazer (a não ser tentar negar a evidência mais uma vez)!
Continuamos a viver nesta doce teoria em que diariamente nos servem optimismo às colheres, tentando fazer-nos crer, contra a evidência, de que tudo por aqui vai bem - até que as notícias do mundo real nos vêm sobressaltar e inquietar, retirando-nos cruelmente do torpor em que nos querem manter...
Esta estratégia de nos tentar manter tranquilos e “optimistas”- por exemplo insistindo em previsões de crescimento que se revelam sucessivamente infundadas - de tantas vezes contrariada pela realidade, não acabará por ter um efeito oposto ao que é pretendido pelos ideólogos do optimismo e suas agências de comunicação?
Conduzindo-nos a reagir por excesso aos episódios negativos?
E não tarda muito fica (se é que não está já) o “cidadão médio” mais pessimista que os agora acusados de pessimismo/alarmismo?
Não seria preferível enfrentar a realidade e por termo a optimismos injustificados?

23 comentários:

Tonibler disse...

Ontem escrevia lá no blog que esta "crise" (Ah! Mais um que não acredita na crise...) me faz lembrar a intervenção da ONU na Somália, quando as tropas americanas invadiram uma praia repleta de jornalistas, câmaras, projectores, cabos eléctricos...

Parece-me inquestionável que anda toda a gente à espera de apanhar o fim do mundo em directo, ao vivo e a cores. O rácio de notícias vs. factos é gigantesco e nunca visto nos mercados financeiros - é a crise em directo como a invasão da Somália foi a guerra em directo e, nestas circunstâncias, é um mundo novo. Grande parte da crise é retroalimentação da crise, onde "hipoteca" passou a ser sinónimo de "buraco" e, então, tudo o que se relacione com hipoteca passou a ser um lixo, exactamente porque os jornalistas "andam no meio da guerra" a reportar/gerar factos que compreendem mal, mas onde sabem as "buzzwords" que dizem com uma convicção especial. Aquilo que ontem eram dados para uns quantos, hoje é informação para todos, em directo, a toda a hora, repetida e espezinhada. Não há dia que não haja um tipo na televisão a dizer "há possibilidades que a crise do subprime ainda não tenha passado pelo seu pior momento" - coisa óbvia de se dizer, até sobre as dot.com.

O problema é que, se na guerra isso não se torna um problema militar, nos mercados torna-se um problema financeiro. Se se torna um problema económico ou não, é isso que o mundo novo que daqui vai surgir nos vai dizer. Eu estou certo que não, que não vai ser um problema económico. Que aquilo que vemos é mera volatilidade de índices bolsistas, nada de especial no longo prazo (no, fundo, sou um fiel seguidor do Ricardo Reis, seja ele quem fôr :)...). Mas, como disse, é um mundo novo. Posso estar enganado, certamente muito mais enganado que quem diz que "há possiblidades de ..."

Jorge Oliveira disse...

Porventura o problema do Lehman foi não ter tido em conta o mandamento : Thou shall not make business with climate change...

Porque autêntica premonição é a expressão em sub-título desta publicação :

http://www.lehman.com/who/intcapital/pdf/TheBusinessOfClimateChangeII.pdf

Jorge Oliveira disse...

E, já agora, posso acrescentar um outro link, para um interessante artigo que relaciona a Lehman Brothers com o escaldante tema do aquecimento global :

http://www.climateaudit.org/?p=3682

CCz disse...

A propósito de Ricardo Reis, acho mais preocupante a posição do ministro Pinho. Está agora a fazer 1 ano que li, no Diário Económico, a afirmação de que a crise não afectaria a economia portuguesa.

Pedro disse...

Caro Tavares Moreira,

Acho muito bem que martele a cabecinha do Ricardo Reis. Principalmente porque ele tem valor... presentemente anda bela Big Apple:

http://www.columbia.edu/~rr2572/

O excesso de confiança é fatal e espero que o Professor Reis (with accent) tenha aprendido a lição.

Sobre os media, baste atentar a dois factos: 1) Para perceber o que quer que seja é preciso tempo. 2) Os jornalistas não têm tempo.

Conclusão, em geral, os jornalistas não percebem nada e pouco do que escrevem revela entendimento.

Não afirmo que os jornalistas sejam uma variante humana particularmente subdotada, mas apenas que apresentam graves deficiências metodológicas associadas ao facto de os problemas que reportam andarem longe da trivialidade.

Cumprimentos,
Paulo

PA disse...

há quem apelide de "banhos de propaganda" a este optimismo reinante sempre incluso, na mensagem mediática dos nossos actuais governantes.

a (des)propósito, hoje li:

"A popularidade de Jerónimo de Sousa é um fenómeno que ainda está por explicar"
(Constança Cunha e Sá)


Talvez se explique aqui, a diferença entre "o alimentar optimismos excessivos" e "o enfrentar a realidade".

