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terça-feira, 8 de novembro de 2016

Não há bons modelos que resistam às más pessoas…

A Crise Financeira: Aprendemos as Lições?" conclui que aprendemos muito pouco ou quase nada com os erros da crise financeira de 2008. Trata-se uma análise sobre a situação e os riscos nos mercados financeiros feita pelo presidente da CMVM, Carlos Tavares.
O exercício é feito analisando o que se passou de lá para cá com um conjunto de recomendações que à época eram consideradas fundamentais para que o mundo não voltasse a cometer os mesmos erros.
Conclui que No final, tudo acaba por desembocar na questão essencial: a qualidade profissional e ética das pessoas que actuam nos mercados financeiros. Porque por muito perfeitos que sejam os modelos de governo societário ou os modelos de supervisão, eles valerão de muito pouco se forem postos em prática pelas pessoas erradas. A verdade é que não há bons modelos que resistam às más pessoas… E é por isso que todos – mas mesmo todos - os que têm responsabilidades nos mercados financeiros não devem cansar-se de formular e procurar a resposta para a simples pergunta: aprendemos com os erros passados? 
É bem verdade, por melhores que sejam os modelos e as regras, por mais modelos e regras que se estabeleçam o que faz a diferença são as pessoas. A escolha das pessoas certas ou das pessoas erradas faz toda a diferença. A qualidade profissional é importante, mas não chega. A ética é fundamental. Aprender com os erros passados e fazer bem feito no presente a pensar no futuro implica as duas em simultâneo, qualidade profissional e ética.

6 comentários:

Suzana Toscano disse...

Margarida, está visto que não aprendemos nada, primeiro fazemos regras absurdas, que só por si afastam as pessoas certas dos lugares, depois fazemos mais regras para impedir que lá cheguem as pessoas erradas e, no fim, ficamos com uma pilha de legislação que faz um edifício genial onde não cabe ninguém... Se a isto somarmos a absoluta falta de respeito pelos dirigentes que ainda assim asseguram algumas funções, ora tratando-os como lacaios políticos ora descartando-os por conveniência de lá por outros, temos a situação actual. E ninguém se atreve a encarar isto, vamos continuar a fazer leis demagógicas e a não perceber porque é que não corre bem.

Anónimo disse...

Cara Margarida, nos últimos anos tem sido desenvolvida investigação no domínio da psicologia sobre as pessoas que alcançam lugares cimeiros em várias áreas, uma delas os mercados financeiros. As conclusões têm sido semelhantes quer tratemos de mercados financeiros, quer de grandes empresas, quer da política, etc, etc. Para vingar em sectores tão competitivos é necessário ter um elevado nível de psicopatia. E, enfim, mesmo empiricamente chegamos lá. Ninguém chega ao topo de nada nem de coisa nenhuma sem um certo "killer instinct". Os mercados financeiros são uma área onde há pressão e stress como em poucas outras profissões. O passar do tempo e as próprias rotinas inerentes à actividade desensitivizam aquelas que se dedicam a este métier. As qualidades necessárias a vingar são exactamente opostas aos valores da ética. Que, em todo o caso, é algo que desvalorizo dado ser abstracta e considerar uma acção ética ou não é algo pessoal e que depende de cada um.

Continuando, não concordo, em absoluto, com o trecho que nos trouxe. Boas pessoas e más pessoas há em todo o lado e se formos a depender do livre arbítrio individual seja para o que for então o melhor é arrumarmos as botas. O «aprender com os erros» não tem nada a ver com ética ou falta dela. Singapura ensinou-nos há muitos anos como ter mercados financeiros competitivos, funcionais e ainda assim sérios. Na pequena cidade é relativamente fácil ir parar à cadeia por pelo menos 20-25 anos pela mais mínima trafulhice. Sendo que as cadeiras de Singapura são famosas por serem a antítese do Raffles. Têm muito pouco a ver com os albergues com cama, mesa e roupa lavada da Europa Ocidental. Pois bem, Singapura é hoje a praça financeira mais respeitada do mundo. A este ponto; vários bancos têm sucursais em Singapura para poderem emitir certos meios de pagamento que, se emitidos pela sua sede não seriam aceites por ninguém. Por exemplo, há 10-12 anos, ninguém no seu perfeito juízo aceitaria uma carta de crédito emitida pelo Habib Bank em Lahore. Não sei se neste momento continua a ser assim mas é provavel que continue. Mas uma carta de crédito emitida pelo Habib em Singapura era aceite em qualquer lado. Passava-se o mesmo com bancos Indianos (a certa altura até com o State Bank of India!), Tailandeses, Filipinos e de vários outros países da região.

