Era muito pequeno quando vi as primeiras cascatas. Não percebia bem o que se passava, só sei que os rapazes mais velhos andavam numa correria a fazer uma espécie de presépio. Amontoavam pedras e cobriam-nas de musgo. No topo colocavam um santo de barro. Já sabia os nomes dos santos populares.
Na minha rua havia muitas cascatas. Depois, quando as pessoas passavam, apregoavam, “Um tostãozinho para o São João. Um tostãozinho para o São João”. Algumas pessoas punham na cascata uma moedinha. Achei piada àquilo, sobretudo às moedas. Lembrei-me também de fazer uma. Pedras e pedrinhas não faltavam e musgo também não. Fiz uma cascata tosca com três andares. Arranjei uma lata velha de engraxar os sapatos, que estava praticamente vazia, como quem diz, retirei a pasta castanha com um pau, o que não foi nada fácil, colocando a parte de baixo da lata no segundo andar com água e na parte térrea a tampa devidamente tapada com musgo para porem as moedas. Faltava-me um santo. Não tinha santos. Sabia que no missal da minha mãe havia santinhos. Escolhi um, o que achei mais interessante e coloquei-o no altar, mas não era com toda a certeza nenhum dos “três rapazes”. Os mais velhos fartaram-se de gozar comigo. Aquilo não era cascata nenhuma. Tinha de ter um santo e outras figuras de barro, como cordeirinhos. Naquela manhã cheia de sol, muito transparente, em que o azul e o amarelo pareciam cantar, “um tostãozinho para o São João”, via as moedas a cair nas cascatas dos outros, e não eram só tostões ou dois tostões, também havia cinco e dez tostões. Na minha tosca e improvisada cascata, nada. À hora do almoço perguntaram-me o que tinha. Disse que tinha feito uma cascata mas não tinha um santo de barro. - Nem uma moeda me deram. Mandaram-me a casa da minha avó porque ela deveria ter um. Assim que acabei de comer corri para ver se arranjava um São João. Mas a minha avó não tinha nenhum, havia Nossas Senhoras, o Padre Cruz, alguns crucifixos e um Santo António. - Leva o Santo António. - Também serve? - Serve pois. Vais ver que ainda és capaz de ter sorte. Agarrei no santo e coloquei-o no topo da minha cascata. - Um Santo António? Perguntaram os outros. Tem que ser um São João. Isso não é nenhuma cascata. O que é certo é que era o único da rua que não tinha um único tostão na lata. Os outros tinham, e andavam a ver quem é conseguia mais tostões. Larguei a cascata, fui à minha vida, triste, por não ter conseguido imitar os mais velhos. Quando cheguei a casa, vindo do quintal da minha avó, fui buscar o Santo António. Olhei para a lata e fiquei de boca aberta, havia moedas de cinco e de dez tostões e duas de prata de vinte e cinco tostões. Lindas, novinhas em folha, brilhavam sob o sol. Corri em direção ao grupo das cascatas, que deviam estar a fazer a contabilidade do dia, e mostrei-lhe as moedas. - Estão a ver? Estão a ver? A minha avó tinha razão quando me deu o Santo António. Ninguém disse nada. E mesmo se dissessem também não os ouvia, já tinha subido as escadas para contar o sucedido à minha mãe.
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