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sexta-feira, 5 de junho de 2015

Mudanças de paradigma e sustentabilidade das pensões

Muito se tem falado sobre a reforma do sistema de pensões, mas na verdade o que temos ouvido não nos tem esclarecido sobre as mudanças a fazer, o que fazer e como fazer. Verbaliza-se a existência de um problema de insustentabilidade, mas faltam propostas políticas concretas para o resolver. Até porque a necessidade de repensar o sistema de pensões não se reduz à dimensão financeira. Um sistema de pensões deve assegurar a equidade intergeracional e a adequação da pensão na reforma. O nosso sistema de pensões inclui problemas de iniquidade entre gerações e de desadequação da pensão na reforma que não podem ser ignorados.
A confiança no sistema público de pensões, que se perdeu, e a sua estabilidade e previsibilidade, que desapareceram, são valores fundamentais para, também, ajudar a recuperação económica e contribuir para melhorar a sustentabilidade das finanças públicas. Os efeitos macroeconómicos constituem, também, preocupações que devem ser atendidas no desenho de um sistema de pensões. Entre estes destacam-se a competitividade, a poupança de longo prazo e a acumulação do capital humano. Um sistema de pensões também deve ser capaz de gerar comportamentos assumidos de poupança para a reforma, assim como deve ser capaz de atrair e fixar trabalhadores qualificados. 
Ora, todas estas preocupações devem ser consideradas e enquadradas numa realidade que sofreu mutações significativas nas últimas décadas. Muita coisa mudou, sendo por isso natural que os sistemas que compõem o Estado Social se adaptem e saibam ler os sinais de mudança e responder adequadamente.
Significa isto que estamos perante mudanças que implicam a necessidade de ajustarmos de práticas comportamentais, institucionais e políticas. São muitos os paradigmas, até agora aparentemente inabaláveis, que necessitam de dar lugar a novos paradigmas que apelem a novas dimensões e formas de responsabilidade. É a luz de "mudanças de paradigma" que devemos reflectir sobre o que deve ditar uma reforma do sistema de pensões. 
Decidi, por isso, revisitar algumas delas pela sua ausência ou insuficiência na discussão política sobre a (in)sustentabilidade do sistema de pensões:

A propósito dos factores demográficos e económicos que estiveram na origem dos sistemas de pensões baseados no método de repartição 
O que favoreceu, inicialmente, o método de repartição em que assenta o financiamento do nosso sistema público de pensões foram as taxas de natalidade elevadas da geração baby boom e o crescimento das economias a bons ritmos. Mas os tempos mudaram. Mudou a demografia, designadamente, nascemos menos e vivemos mais, e a economia também mudou, designadamente, os padrões de emprego e os níveis de desemprego estrutural. Estamos portanto confrontados com uma nova equação para resolver. A resolução da equação passa pela internalização daquela mudança de paradigma, não apenas porque há que conferir sustentabilidade financeira duradoura a um novo contrato social, mas porque há também que encontrar um modelo que assegure de forma sistémica a equidade na distribuição de custos e de benefícios entre gerações e que favoreça e reconheça a importância da poupança para a reforma.

A propósito da necessidade de abandonar a "gestão à vista" das pensões 
A actuação sobre o sistema de pensões é incompatível com uma gestão à vista, com intervenções avulsas e ad-hoc e soluções improvisadas, ditadas pela urgência do curto prazo e pela conveniência eleitoral e política. Sem esta mudança de paradigma as crises sucedem-se: não há antecipação nas escolhas, não se influenciam comportamentos, não se ultrapassam os problemas e os conflitos entre escolhas políticas tendem a agravar-se.

A propósito das decisões "silenciosas" dos governos 
Espera-se uma atitude de responsabilidade política de não esconder a realidade e não gerar falsas expectativas e promessas. A verdade deve ser explicada. Dada a grande assimetria de informação existente entre os decisores políticos e os cidadãos, a mudança de paradigma das decisões “silenciosas” e das decisões ditadas por razões puramente eleitorais é um imperativo ético e político dos governos e das oposições. A visibilidade social e fiscal é uma condição para a mudança de comportamentos e aceitação dos seus benefícios.

