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sábado, 22 de outubro de 2016

O "IMI das pensões", a discussão que falta fazer...

O adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduzido no Relatório do OE é apresentado como fazendo parte do objectivo anunciado pelo governo de diversificação das fontes de financiamento.
O “IMI das pensões” é um elemento progressivo de base pessoal que tributa de forma mais elevada os patrimónios mais avultados com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000 euros por sujeito passivo, orçamentado em 160 milhões de euros. A receita deste imposto é transferida para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) para reforçar a sustentabilidade do SPSS.

A medida tem o mérito de o governo reconhecer que o SPSS tem um desequilíbrio financeiro estrutural. No entanto, a receita será canalizada através do FEFSS para a aquisição de dívida pública nacional e/ou investimento em “habitação acessível”, colocando muito legitimamente a questão da utilidade desta reserva.

Todas as projecções conhecidas – nacionais e europeias - apontam para a existência de dívida implícita nos regimes de pensões contributivos – SPSS e CGA. Quer isto dizer que as contribuições sociais projectadas não serão suficientes no futuro para fazer face às pensões em pagamento e prometidas. O Relatório sobre a Sustentabilidade Financeira da Segurança Social anexo ao Relatório do OE evidencia isto mesmo.

Sobre as contas e projecções apresentadas neste Relatório temos, de novo, uma dificuldade objectiva de compreendermos como é que em apenas um ano - de 2016 para 2017 - o primeiro saldo negativo do sistema é adiado dez anos – passando de 2020 para 2030 – tendo sido utilizados, como é referido no Relatório, os mesmos pressupostos demográficos e económicos em ambos os exercícios.

A falta de dados sobre a evolução da população, designadamente dados físicos relativos à população activa, população empregada, população contributiva, etc. e indicadores fundamentais do Sistema como os índices de dependência e o rácio de suporte não permitem compreender os resultados e retiram credibilidade às projecções, a estas e às anteriores.

O adiamento significativo da projecção do primeiro saldo negativo – note-se que os saldos negativos já existem – pode traduzir a sensação de uma estimativa que não é rigorosa, mas antes corresponde a um objectivo. Não é a primeira vez que tal sucede. Se recuarmos dez anos na leitura das projecções constantes destes relatórios de sustentabilidade constatamos a facilidade com que as datas dos primeiros saldos negativos e do esgotamento do FEFSS ora são adiadas ora são antecipadas.

É certo que as projecções são exercícios probabilísticos que encerram elevados níveis de incerteza, especialmente no longo prazo, mas uma tal volatilidade não parece ser admissível sem a devida fundamentação técnica.

As avaliações e projecções financeiras do Sistema Previdencial da Segurança Social, bem como da Caixa Geral de Aposentações, têm de obedecer ao princípio da transparência e devem ser escrutináveis e auditadas. Enquanto assim não for a discussão estará sempre inquinada de desconfiança. Ou os governos justificam e publicam os pressupostos assumidos e as metodologias utilizadas nas projecções que elaboram - como se faz na maior parte dos países europeus - ou, então, estes trabalhos devem ser entregues a uma entidade independente, constituída por peritos credíveis, que responde perante a Assembleia da República. Precisamos de dar este salto qualitativo de governance de modo a que o debate das soluções para o desequilíbrio financeiro estrutural possa avançar assente num diagnóstico indiscutível de um ponto de vista técnico. 

Não sendo o sistema capaz de gerar as receitas necessárias, os saldos negativos têm sido financiados por transferências do Orçamento do Estado em valor suficiente para fazer face aos compromissos assumidos. Se nos últimos anos os saldos da Segurança Social foram positivos, como não poderia deixar de ser, tal fica-se a dever àquelas transferências sem as quais o SPSS não teria como financiar as pensões em pagamento. 

O que o Relatório do OE não faz é explicar como vai o país fazer face ao desequilíbrio financeiro estrutural. Este assunto da maior relevância para o nosso futuro deve ser objecto de um debate prévio sobre como queremos enfrentar o problema. Queremos financiar os saldos negativos com transferências do Orçamento do Estado? Queremos criar impostos adicionais ou contribuições extraordinárias, queremos fazer consignação de impostos e com que que limites? Que impostos são estes (os impactos na economia são distintos e as distorções que provocam também)? Como queremos distribuir o seu custo? Queremos manter um sistema que promete o que não pode dar, que vai continuar a gerar dívida cada ano que passa? Queremos manter a ilusão de que não é assim?