À primeira, chama-se propaganda.
À segunda, chama-se popularidade.

pena que a aliança entre o PCP e o PSD seja uma utopia, porque há gente honesta, competente, e politicamente ética, em ambos os partidos, capaz de levar para a frente, o Futuro de Portugal, com trabalho e sacrifício.

cá na minha terra, PCP e PSD, até se entendem razoavelmente bem. Por acaso .... (ou se calhar, não será por acaso)


temos que "crescer" politicamente, abandonando certos preconceitos e fantasmas do passado, senão nunca iremos a lado nenhum.

os meus cumprimentos, Caro Dr. Tavares Moreira.

Bartolomeu disse...

Se me fosse concedida iluminação para tanto, comentaria da mesma forma que o nosso caro Tonibler.
Somente acrescentaria ao comentário, uma trilha sonora, esta:
http://www.youtube.com/watch?v=uOs1HC29zh4

Tavares Moreira disse...

Caro Tonibler,

Não se vai enganar, meu Caro, não se preocupe...nem agora, com essa confissão do optimismo em relação à economia real - o custo do capital é indiferente para a boa marcha dos negócios, sejam estes investimento ou consumo - nem na sua anterior previsão de +1,2% para o crescimento do PIB 2008/Portugal...
É tudo uma questão de confiança na lei, recorda-se meu Caro?
Decreta-se o crescimento, decreta-se o optimismo e podemos dormir descansados - qualquer problema que surja são apenas pesadelos do sono, resolve-se com uma aspirina.

Caro CCz,

Creio que o Ministro Pinho se está agora a meter em boa embrulhada com os preços dos combustíveis...era bem melhor ficar-se por declarações etéreas, de um "papa-açordismo" infensivo, como essa que refere!

Caro Paulo,
Perspicaz o seu comentário, para não variar...

Cara Pèzinhos,

Fiquei bem mais confortado, depois de receber seu comentário...que já tardava!

Anónimo disse...

Cato tavares Moreira, relativamente à profecia de Ricardo Reis, fiz exactamente a mesma questão no dia 1 de Julho, sendo que o próprio Ricardo Reis teve a amabilidade de me responder, esclarecendo alguns aspectos que tinham sido pouco claros, aquando da leitura da entrevista ao DE. Mantenho a minha posição, no entanto: foram palavras profundamente imprudentes as de RR.


Se esticer interessado, fica aqui o link com a respectiva discussão.
http://opovoesereno.blogspot.com/2008/07/lembram-se.html

Tavares Moreira disse...

Caro Pedro Gomes,

Agradeço seu contributo para este debate.
Quanto ao Prof. Reis devo confessar que nada me move contra a Pessoa, que respeito muito, apenas entendo que o comentário ou profecia que editou em Agosto do ano passado foi extremamente infeliz.
E o problema é sempre o mesmo: entrar no jogo do "papa-açordismo", que é um exercício de mau gosto, para enganar o próximo!

Tonibler disse...

Custo do capital, caro Tavares Moreira? Isso, no fim do ano, é inflação.
1,2%, projecção Tonibler seguríssima!

PA disse...

desabafos, Caro Dr. TM, .... apenas desabafos e estados de alma, da minha parte, que me proporciona a possibilidade e a honra, de poder interagir virtualmente com o Senhor.

Com o devido respeito.

Tavares Moreira disse...

Caro Tonibler,

Essa do custo do capital ser compensado por inflação no fim do ano - e porque não antes, a 1/3, a 1/2 ou a 3/4 do ano? - encaixa à maravilha no discurso de "papa-açordismo" e o meu Caro corre nesta altura o "risco" de ser recrutado, a alto preço, por uma das agências de comunicação do optimismo às colheres!
Quanto à firmeza da previsão para o PIB, fico muito confortado com sua segurança - vamos ter decreto, pela certa!

Cara Pèzinhos,

O gosto nesta interacção é genuinamente recíproco, pode estar certa...Só espero que me dê o gosto da continuidade e...aprofundamento!

CCz disse...

Caro TM,
.
Papa-açordismo militante é a afirmação, é a defesa, é a crença de que este Código do Trabalho, de que qualquer Código do Trabalho, pode ser uma arma para aumentar a produtividade.
.
http://tsf.sapo.pt/PaginaInicial/Portugal/Interior.aspx?content_id=961574
.
http://ww1.rtp.pt/wportal/informacao/noticias_audio/index.php?noticia=19174
.
Será que as pessoas sabem o que é a produtividade, como se mede e como se cria?
.
Words, just words!!!

Tonibler disse...

Caro Tavares Moreira,

A minha previsão ainda não deu decreto, se calhar, por ser a única.... (tirando claro as do Banco de Portugal, mas essas não têm a mesma credibilidade).

Tavares Moreira disse...

Caro Tonibler,

Honra lhe seja, a sua previsão e muito mais modestamente a minha (0,7%) são as únicas domésticas a que posso reconhecer alguma credibilidade (e independência, coisa que hoje vai escasseando...).
Sendo assim, porque não fechamos um pacto, somando as duas e dividindo por 2?
Obtendo o magnífico resultado de 0,95%?
E dividindo os louros (ou amargor) de acertar no (falhar o) alvo?
É uma forma de reduzir o risco em tempo de tanto risco...
Quanto ao decreto, pode estar tranquilo que ele virá, nem que seja a posteriori...