A propósito do que devem ser as funções da gestão pública das pensões 
A gestão pública das pensões deve ter uma função educativa, informativa e pedagógica, tudo o que o nosso sistema de pensões não tem. Esta mudança de paradigma implica uma revolução na forma como o sistema de pensões se relaciona com os contribuintes e os pensionistas. Um sistema de pensões existe para as pessoas, é um meio e não um fim em si mesmo.

24 comentários:

Luis Moreira disse...

Muito interessante e pedagógico

Bartolomeu disse...

Drª. Margarida, obrigado pela visão clara e precisa (se bem que sucinta como é natural) daquilo que é o nosso Sistema de Pensões, dos males de que padece e o que é preciso fazer para que funcione da forma ideal. Como se vê neste texto, o "mal" é composto de vários "males" acumulados ao longo de décadas, mas que agora está a tornar-se letal porém, com possibilidade de recuperação; ou melhor, com absoluta necessidade de reestruturação para que possa reganhar o equilíbrio e a estabilidade. Muitos espurgos terão de serf eitos a este Sistema e muitas suturas, amputações até. Mas se este post o que no seu livro é exposto e ainda a conjugação de opiniões igualmente sábias nesta matéria se der, então poderemos vir a ter a Segurança Social que todos desejamos.

Carlos Sério disse...

Cara MCA
Fala-se de pensões e fala-se da sustentabilidade da Segurança Social metendo tudo no mesmo saco. Diz-se que sem “reformas” não haverá dinheiro para pensões esquecendo propositadamente ou não o momento singular e excepcional porque estamos a passar.
Não apenas as pensões fazem parte da despesa da Segurança Social. O subsídio de desemprego, da invalidez, deficiência, da doença, morte, do abono de família, aleitação, nascimento e outros subsídios à família, da inserção social, etc , também se somam à despesa da SS.
O certo é que até 2010 não existia este “problema” da chamada insustentabilidade da SS. Será lógico portanto afirmar que a responsabilidade desta situação cabe por inteiro à governação Coelho/Portas. A culpa dirá o governo, será antes do memorando do resgate a que o país se obrigou.
Contudo, a dimensão da recessão sofrida no país é da responsabilidade do governo ao aplicar o dobro da austeridade inscrita no memorando, gerando com isso mais desemprego, mais precariedade no trabalho, mais emigração dos jovens, tudo factores excepcionais que descapitalizaram a SS. E a prova de que a duplicação da austeridade imposta por Coelho/Portas gerou mais recessão do que a esperada no memorando está nos valores muito superiores alcançados na Dívida Pública, no défice público e no crescimento económico aos estimados em cada um dos anos de vigência do memorando.
Emprestou-se dinheiro aos Bancos porque se entendeu que se vivia um tempo de crise, um tempo excepcional. Contudo, acredita-se que passado este tempo difícil, o Estado se retirará dos apoios financeiros aos bancos e tudo retorna aos tempos da anticrise. Não se pensa perpetuar a intervenção do Estado na Banca.
Então porque não admitir que a SS viveu um período de crise mas que será expectável que tudo volte à normalidade? Porque se quer aplicar uma “reforma” à SS considerando os parâmetros e factores de hoje que sabemos serem excepcionais? Porque se ajudam os Bancos e não a SS em momentos de crise?
Porque se quer aplicar à pressa e à força uma “reforma” na SS para vigorar num tempo futuro normal sabendo que vivemos num tempo de crise anormal e passageiro? Porque se quer criar uma “reforma” em tempos anormais para vigorar em tempos anormais?
A não ser que se acredite que a emigração dos jovens irá continuar eternamente, o desemprego se manterá e agravará para sempre e a precariedade e instabilidade no trabalho, inibidora da natalidade, durará para sempre. Será este o futuro que Coelho/Portas equacionam para o futuro do país? Quando se afirma que os “tempos mudaram”, que “há mudança de paradigmas” seja lá o que isso for, será que estão a preparar-nos para a aceitação deste autentico suicídio colectivo?
Alguém em seu juízo poderá aceitar este miserável futuro que nos anunciam tão dramáticamente?

Carlos Sério disse...

Corrijo,
Porque se quer criar uma “reforma” em tempos anormais para vigorar em tempos normais?