O sistema de segurança social contributivo está a ser pervertido. É cada vez menos um sistema de seguro social, em que as contribuições da economia via salários são insuficientes para acomodar as pensões. O caminho que está a ser seguido conduzirá a um sistema estatal cujo financiamento são impostos gerais consignados - é o caso do "IMI das pensões", quando a Lei de Bases da Segurança Social não prevê este tipo de financiamento. 

Mais uma vez o caminho das medidas avulsas não é uma boa solução. O debate do futuro do sistema de pensões tem de ser feito, é imperativo que assim seja, mas naturalmente que o Relatório do OE não é o local onde tal deva acontecer.

Em 2017, o SPSS irá custar ao OE um total de 590 milhões de euros, dos quais 429 milhões correspondem à transferência para cobrir o saldo negativo do SPSS e 160 milhões à consignação de receita do adicional ao imposto municipal sobre imóveis.

Não deixa de ser oportuno recordar que em 2010 o governo terminou com a consignação de 1% do IVA – IVA Social - ao SPSS depois de a mesma ter vigorado durante catorze anos com o objectivo de, justamente, reforçar a sustentabilidade do Sistema. Uma decisão que se veio a demonstrar precipitada num momento em que as projecções já apontavam para a existência de défices financeiros. Este episódio é elucidativo da falta de estratégia política para lidar com o problema. O IVA Social não desapareceu. A sua consignação foi reorientada para o financiamento de prestações sociais não contributivas. Afinal fez muita falta!

8 comentários:

António Pedro Pereira disse...

Estando nós poupados à (actualmente) inútil tarefa de descobrir a roda, tenho muita dificuldade em compreender a incapacidade manifesta em nos pormos e acordo sobre o essencial, e o essencial é o que jamais deixará de estar presente nas nossas vidas e de nos interpelar a que sobre ela ajamos com racionalidade - a realidade.
Em vez do imprescindível exercício de racionalidade que a realidade exige, seja qual for o governo e a força política que o lidere, o que verificamos é que tudo serve à fratricida luta político-ideológica de tipo maniqueísta (tudo o que os adversários, melhor, inimigos, fazem é mau, tudo o que os amigos, melhor, correligionários, fazem é bom).
E que tal dar uma olhadela à Segurança Social nos EUA, através de um excelente e esclarecedor post, ilustrado com um caso real de quem vive naquele país desde 2004?
Aqui: http://destrezadasduvidas.blogspot.pt/2016/10/a-seguranca-social-americana.html

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Manuel Silva

Pois tem muita razão nas suas observações. O assunto não é de direita nem de esquerda. É um tema de regime, estamos a falar do futuro.

A incapacidade de os nossos políticos se porem de acordo em relação ao essencial de um sistema de pensões tem que ver com demagogia, ideologia e luta político/partidária. Estas guerras suicidas não alteram, evidentemente, a realidade. E a realidade, como diz, impõe-se. A demografia e a economia são inexoráveis.

Quando de fala de plafonamento e de poupança complementar para a reforma cai o “carmo e a trindade”, logo aparece a esquerda com o papão da privatização da segurança social. Falar do défice financeiro da segurança social é "crime", o sistema está de boa saúde e recomenda-se. As contas individuais – caderneta da reforma, como gosto de chamar - para que os contribuintes saibam com o que podem esperar no futuro e possam planear a sua vida não são bem-vindas porque o Estado teria que ser transparente e o país iria ficar a saber que afinal o sistema de pensões tem problemas financeiros.

O modelo sueco poderia ser inspirador. É um sistema predominantemente público que está a funcionar bem (note-se que não há nenhum sistema sem riscos).