Permita-me agora que volte um pouco atrás. Coloquei «aprender com os erros» entre plicas porque, na realidade, aprendeu-se com os erros. A generalidade dos agentes de mercado sabe perfeitamente os riscos que corre e o que está a fazer. Mas os incentivos são todos para riscos cada vez maiores e com repercussões muito superiores. Como, aliás, já em 2008 eram e daí decorreu o problema do sub-prime. Graças às intervenções dos bancos centrais que acabaram com qualquer rentabilidade de jeito em investimentos conservadores e ponderados não resta qualquer outra alternativa aos agentes de mercado que não atirarem-se para coisas mais arriscadas. Ora, com estes incentivos o que pode fazer-se? Esperar milagres?

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
É todo um sistema muito complexo, globalizado e cheio de vícios que num primeiro momento estremece e reage prometendo que vai mudar para logo a seguir, alterando modelos e regras aparentemente mais cautelosos e preventivos, voltar não propriamente ao mesmo mas criando novos problemas e riscos que não ficam atrás daqueles que originaram a crise e tensão. Parece haver uma certa impotência, não necessariamente indesejada, que já faz parte do ADN do próprio sistema.
Caro Zuricher
O exemplo que dá na sua última reflexão mostra, a meu ver, que não se pode dizer que tenhamos "aprendido com os erros" quando, pelo que relata, estamos perante outros erros. Não são os mesmos, é certo, mas os erros continuam. O mundo está muito complexo, já não é possível voltar atrás para fazer tudo direitinho. Os erros vão-se acumulando em camadas originado novas realidades sobre as quais é preciso actuar. A questão é saber como conseguimos sair da crise. Com mais erros?
Quanto à ética não concordo que seja algo pessoal. Só o é na medida em que cada um pratica acções que necessariamente devem ser enquadradas na dimensão legal e ética. Hå uma ética colectiva, comungada por uma comunidade que aceita um conjunto de regras que devem pautar o seu comportamento. Esta ética faz falta e explica muita coisa, inclusive que não basta ter modelos e regras muito bem feitos e direitinhos para mudar o que quer que seja.

Anónimo disse...

*** LONG - Peço imensa desculpa mas o comentário saiu-me demasiado extenso e tenho que dividir em dois ***


Cara Margarida, obrigado pela sua resposta que me ocasionou algum pensamento sobre o tema da ética para tentar organizar as ideias de forma a poder escreve-las de forma inteligivel e coerente. Já lá vamos. Primeiro a questão de resolver a crise.

Como conseguimos sair da crise? Qualquer investidor sabe como e boa parte dos economistas também. Muito simplesmente tirando da equação as causas desta modorra em fogo brando na qual vamos vivendo. Ou, dito por outras palavras, acabando as intervenções dos bancos centrais e dos governos nos mercados. Seria no imediato o fim do mundo ao pontapé? Ahh, mas disso não tenha quaisquer dúvidas. Mas seria essa queda que abriria caminho à reconstrução. Como sempre aconteceu desde os séculos XV, XVI. Toda a vida as economias de mercado tiveram os seus ciclos de expansão seguidos dum boom and bust. Toda a vida houve momentos de queda económica após longos períodos de crescimento. Mas foi assim, com estes solavancos episódicos em que cada momento de expansão teve o seu pico acima do pico anterior e cada bust o seu fundo acima do fundo anterior, que evoluímos e conseguimos construir as melhores condições de vida de toda a história humana. Nos últimos anos, nomeadamente desde o rebentamento do dot-com em 2001, introduziu-se um elemento, a intervenção dos bancos centrais em âmbitos muito além da política monetária. Como forma de prevenir a queda forte no, então, presente, empurrou-se o problema com a barriga. Tudo isso está a funcionar neste momento em esteroides e de forma muito mais refinada com os bancos centrais e os governos a interferirem com um volume brutal nos mercados financeiros. Note que entendo os motivos racionais por trás da coisa e, num dado contexto específico como foi em 2008, até sou capaz de os aceitar. Mas não, de todo, como modo de vida permanente que é o que está a acontecer. Sendo sincero, tudo isto me leva a perguntar várias vezes se ainda temos, sequer, economia de mercado. Dadas as interferências existentes tudo, absolutamente tudo, desde imobiliário a acções, títulos de dívida pública, matérias primas, tudo sem excepção, tem os seus preços manipulados e acabou-se com a basezinha da economia de mercado, honest price discovery. Ora, sem isto podemos dizer que vivemos ainda em economia de mercado? Tenho sérias dúvidas. Sem a renovação que é há muito necessária não há qualquer possibilidade de progresso. Essa renovação virá, dê por onde der. Dado ninguém querer assumir as culpas pelo rebentar das bolhas que estão formadas em todas as classes de activos continuar-se-á esta brincadeira que não é mais do que pão para hoje e fome para amanhã. Chegará, porém, um ponto em que os bancos centrais não conseguirão fazer mais e acaba tudo por implodir. Pode ser por hiper-inflacção, pode ser por rebentamento duma das bolhas servindo de detonador para todas as outras, pode ser a bancarrota dum país qualquer, pode ser um evento político, pode ser qualquer coisa. Mas a capacidade dos bancos centrais para acudir a tudo não é ilimitada. Quanto mais para diante mais doloroso será e mais gravosas serão as consequências.

