Não sou astrónomo, mas não me importava de ser, como gostaria de ter sido tantas outras coisas. No fundo, seduz-me o conhecimento e tudo o que se esconde atrás dele.
Em miúdo enganavam-me frequentemente quando queriam que fizesse as longas caminhadas da estação até à vila. Longas para as pernas de uma criança. À noite era mais complicado. Convenciam-me que na curva seguinte da Via Cova, um caminho estreito e íngreme que serpenteava a encosta, havia um buraco onde se escondia uma raposa. Eu corria e espreitava, dizendo: - Raposa, raposinha, anda cá que eu estou aqui! Mas nada. Repetia uma, duas vezes, mas nada. Lavrava o meu protesto debaixo das inúmeras estrelas que, divertidas, riam-se convulsivamente com o comportamento de uma criança. Até as cigarras deveriam pensar que era estúpido. Mas eu acreditava nas palavras dos adultos. Diziam logo: - Se não está nesse buraco, corre, que mais acima, no muro, deve lá estar. – Mas está mesmo? Perguntava desconfiado. – Está. Às vezes muda de lugar porque não gosta de ser incomodada. Ela também tem medo. – Do escuro? – Não. Tem medo, mas é das pessoas que lhe querem fazer mal. – Mas eu não lhe faço mal. Só quero fazer-lhe festas na cauda. – Corre. Pode ser que ela esteja mais acima. Eu ia e repetia: - Raposa, raposinha, anda cá que eu estou aqui! Mas nada. Nunca a vi.
Acreditei muito tempo na palavra. Dou como palavra o testemunho de todas as estrelas que eu via no meu universo. Eram muitas. Riam-se de mim conjuntamente com as cigarras. Como não conseguia ver a raposa, passava todo o caminho a olhar para cima, para a beleza do firmamento, fazendo perguntas que eu não conseguia ainda expressar por palavras. Quantos coisas estranhas deveria haver por ali.
Cansado, caía na cama como uma pedra sonhando com uma bela raposa doirada a saltitar de estrela em estrela.
O mundo é grande e não há palavras que cheguem para escrever o que esconde.
- Raposa, raposinha, anda cá que eu estou aqui!
Acredito que ainda esteja lá. O mais difícil é saber como chegar. Através das palavras, claro. Mas não tenho ainda palavras para isso...
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