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Carlos Sério
Já o Livro Branco da Segurança Social de 1998 apontava para a insustentabilidade do sistema de segurança social, com os primeiros saldos negativos a ocorrerem em 2015. Infelizmente, poucos levaram a sério as suas conclusões.
A reforma de 2007 de cariz paramétrico, que foi importante, adiou o primeiro défice do sistema previdencial da segurança social para 2035. Nos estudos da reforma, foi projectado em 2106 um crescimento acumulado do PIB entre 2007 e 2013 de 25%. O que veio a acontecer foi um desvio médio anual de -3,6%. As projecções do PIB tornaram-se uma ilusão quando comparadas com os dados reais. Nas projecções mais recentes, 2013 e 2104 - constantes dos relatórios de sustentabilidade financeira da segurança social, anexos aos OE - o primeiro défice é antecipado para 2020, reforçando a existência estrutural de défices ao longo do período de estudo, até 2060.
As projecções apontadas pelo Ageing Group Report 2015 da Comissão Europeia, um documento cuja leitura recomendo, em relação a variáveis chave, designadamente, emprego e desemprego, população residente e população activa, número de contribuintes e número de pensionistas, PIB, taxas de substituição (primeira pensão/último salário) não deixam quaisquer dúvidas sobre os problemas de sustentabilidade, equidade e adequação do rendimento na reforma.
Aqueles que defendem que está tudo bem - são poucos, contam-se pelos dedos de uma mão - que afirmam que os problemas são conjunturais, que defendem não é preciso fazer mudanças, seria bom que mostrassem contas para justificar a sua posição. É imperativo que o façam.
Caro Carlos Sério, o que é que entende por tempos normais? Creio que a "normalidade" se alterou. Temos que fazer um grande esforço para termos economia. Qualquer que seja o sistema de segurança social, o que teremos para distribuir e redistribuir dependerá da riqueza que formos capazes de construir. Com mais ou menos economia, o Estado não pode nem deve prometer o que não tem por para dar. Quero dizer com isto que as actuais gerações devem reflectir muito bem se querem manter o actual modelo de funcionamento do sistema ou se preferem um sistema que, mantendo o modelo de repartição, sendo obrigatório e universal, solidário e sob gestão pública, paga pensões de acordo com o desempenho da economia e da demografia, valorizando o esforço contributivo. Muitos países ricos fizeram mudanças neste sentido. Não por acaso.
A propósito dos jovens, que jovens estão interessados num sistema que lhes exige um esforço contributivo elevado e que tem mostrado não ser capaz de honrar compromissos? Estes jovens irão procurar um sistema que lhes ofereça confiança, no qual sintam que cada euro de contribuição serrá recompensado.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Bartolomeu
A pior coisa que pode acontecer a um país é andar atrás dos prejuízos. Não ter visão, não antecipar problemas, pensar na velha máxima da evolução na continuidade, não compreendendo ou ignorando os sinais dos tempos mas querendo fazer parte dos novos tempos. É evidente que não podemos prever tudo, é evidente que crises como aquela em que estamos mergulhados escaparam ao "radar". Somos um país com uma grande resistência à mudança, talvez que não confiemos em nós próprios. Quando confiamos as coisas correm bem. Temos que fazer da confiança a normalidade.

Tiro ao Alvo disse...

Gostaria que a Margarida comentasse este post do Pedro Romano:

https://desviocolossal.wordpress.com/2015/06/01/a-seguranca-social-e-sustentavel-e-mas-o-que-e-que-isso-significa/#more-2273.

Antecipadamente grato.

Carlos Sério disse...

