Viver é um somatório de inúmeras situações, vivências, emoções, sentimentos, dores, prazeres, desastres, traições, infortúnios e algumas coisas simples. Talvez sejam estas últimas as apaziguadoras da mente, justificando o dia que há de renascer.
Sentei-me na esplanada e conversei com o dono. Coisas triviais, mas profundamente humanas, capazes de solidificar a amizade desejada. Gosto deste tipo de conversa, e se for numa tarde enfeitada com sol, debaixo de música agradável, tanto melhor.
Encontrei o meu amigo cauteleiro. Ao ver-nos, sorriu e deu-me a impressão de ter deixado de gaguejar. - Os senhores por aqui. Já andava aflito. Não têm aparecido. Eu olho sempre. Pensei que estivessem doentes. Conseguiu exprimir o seu sentir sem gaguejar uma única vez. Sorri. Disse-lhe que não, enquanto ao mesmo tempo ia escolhendo uma cautela. - Anda a pregar para o Santo António, mas o dia dele foi ontem. - Poiiiis foooi! Voltou ao normal. Desejou-nos muita saúde, agarrando as nossas mãos com uma satisfação evidente, dizendo que a gente esquece apenas as pessoas que não são boas. Achei interessante a sua observação. Com a cautela na mão tive de lhe dizer que só "prometia", mas nada de prémios. Calou-se, sorriu, como a dizer, tem razão, mas logo a seguir, num perfeito linguajar de um tartamudo, disse: - Tantas vezes vai o cântaro à fonte que lá fica a asa. - O pior é se fico eu!
No regresso, não planeado, é assim que gosto de viver um dia de cada de vez, passei por Tibaldinho. Já passei por lá vezes sem conta, mas como a observação à terra foi feita de forma interrogativa, tive de explicar que era a terra de belos bordados. - Até temos um que comprei aqui há alguns anos. Lembras-te? - Não. Já estava à espera. Há alguns anos, no verão, entrámos numa rua muito estreita. Algumas mulheres estavam sentadas nas ombreiras das portas. Uma senhora de idade, vestida de preto, ar muito triste, sentada nas escadas da sua casa, informou-me a meu pedido onde poderia adquirir bordados de Tibaldinho. - Eu tenho alguns. Eu bordo. O senhor quer ver? - Claro. Estacionei o carro num largo e subimos a sua casa, muito modesta e limpa. Minúscula. Abriu uma caixa e retirou vários. A senhora mostrava ansiedade. Apercebi-me das suas dificuldades. Não me foi difícil de concluir que estaria a passar por algum momento complicado. Aprecei os bordados, mas deu-me a entender que não iria comprar nenhum. Explicou-me as horas e as semanas para fazer alguns deles. Adquiri o mais caro. Não regateei e entreguei-lhe o montante em notas. Tremia quando as recebeu. Não queria acreditar. Tive a perfeita sensação de a ter ajudado, porque ouvi um breve e interessante suspiro ao mesmo tempo que fazia, o mais discretamente possível, o sinal da cruz. Hoje, subi a estreita rua, a tarde quente fazia-se sentir, e as mulheres daquele canto estavam sentadas nas ombreiras das suas portas. Descobri as escadas e a casa minúscula. Uma senhora de idade, vestida de preto, cabelo branco, cortado um pouco rente e com olhar feliz, olhou-nos. Vi quem era. Acenámos sem parar. Respondeu na mesma moeda com um sorriso suave. Eu soube quem era, ela, obviamente, não.
Coisas simples.
2 comentários:
Maravilhosamente ternurento.
Maravilhosamente simples.
Enviar um comentário