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terça-feira, 18 de dezembro de 2007

IPSS: uma "economia pobre" muito rica...

A nossa Cara Pezinhos n' Areia desafiou-me a fazer aqui uma reflexão sobre a "Gestão das Instituições Sociais" . No texto que escreveu em comentário ao meu post "Os talentos que podem fazer a diferença..." (ver: http://quartarepublica.blogspot.com/2007/12/os-talentos-que-podem-fazer-diferena.html#comments ) a nossa Cara Comentadora desabafa a certa altura que “E pior ainda, … a realidade da gestão das IPSS mantém-se obsoleta e desadequada. Quem ganha com este estado de coisas?”.
A acção social tem hoje razões de proximidade acrescida com todas as acções em que se organiza a protecção social e é concretizada através das instituições particulares de solidariedade social (IPSS) – entidades não governamentais, sem fins lucrativos.
A importância das IPSS e do voluntariado na concretização das políticas sociais e na concretização da solidariedade é hoje reconhecida pelo próprio Estado e pela sociedade civil. A sua proximidade às populações confere-lhes um melhor conhecimento das realidades e por consequência a probabilidade de as ajudas chegarem aos cidadãos mais necessitados é maior.
Um traço muito positivo das IPSS é o recurso ao voluntariado que encontra a sua espontaneidade no princípio da solidariedade, que desde sempre a sociedade portuguesa cultivou e que tem vindo a ganhar novas expressões e novas causas. O seu carácter humanista é um traço que todos reconhecemos ser necessário proteger e reforçar.
Mas é também um traço comum das IPSS, neste caso negativo, o défice de qualificações e de competências em domínios tão fundamentais como a gestão e a organização. Esta situação é em boa parte explicada pela origem assistencialista das IPSS e pelo seu rápido e acentuado crescimento, em resposta aos problemas económicos e sociais, num ambiente de surgimento de novos riscos sociais.
Mais qualificações e competências são hoje objectivos que o País reconhece como fundamentais para o seu progresso, para criar riqueza. Não temos outro caminho que não seja investir de modo contínuo e sustentado para aumentar o nível do capital humano.
Ora o sector social não lucrativo não pode nem deve ficar de fora deste desígnio nacional. A insuficiência de qualificações e competências afecta naturalmente a qualidade da gestão dos recursos, com consequências directas nos custos da actividade e nos benefícios para as pessoas que estão dependentes destas instituições e, na nossa economia em geral, uma vez que este sector é financiado no essencial pelo impostos que pagamos.
Ora, sendo o Estado responsável pela actividade das IPSS que recebem financiamento público, compete-lhe regulamentar, entre outras coisas, os requisitos de gestão que as IPSS devem observar e estabelecer os resultados de qualidade dos serviços prestados aos beneficiários que delas dependem.
Aqui reside uma grande parte do problema. É que o Estado não promove nem exige uma gestão profissionalizada, nem tão pouco estabelece níveis de financiamento em função da qualidade dos serviços prestados. Evidentemente que estes défices regulamentares geram efeitos perversos para além de que não asseguram uma melhor gestão custo/benefício. Faltam políticas públicas de profissionalização de gestão e políticas públicas de qualidade para este importante sector, que embora sendo normalmente assimilado à “economia pobre”, consome biliões de euros dos nossos impostos e acolhe dezenas de milhares de pessoas carenciadas. A título de exemplo, para melhor se compreender esta problemática, a regulamentação pública existente impede que as direcções das IPSS integrem gestores profissionais remunerados.
Há uma clara necessidade de o Estado assumir um quadro de incentivos para o investimento na gestão e na qualidade das IPSS. Este imperativo resulta ainda mais evidente quando sabemos que o sector não lucrativo (no qual o subsector social tem um peso muito grande) representa uma força económica significativa com uma despesa total em 2002 (números disponíveis) que ascendeu a 4,2% do PIB, envolve quase 250.000 trabalhadores (equivalentes a tempo inteiro), dos quais 70% em posições remuneradas e os restantes em regime de voluntariado e empregam mais do que algumas industrias de dimensão, como a das utilities e a dos transportes.
Não posso deixar, no entanto, de reconhecer o esforço, a boa vontade, o espírito de solidariedade e de sacrifício que muitas IPSS prosseguem para, num contexto de muitas dificuldades, a começar pelo quadro regulamentar existente, passando pela crescente pressão para aumentarem a sua capacidade de resposta, proporcionarem às pessoas carenciadas uma vida digna aliviando-as das carências que sem ajuda teriam muitas dificuldades e mesmo impossibilidade de satisfazer.