Cara MCA
Poder-se-ão considerar “tempos normais” os anos em que a taxa de desemprego não seja superior a 8%, o crescimento ronde os 2%, o saldo migratório seja positivo (desde 2011 é negativo na ordem dos 30.000) e o saldo natural igualmente positivo (em quebra desde o inicio da crise financeira com acentuado agravamento a partir de 2012).
São metas perfeitamente alcançáveis desde que a governação do país as tome como objectivos e se empenha em concretizá-las com medidas politicas que as favoreçam.
Ora acontece, que quanto aos dois primeiros objectivos - desemprego e crescimento – poder-se-á dizer que tanto o PSD/CDS, como o PS as inscrevem como propostas em seus programas apesar de logo aqui se encontrarem diferenças entre eles quanto às medidas esperadas para os alcançar. Para atingir crescimento económico e diminuição de desemprego o PS advoga medidas políticas de incentivo à Procura enquanto o PSD/CDS, ao contrário, advoga políticas de incentivo à Oferta.
Quanto às outras metas, tanto o saldo natural como o saldo migratório exigem medidas políticas de combate à precariedade e à instabilidade no emprego, de aumento de salários e do salário mínimo numa palavra o abandono da austeridade cega e uma nova reforma laboral amiga das famílias, amiga dos trabalhadores. Aqui o PSD/CDS encontra-se muito longe de poder concretizar tais políticas. O seu modelo económico e social neoliberal é precisamente contrário à implantação de tais medidas. O PS por sua vez parece estar a ter uma recaída social-democrata com promessas eleitorais favoráveis ao estado social e às políticas Keynesianas e assim encontrar-se mais perto de as atingir e deste modo fazer regressar o país aos seus “tempos normais”.
Quando a MCA diz” foi projectado em 2016 um crescimento acumulado do PIB entre 2007 e 2013 de 25%. O que veio a acontecer foi um desvio médio anual de -3,6%”;mas é precisamente os tempos de crise os que refere, os “tempos de anormalidade”, com uma taxa de desemprego que atingiu os 17%, com uma recessão acumulada de -6,9 p.p. do PIB (2008 a 2013), com uma emigração de 100.000 jovens por ano e mais mortes que nascimentos, e portanto que não se poderão considerar tais anos como anos padrão.
A não ser, repito, que se acredite que a emigração dos jovens irá continuar eternamente, o desemprego se manterá e agravará para sempre e a precariedade e instabilidade no trabalho, inibidora da natalidade, durará para sempre.
E que este seja o novo e eterno paradigma resultante de uma austeridade que se quer perpetuar – de “uma austeridade sem fim”, onde “para que os sacrifícios que se fizeram não sejam em vão se torne necessário continuar com os sacrifícios”.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Carlos Sério
Seria excelente que o PIB crescesse sustentadamente 2% ao ano e que o desemprego sustentadamente se situasse nos 8%. Conhece projecções da conta do sistema previdencial da segurança social suportadas nos seus "tempos normais"?
As perdas significativas que estão estimadas nas próximas duas décadas para a população total e para a população activa, assim como as previsões de deterioração do racio de suporte e do racio de dependência para níveis nunca vistos, concorrem para o decínio demográfico que não pode deixar de ser incluído na equação.
As projecções conhecidas da conta do sistema previdencial da segurança social mostram, como mencionei no meu anterior comentário, desequilíbrios financeiros estruturais em cenários de normalidade, condizentes com as capacidades do país. A crise apenas veio antecipar os problemas já existentes, trouxe para o debate político e público o tema da (in)sustentabilidade mais cedo do que previsto. Ainda bem.
É pena que o governo e o PS, que reconhecem a existência de problemas de insustentabilidade financeira, não apresentem os projectos que têm para os resolver e não queiram conversar sobre o assunto.

Carlos Sério disse...

Cara MCA
Não creio que uma taxa de desemprego de 8% seja algo de extraordinário. Na década de 1990/1999 a taxa mádia de desemprego foi de 5,5% e na década de 2000/2010 foi de 6,6%. Quanto ao crescimento económico se na década de 1990/2000 ele se situou nos 3,4% na década seguinte – com a nossa adesão plena ao euro – a média baixou para 0,91%. Uma estimativa média de 1,5% a 2% é perfeitamente estimável, se, e só se naturalmente se inverterem as políticas que nos têm sacrificado.
Admito perfeitamente que os crentes dos dogmas neoliberais sejam incapazes de terem projecções diferentes das catastrofistas que a toda a hora são apregoadas pelo governo. Consideram o modelo neoliberal de sociedade como o único, insubstituível e eterno e como tal tornam-se incapazes de prever qualquer futuro que não seja sob o manto da austeridade, do desemprego, dos baixos salários, da precaridade no trabalho e nos baixos crescimentos económicos.
Estão enganados. Uma alternativa é possível e inevitável.
Acredite MCA, a política da “austeridade sem fim” não tem futuro.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Carlos Sério
Não posso patrocinar um sistema de pensões que gera dívida e que discrimina gerações. O contrato social deve não só salvaguardar as pensões em pagamento e em formação mas, também, os direitos das gerações mais novas que estão no sistema e das vindouras. É preferível um sistema de pensões que providencia o que a economia e a demografia permitem em cada momento, do que um sistema de pensões que promete o que não pode dar. Tem sido sempre assim. As medidas paramétricas e os cortes avulsos nas pensões actuais e futuras atingiram o coração do sistema, a confiança. É um caminho esgotado. Não é uma questão de conjuntura e não é uma questão de "austeridade sem fim". As projecções para a economia e a demografia de médio e longo prazo para Portugal e os países da União Europeia e da OCDE não presuupõem a "austeridade sem fim" como cenário base. O caminho da "austeridade" também está esgotado. Não duvide Caro Carlos Sério que o sistema de pensões tal como está não tem futuro pela simples e complexa razão de que não é sustentável para o nível de benefícios que promete e gera, por isso mesmo, iniquidades entre gerações inaceitáveis.

