Andei por um cantinho isolado deste País adormecido, onde já nada do que acontece ou do que tarda a acontecer parece interessar à generalidade das suas gentes. Só a espaços tomava conhecimento do que se ia passando. Mais floresta ardida, as aflições e desgraças infelizmente habituais nesta altura do ano, mais incêndios na justiça desmentindo quem julgava nada mais haver para arder na coutada dos marqueses, condes e barões, e os comentários e análises das habituais figuras, tentado inventar rebuscadas interpretações para uma realidade que todos já entendemos nas suas causas e não se torna necessário conhecer nas suas consequências.
Um facto, um só, me perturbou a apatia a que senti ter também direito. A recomendação do senhor Presidente da República dirigida aos analistas estivais para a leitura de Gomes Canotilho e Vital Moreira (Os Poderes do Presidente da República, 1991) com que pretendeu defender que o Chefe do Estado tem os poderes que tem, e que ali, naquele livro, vêm explicados. Se não estou em erro, a declaração visou rejeitar a hipótese, posta por alguns, de que o PR deveria intervir para suster o aprofundamento da crise da justiça, para o qual o PR não pretende contribuir, intervindo.
Confesso que fiquei perplexo com a declaração do Professor Cavaco Silva. Não tanto por o PR entender que não deve acudir à agonia da justiça por entender suficiente a acção do ministro da dita. Mas mais por ter invocado uma visão doutrinária, ainda que seja a mais clarividente, sobre o sentido e alcance dos poderes presidenciais, parecendo alienar um poder evidente, que é o de o Chefe do Estado avaliar em cada momento, e com ampla discricionariedade, que actuação é requerida para reposição da normalidade e da regularidade do funcionamento das principais instituições da democracia. No quadro da Constituição que jurou respeitar, está claro. Tanto quanto claro está que é a própria Lei Fundamental que lhe confere esse poder de avaliação.
A minha perplexidade resulta do facto de ser conhecido que o quadro dos poderes do Presidente da República no nosso semipresidencialismo é versátil, acentuando-se a vertente governamental, parlamentar ou presidencial em razão da conjuntural correlação de forças, da circunstância de existir ou não uma maioria parlamentar, e mesmo no caso de existir, de ela ser sólida e homogénea ou fruto de contigência. O que implica que o PR tenha de ser nalgumas circunstâncias mais "bombeiro" do que "polícia" ou "árbitro"; e noutras, mais "árbitro" e "polícia" que "bombeiro", para utilizar as expressões de Canotilho e Moreira na obra que o Presidente recomendou aos analistas sazonais.
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A completar a leitura recomendada pelo Professor Cavaco Silva aos analistas de verão, sugere-se uma outra, um pequeno texto da autoria de Olivier Duhamel, Les Logiques Cachées de la Constitution de La Cinquième Republique, escrito em 1984 quando o semipresidencialismo encantava (salvaguardadas as diferenças em relação ao modelo semipresidencial de França e o contexto histórico do desenvolvimento do V República). Estou certo que ali se poderão inspirar os que terão de encontrar os fundamentos de futuras e inevitáveis intervenções presidenciais, quando outros contra elas venham a brandir do livro dos professores de Coimbra e recordar esta declaração presidencial.
10 comentários:
Caro Dr. José Mário, só não estou de acordo com o título do post.
Em minha opinião deveria ser "As ilógicas claras do semipresidencialismo"
Eu estou cada vez mais fã da monarquia. A ideia de ter um sujeito que tenha que defender com a vida a constituição, em vez de um tipo qualquer que usa a constituição para defender a vida, é-me cada vez mais simpática.
E, principalmente, se há livros franceses sobre a república é porque não presta...
;))
Não é preciso ir tão longe, caro Tonibler, não se esqueça da forma de sucessão. Mas um regime prsidencialista, sim!
A responsabilidade seria total e o "macacal" não perdia o direito a eleger o personagem.
Caro Bartolomeu,
A forma de sucessão ainda é melhor porque não só tenho que defender a constituição para não levar um tiro, como a tenho que a defender para que o meu filho também não leve. Eu só vejo vantagens nisso.
E, também, já há qualquer coisa de positivo na presidência do Cavaco. Tornar-me monárquico...
Não deixo de concordar com a sua visão, caro Tonibler. Até acho que a restauração da monarquia podia ser a forma de o nosso país saír da crise, em primeiro lugar, porque os nossos republicanos (alguns) acorreríam à compra de títulos nobiliárquicos, o que resultaria muito melhor em termos de tesouro, que a colecta forçada de impostos. É claro que no fim, citando o nosso prezado amigo Manuel Brás, seria o mexilhão a paga-las todas juntas. Mas isso, em comparação com a restauração do latifundio e a exploração da mão-de-obra assalariada, seria de somenos importância. Um outro aspecto positivo, seria a renovação do sangue da esquerda militante e de um ou outro cantor e escritor de intervenção. Estou a lembrar-me da célebre frase de Almeida Garrett no seu "Viágens na Minha Terra" «E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?»
Caros Bartolomeu e Tonibler:
E andamos nós aqui, os autores dado 4R, a lutar pela Quarta República e os nossos amigos comentadores propõem a Monarquia?
Aqui no 4R há princípios!...
A menos que se trate de uma monarquia republicana ou de uma república monárquica...
Caro Dr. Pinho Cardão.
Ou até uma anarquia republicana, ou uma monarquia anárquica, é só uma questão de moscas, porque o resto não muda.
Caro Pinho Cardão,
Tenho um presidente que só defende as partes parvas da constituição, o resto resolve interpretá-la da maneira que entende. Quando deixar de ser presidente, lá para Janeiro, vou ter que continuar a pagar~lhe as mordomias todas e, se lhe der na mona, ainda faz uma fundação para o promoção da filosofia luso-cabo-verdiana que vai consumir 2 mios de euros por mês.
Se tivermos um rei ele vai ter que interpretar a consituição da maneira que sabe que amanhã vai continuar a ser ele a interpretá-la. E que a forma de o depormos para por dar-lhe um tiro na cabeça.
Por isso, estou a ficar fã da monarquia.
Apresse-se Tonibler, porque olhe, 67% dos que votam, dizem que o farão em Cavaco Silva, 20% em Alegre depois uns quantos em Nobre, um punhado deles não sabem e outra meia-dúzia, afirma que não dá para esse peditório.
E ainda há quem se questione porque é que somos um país pobre...
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