4 comentários:

PA disse...

Cara Margarida, agradeço a especial atenção que deu ao tema e ao problema. A Inclusão Social terá que passar (também, mas não só) pela resolução do défice de gestão que se verifica, em boa parte das 4 800 IPSS's, com vista à melhoria da acção e dos resultados. Neste sentido, o Estado será um agente previlegiado, introduzindo medidas, como aquelas que a Cara Margarida refere: a integração de gestores profissionais remunerados nas IPSS's, o estabelecimento de protocolos entre o IEFP e as IPSS's para acolherem estagiários, ao abrigo de contratos com o apoio da Segurança Social.

O apoio e a ajuda que as IPSS's carecem não é só de natureza financeira, é também ao nível dos saberes, da profissionalização dos métodos de actuação, nas diversas área que compôem a realidade do dia a dia, de uma instituição de natureza social.

É preciso FAZER MAIS E MELHOR, nas IPSS's. Mas as IPSS's têm que aceitar e sobretudo permitir que se faça a mudança, encarando essa mudança como um ganho, e não como uma perda.

O desemprego, a população envelhecida, o abandono e os maus tratos de crianças, entre outros, justificam plena e infelizmente, o crescente nº de IPSS's. Ao subsidiar com milhões de euros, estas organizações, o Estado partilha as suas responsabilidades na função social que lhe compete, de apoiar os mais desfavorecidos, para uma vida com mais dignidade, com mais qualidade.
Por isso,as IPSS's têm de ter mais "abertura", rumo à profissionalização e à qualificação, aceitando os recursos humanos, nos quais o Estado está a investir, em termos de Formação.

Apenas um exº: O Banco Alimentar do Porto

Fornece apoio alimentar a mais de 100 IPSS's. São cerca de 80 000 pessoas, na região do Porto, que recebem esse apoio. Algumas dessas pessoas que estão a receber apoio, são oriundas da classe média, (professores, psicólogos, etc..) que se encontram desempregados, e também sobreendividados devido a contratos bancários de aquisição de habitação e outros.

Dá MUITO que pensar ... a dimensão preocupante, da Causa Social em Portugal.
A montante (a resolução e a eliminação dos problemas sociais, NA ORIGEM) e a juzante (a intervenção e a operacionalização do apoio social, em sede de IPSS's)

Um excelente dia, para Si !
Obrigada.

PA disse...

No comentário acima, pode não ser perceptível o nº de IPSS's a operar em Portugal, que refiro. Num colóquio recente, com a participação da Segurança Social, em Setúbal, foi mencionado por Cristina Lira, o número de 4 800 (quatro mil e oitocentos) instituições sociais de solidariedade social.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Cara Pezinhos n' Areia
Sem dúvida que podemos e devemos fazer mais e melhor. Devemos olhar para os problemas como oportunidades. E são muitas!
Sobre números da actividade das IPSS a Carta Social publicada pela Segurança Social, já com números de 2006, fornece informação sobre valências, utentes, etc.
Se tiver interesse poderá consultar o site em:
http://www.cartasocial.pt/index1.php

PA disse...

Muito obrigada, Cara Margarida, pelo endereço. Vai ser útil !!!:-)))