Pedro Almeida disse...

Cara Drª Margarida,

Os meus parabéns pela sua excelente reflexão. A senhora, além de ter um evidente domínio sobre o tema, recusa qualquer abordagem demagógica e irrealista. Se a sua abordagem prevalecesse entre a classe política, a história seria outra, como se costuma dizer. Infelizmente a preocupação dominante é com os votos. Não se faz a abordagem que a senhora impecavelmente faz com medo de se perder votos e, até mesmo, as eleições! Mas o problema permanece. E se nada de substancial for feito, serão as novas gerações a sentir os efeitos da postura de quem teima em fazer de conta que o problema não existe ou que não é como dizem.

Pedro Almeida disse...

Penso que esta é também uma boa reflexão:


Dez mitos sobre a Segurança Social.

Por Helena Matos

(É só aceder ao link)


http://observador.pt/especiais/dez-mitos-sobre-a-seguranca-social/

Carlos Sério disse...

Cara MCA
Em algumas coisas estamos de acordo e noutras nem por isso.
Não sei por que razão afirma que o “sistema de pensões gera forçosamente dívida”. A não ser que, lá está, acredite que não possam existir mudanças de políticas que relancem o crescimento, políticas sem cortes, com empregos estáveis, de salários mais altos e baixo desemprego. A economia não é um dado estranho aos Homens, não é uma incógnita, não é um ente superior e distante. A economia em cada momento é aquela que os Homens querem que seja. Não são forças poderosas, divinas, estranhas, que dominam a economia e perante as quais, qual divindade, os homens terão que se submeter.
E os Homens de hoje, a classe de homens que hoje domina económica, financeira e politicamente os estados são os únicos responsáveis pelo desenvolvimento económico e social e pela situação que vivemos.
Lamento desiludi-la mas não é correcto afirmar-se que “as projecções para a economia e a demografia de médio e longo prazo para Portugal e os países da União Europeia e da OCDE não pressupõem a "austeridade sem fim" como cenário base”. Sem o aceitar é precisamente isso que eles pressupõem. Quando nos pedem para baixar salários e continuar com os cortes sociais, o que é isto senão a continuidade da austeridade? E, que perspectiva futura nos oferecem? O que nos dizem é que devemos manter os cortes e os salários baixos para não deitarmos a perder os cortes e a redução de salários que já tivemos.
Com novas políticas é perfeitamente possível manter o sistema de pensões. Com alargamento de receitas naturalmente. Porque não se aumenta a TSU do patronato para aquelas empresas de bens não transaccionáveis, algumas de cariz monopolista e que rodam funcionários como rodam mercadorias? Porque o Estado não assume o seu papel e paga a TSU como qualquer outro patrão?
Mantendo a “economia que mata” como diz o Papa Francisco é que não vamos a lado nenhum.
Concordo quando diz que “o caminho da "austeridade" também está esgotado” contudo não é esta a opinião nem do nosso governo nem da comissão europeia.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Carlos Sério
O sistema de pensões gera dívida porque não gera receita suficiente para pagar a despesa com as pensões já em pagamento e as futuras pensões de acordo com planos de benefício definido desligados da economia e da demografia.
A dívida implícita do sistema é dívida explícita no futuro que só poderá ser resolvida com aumento de impostos/contribuições, redução de benefícios ou emissão de dívida pública. A factura a pagar em qualquer uma destas hipóteses está a ser adiada. É justamente isto que está acontecer.
Respeito, naturalmente, a sua opinião e é sempre interessante o exercício intelectual de discutir assuntos difíceis.
O sistema de pensões precisa de ser repensado à luz do modelo em que assenta. Quanto à economia, não haverá pensões, qualquer que seja o modelo, se não criarmos riqueza. Quanto à demografia não será a natalidade que vai resolver a insustentabilidade que está traçada para as próximas décadas.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Tiro ao Alvo
Tenho escrito muito e publiquei recentemente um livro sobre o tema PENSÕES. O que penso e as propostas que apresento são conhecidas. Temos feito vários debates sobre este tema aqui no 4R. Li o texto que me indicou e respeito naturalmente a abordagem feita.
Se tem interesse neste tema recomendo que leia o Ageing Group Report 2015, documento que não há ninguém que não cite. Acrescentaria que da projecção das taxas de substituição (primeira pensão/último salário) - confesso me deixou surpreendida (é um assunto sobre o qual fiquei com dúvidas) a brutal amplitude da redução daquelas taxas - não se pode concluir que fica resolvida a sustentabilidade. O que os números mostram é que um sistema de pensões que oferece taxas de substituição que caem em quinze anos para 43% e em vinte e cinco anos para 36% não está a cumprir a sua função. No nosso caso, a falta de poupança privada para reforma não permitirá melhorar a parcela pública, como irá acontecer em muitos dos países europeus que fizeram reformas. Estes países não se limitaram a reduzir a despesa pública com pensões, preocuparam-se em melhorar a pensão global com políticas públicas de incentivo à poupança para a reforma.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Dr. Pedro Almeida
Agradeço as suas amáveis palavras que são também um incentivo.
Não sermos capazes de nos entendermos em torno de um tema tão fundamental mostra incapacidade de controlarmos o nosso próprio destino.
Agradeço também a sugestão de leitura.