Rui Fonseca disse...

Caro Tavares Moreira, boa tarde!

Já vai longa a lista e o RR já tem a conta merecida.

Contudo, o factor medo é terrível nestas ocasiões de descalabro sem fim à vista.

Se mais comentários, transcrevo parte de um comentário na Slate:

Investors were so panicked as they rushed to sink their money into U.S. government debt, which is considered the safest investment, that at one point yesterday they "were willing to pay more for one-month Treasurys than they could expect to get back," reports the Wall Street Journal. "That's never happened before." Investors were also eager to snap up gold, which has always been considered a safe haven during turbulent times, that its price increased by more than $70, which the Los Angeles Times calls "its biggest one-day gain ever in dollar terms." Meanwhile, the average American might not understand the ins and outs of the crisis but they still "know that something's wrong," says USA Today, which reports on a new poll that shows 23 percent of adults think the economy is in a depression. That's nearly double the number of people who thought so in February.

Tavares Moreira disse...

Caro Rui Fonseca,

Bem vindo a este debate tranquilo (só possível em Portugal, graças ao "papa-açordismo", alguma vantagem este haveria de ter...) sobre os problemas que afligem o sistema financeiro mundial e não apenas nos USA:
- Já reparou no que se está passando na Rússia e na China, para citar apenas dois emergentes?
- Já viu os comentários desta tarde de G.Soros sobre a propagação do fenómeno à Europa?
O fenómeno que salienta, que se verifica tanto nas depressões como na formação de bolhas especulativas, também é conhecido pela sugestiva expressão de "herd" factor...

André Tavares Moreira disse...

bem, ainda ontem numa entrevista na sic noticias, o "mago" manuel pinho dizia que o trabalho dele era dar incentivos aos portugueses, e que a crise havia de passar.

Andamos nesta fantuchada desde Agosto do ano passado. A tentar atirar areia para os olhos. Quantos familias não estariam bem financeiramente, se a tempo e horas se tivesse avisado das possiveis subidas na taxa de juro e crise que aí viria. Não. Decidiram olhar para o lado e seguir em frente, até tropeçar. Resultado? Os portugueses estão de bolsos vazios, os bancos de bolsos rotos, e as dores de cabeça aumenta dia-após-dia....

Tavares Moreira disse...

Caro André,

Parafraseando Medina Carreira, "Aquilo parece um comentador desportivo" - referindo-se, em entrevista televisiva, ao mago que menciona e que, devemos reconhecer, tem sido o grande sustentaculo da política económica, gostemos ou não do seu estilo algo histriónico...
Onde estaria hoje a economia portuguesa sem M. Pinho - alguém é capaz de dizer?

CCz disse...

"Aquilo parece um comentador desportivo"
.
Apetece sorrir com a metáfora... só que depois lembro-me de Luís Freitas Lobo e considero a comparação um insulto para alguns comentadores desportivos.

Pedro disse...

Meus Caros,

Existe instalada numa certa "elite" portuguesa a noção de que são líderes e que lhes cabe liderar o País. Até aqui nada de errado, excepto que essa "elite", não sabe o que é liderança.

O Sr. Ministro da Economia é um exemplo claro da confusão instalada nos espíritos dessa gente que pensa que liderar é incentivar -- é dizer: "Vamos!", "Força!", "És o maior!". Independentemente de qualquer análise da realidade. Parecem o pagode aos berros num campo de futebol, a apoiar a selecção. Como a realidade costuma ser implacável, o resultado é a derrota (tal como no futebol). Mas eis que eles não desistem do "Força!", "Somos os maiores!". Na educação também temos "líderes" da mesma estirpe.

Existem uns senhores que têm a obrigação de saber o que é liderança. De facto se não souberem liderar ninguém arrisca a couraça sob o seu comando. Se errarem pagarão bem caro.

Esses senhores têm certas regras para definir o que é liderança e dizem existirem *denominadores comuns* à liderança. Pare liderar é preciso cumprir *todos* os requisitos. Os requisitos são do mais elementar bom-senso. Aqui vão:

1) Proficiency and knowledge.
2) Duty, integrity and courage.
3) Leadership is communication.
4) Leadership and choosing your enemies carefully.
5) Leadership is warranted ego.
6) Leadership is vision.
7) Leadership is innovation.
8) Leadership is encouragement.
9) Command presence.

Quando a "elite" pensa que "liderar" é *apenas* encorajar é óbvio que temos o caldo entornado.

Pior, é sobre as nossas cabeças que cai o azeite escaldante.

Cumprimentos,
Paulo

Tavares Moreira disse...

E o pior ainda, caro Paulo, é que o azeite escaldante de que fala, nessa sua bem estruturada reflexão, aparece ordinariamente com um sabor fiscal, queimando-nos não apenas a pele mas também a definhada carteira...
Pondo de parte o humor, estamos mesmo mergulhados numa série crise de "liderança" quando aqueles que supostamente nos "lideram" não estão minimamente preparados para essa árdua missão...como se vê por exemplo da confusão do exercício do poder com o permanente espalhafato na praça pública...