All in all, olhando ao futuro a muito longo prazo a questão irá resolver-se. Duma forma ou doutra sairemos deste rame-rame no qual “nem o pai morre e nem a gente almoça”. Todos sabemos como. Temos é medo do imediato e optamos por sacrificar o futuro ao presente. Até um dia...

Anónimo disse...

Deixe-me agora passar às questões da ética. Os valores de ética colectiva são muito reduzidos se é que alguns existem. Permita-me que lhe conte algo meu de há uns anos. Passou-se isto num forum. Ainda que de forma mais elaborada do que o que fiz no comentário anterior, disse mais ou menos o mesmo relativamente à ética e aos valores. Porque, na realidade e muito sinceramente, não me faz qualquer sentido um set de valores imutaveis. Há diversas situações com as quais somos confrontados onde agir segundo um dado padrão de valores leva a maiores prejuízos do que benefícios. Daí ser adepto de avaliar cada situação por si e resolver cada caso segundo os seus méritos. Pois bem, muita gente que não, que tinha que haver ética e valores, blablabla. Tudo bem, assim ficou. Nos tempos seguintes dediquei-me a observar como reagiam a situações concretas as pessoas que tinham defendido a ética e os valores enquanto valores abstractos. Pois. Como esperado a ética e os valores iam todos pela janela muito rapidamente. E é o esperado. É esta a natureza humana. As pessoas reagem em cada momento segundo os seus interesses e as restrições que têm.

A este propósito, conhece o Dilema do Trolley e respectivas variantes e iterações? Explica bem todas estas questões bem como o que acontece quando se pretende agir de forma ética ou segundo o que se acha sê-lo. Como corolário mostra que a aplicabilidade de abstracções à vida real é, no mínimo, muito reduzida.

Passo agora a outra dimensão da ética e dos valores que é a variabilidade de tudo isso em função do espaço. A ética dos negócios (ou o que passa por ser isso) em Portugal é muito diferente da ética dos negócios na Alemanha. E isto já para não falar, por exemplo, nas sociedades Árabes ou Africanas onde já não é uma questão de ética diferente mas toda uma filosofia de trabalho diferente. O que para um Americano é uma tremenda falta de respeito (não cumprir um prazo, por exemplo) é algo perfeitamente normal para um Africano que, por seu lado, considera o Americano extremamente rude quando lhe chama a atenção para o seu atraso.

Ora, o mundo financeiro é global. Mesmo assumindo a existencia dum certo set de valores em dadas comunidades (e, note, Margarida, tenho que dar nós no cérebro para enquadrar isso no mundo real) logo a seguir vejo que os sets de valores das diferentes comunidades chocam totalmente entre si e são mesmo incompativeis. Daqui que, sinceramente, não consigo de forma alguma ver a ética como solução seja para o que for. Se se perguntar a um Português obtém-se uma resposta, a um Alemão outra, um Inglês dirá algo diverso, a resposta dum Saudita poderá causar calafrios, um Chinês deixa-nos com os olhos em bico, um Americano afinará por outro diapasão, enfim, em geral, temos todos valores e credos diferentes. Pelo que o que digo é, deixemos a ética de parte, deixemos essas abstracções todas para os filósofos que podem e têm tempo para se dedicar a essas coisas. Para a vida quotidiana precisamos doutras ferramentas. Para o mundo real contemos com leis dissuassórias o bastante para evitar tropelias e com estimulos adequados aos fins a alcançar. É quanto basta para, pelo menos, irmos todos convivendo uns com os outros.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Zuricher
É sempre com gosto que leio os seus comentários (textos) e desta vez não foi diferente.
O que diz sobre a resolução da crise é perfeitamente normal, quer dizer quando há um problema é preciso percebê-lo bem para depois se actuar sobre as causas. Refere o Caro Zuricher que é preciso acabar com as intervenções dos bancos centrais e dos governos nos mercados. Pois bem, então temos que nos questionar porque não se faz? Portanto a minha pergunta "como saímos da crise?" mantém-se. Soluções técnicas existem, ou parecem existir, mas solução política não.
Quanto à ética, até poderei concordar com algumas coisas que diz, mas mantenho que a ética deve ser um pano de fundo que rege os comportamentos de uma comunidade. Essas regras não são iguais em todas as comunidades. Como, aliás, o Caro Zuricher chama a atenção no seu comentário. Mas voltando ao mundo financeiro, do qual fala o paper que eu aqui trouxe, a regulação e supervisão dos mercados financeiros e dos mercados de capitais não se pode conceber e fazer numa base unicamente regional, devido ao fenómeno da globalização. É necessário um esforço de articulação ao nível estratégico, de políticas e operacional que estabeleça um determinado level playing field. Este trabalho não pode deixar de assentar, também, num "set de valores". Se somos ou não capazes de o fazer, o autor do paper testemunha que não e procura fazer a demonstração. A ética não está excluída da equação. Podemos concordar ou não.