Carlos Sério disse...

Cara MCA
Naturalmente que é sempre saudável e interessante a troca de opiniões.
Tentei demonstrar que os últimos anos não podem servir de padrão para qualquer “reforma” da SS. São anos atípicos em desemprego, crescimento, saldo migratório e natural.
Não é lícito afirmar-se taxativamente que “ o sistema de pensões gera dívida porque não gera receita suficiente para pagar a despesa com as pensões”, uma vez que tudo depende de múltiplas variáveis económicas como a taxa de desemprego, crescimento económico, saldo migratório e natural. Para um mesmo sistema, com a mesma despesa em pensões, um poderá dar dívida e outro não, tudo dependendo do comportamento das ditas variáveis. Ou, o que é mesmo, consoante a natureza das políticas económicas adoptadas no país.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Carlos Sério
Não é possível concordarmos. Partimos de um diagnóstico muito diferente e de uma concepção diferente sobre o que é a função de um sistema de pensões contributivo. Gostaria de lhe dar razão, mas não posso. O sistema de pensões sofre de desequilíbrios financeiros estruturais. Uma coisa deve ficar clara: não há qualquer confusão entre conjuntural e estrutural.


Tiro ao Alvo disse...

Cara Dr.ª Margarida, obrigado pelos seus comentários.
A este respeito, acabei de ler um "artigo" recente do Dr. Miguel Cadilhe, sobre o tema em apreço, abordado por outro prisma, muito mais "político", pareceu-me. Se a Margarida tiver hipótese de ler, faça-o por que vai gostar. Penso eu.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Tiro ao Alvo
Obrigada pela sugestão.
Acompanhei a intervenção que o Dr. Miguel Cadilhe fez numa conferência organizada pelo JN a semana passada, na qual fez uma abordagem interessante sobre o sistema de pensões.
Se me permite a recomendação, vale a pena ler o livro do Dr. Miguel Cadilhe " O Sobrepeso do Estado em Portugal".

Tiro ao Alvo disse...

Cara Margarida, mais uma vez os meus agradecimentos.
Quanto ao livro do Dr. Cadilhe, já tive oportunidade de o comprar e ler.

JM Ferreira de Almeida disse...

Entro só para cumprimentar a Margarida pelas reflexões que aqui partilha. Tenho hoje uma visão muito rigorosa dos problemas e das possíveis soluções depois da leitura do livro e dos apontamentos que publica.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

José Mário
Obrigada, é uma partilha que faço com muito gosto. Cada um concordará ou discordará, mas é possível com opiniões e sensibilidades diferentes ou iguais acrescentar mais conhecimento. Vale a pena quando assim é.