Sobre este modelo sugiro a leitura:
https://www.publico.pt/economia/noticia/um-piloto-automatico-que-nao-evita-corte-nas-pensoes-1705987

http://quartarepublica.blogspot.pt/2015/08/contas-individuais-das-pensoes-uma.html

Há vários modelos para estudar, a verdade é que na Europa desenvolvida o assunto da (in) sustentabilidade do sistema de pensões não é “tabu”. Portugal deixou-se atrasar nas mudanças que tem de fazer. Não é a realidade que se tem de adaptar ao sistema, é o sistema que se tem de adaptar à realidade e em antecipação para ainda assim a poder influenciar.

Bartolomeu disse...

As projeções e previsões a medio-longo prazo que figuram nos relatórios, valem do meu ponto de vista o que valem e não servem outro fim que não seja o de permitir "idealizar" e construir a ação necessária para que seja possível dar início a uma ação concisa, capaz de travar os vícios, os desleixos e as fragilidades que mantêm num apático banho-maria, que não arranca nem para, todo o sistema.
É importante adotar uma visão abrangente, precisa e específica de todo o tecido e das intrincadas malhas que o compõem. Uma tarefa árdua e antissocial, se analisada e ponderada de um ângulo independente e estritamente estrutural, mas incontornável, para que se comece a erguer uma estrutura firme, capaz de renovar e humanizar esta "atividade social".

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Bartolomeu
É incontornável a tarefa, como diz, tarda em se fazer. Estamos e vamos pagar caro não o fazer.

Asam disse...

- partidos a pensar nas eleições seguintes dificilmente solucionarão o problema;
- governação actual que diz que a austeridade acabou e continua a aumentar a dívida pública, só contribui para agravar o problema.

Suzana Toscano disse...

Margarida, gabo-lhe a paciência e o empenho em explicar com seriedade um tema que ninguém parece interessado em compreender ou, melhor dizendo, em deixar que os cidadãos compreendam. Já várias vezes se teve a percepção de que quanto maior for a confusão, mais politicamente rentável é este assunto, seja para baixar as pensões a eito, seja para deitar foguetes com a súbita e milagrosa abundância em que agora nada o sistema. Chega a ser uma desconsideração pública a sucessão de teses que dizem exactamente o oposto baseados nos mesmos números ou, como a Margarida alerta, na verdade em números pouco transparentes que vão sendo rodados ao sabor da inspiração política do momento. Passamos de cortes extraordinários e dramáticos a aumentos históricos e garantidos para o futuro, passamos do "colapso iminente" para a aumento em flecha das receitas da SS, enfim, um carrocel doentio que só não é de ignorar porque trata da vida das pessoas e do destino das suas poupanças forçadas para o sistema de pensões supostamente garantidas. Garantidas? Tem dias, porá sim, ora não, quem sabe.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Temos um problema prévio para resolver, que está mais evidente que existe e precisa de solução. Chama-se transparência. Não é possível que governo sim, governo não, e dentro de uma mesma legislatura, o sistema seja gerido ao sabor das circunstâncias políticas e em função das necessidades de tesouraria. Digo que não é possível - embora seja evidente que é o que está a acontecer há já muito tempo - porque o resultado é desastroso.
As contas e as projecções da Segurança Social, designadamente dos sistemas de pensões, não são transparentes. Não são escrutinadas e auditadas. A Segurança Social não disponibiliza informação relevante, não permite que as academias e outras instituições da sociedade civil utilizem essa informação para fazerem avaliações e estudos. Ningúem certifica as projecções, são os próprios governos que calculam e fiscalizam. Não pode ser.
Teria que haver vontade política para alterar este estado coisas. Mas quem favorece a opacidade são os mesmos que teriam de ter esssa vontade. Haveria várias hipóteses, todas passariam por fazer mudanças no modelo de governação. Criar a figura do Auditor Independente da Segurança Social seria, por exemplo, uma hipótese. Prestaria contas à Assembleia da República a quem competiria a sua nomeação. Difícil? Claro que sim.

Asam disse...


"As contas e as projecções da Segurança Social, designadamente dos sistemas de pensões, não são transparentes. Não são escrutinadas e auditadas. "

"Teria que haver vontade política para alterar este estado coisas. Mas quem favorece a opacidade são os mesmos que teriam de ter esssa vontade. "

Está tudo dito.