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domingo, 30 de novembro de 2008

São Estaline!


Em 1992, no decurso de uma estadia em Moscovo, proporcionaram-me, conjuntamente com vários colegas das sete partidas do mundo, uma deslocação a uma das cidades do “Anel de Ouro”, Zagorsk, hoje Serguiev Possad. Uma cidade fabulosa e rica da qual se destaca o Mosteiro da Trindade de São Sérgio com as suas igrejas, catedrais e monumentos. A percepção que tivemos ao entrar na cidade foi um salto no passado de séculos, tamanha eram as condições de vida. Visitámos a Catedral, onde nos deparámos com uma cerimónia religiosa. Impressionou-me os olhares brilhantes e cheios de estranho êxtase dos fiéis. Bastante perturbador, diga-se de passagem. Nem deram pela nossa presença. Mas a entrada não foi pacífica. Ao subir os degraus, seguido de um colega português, e mais atrás o resto do pessoal, parei para certificar que não estava a adiantar-me em demasia. Olho para trás e vejo um padre ortodoxo, novo, alto, magro, e barbudo aos solavancos com os braços a agitarem-se de maneira muito estranha tipo desagrado. Pensei de imediato: - O que é que está acontecer ao indivíduo? Entretanto, ultrapassa num ápice o grosso da coluna, sobe as escadarias, sempre nos mesmo propósitos, agora a verbalizar alto na sua língua, e, ao passar por mim, dá-me um encontrão que me deixou meio parvo. Entra na Catedral e, nem sei como, consegue empurrar aquela porta de dimensões apreciáveis fechando-a com um estrondoso barulho. O Quim disparou: - O gajo é doido! E eu: - É capaz de ser mas é um esquizofrénico! A sensação que tive era de que nos devia considerar como profanadores daquele espaço religioso, fechado a estrangeiros segundo me disseram depois. Ficámos apreensivos em entrar na Catedral, mas o nosso anfitrião russo lá tratou de nos acalmar e entrámos. Valeu a pena.
Cruzámo-nos com vários padres e seminaristas ortodoxos que nos olhavam meio desconfiados e cuja simpatia devia ter ficado na barriga das mães.
Recordei-me deste episódio ao ler que um sacerdote de uma paróquia russa expôs no templo um ícone com o ditador José Estaline. Estaline é representado ao lado da padroeira de Moscovo, Santa Matrona. A direcção da Igreja Ortodoxa russa condenou o sacerdote, o qual teve que pedir a demissão.
Mas afinal, porque é que o padre pôs no altar o ditador comunista responsável por milhões de mortos? Diz a lenda, que “Estaline ter-se-ia encontrado com a santa ortodoxa, que lhe terá aparecido no Outono de 1941, no auge da guerra, quando o exército nazi estava às portas de Moscovo, e o ditador comunista estava indeciso em abandonar a capital soviética”. “Tu ficarás sozinho na cidade. Envia todos para fora, mas não entregues a cidade. E não a entregarás”, terá predito a santa.
Às tantas, pus-me a pensar, que este gesto poderia ter sido do tal padre “esquizo” que me deu um valente encontrão à entrada da Catedral! Já não digo nada.
Não consigo perceber as razões que levam os comunistas a propor a canonização de Estaline! É verdade! Está em curso uma campanha nesse sentido. É certo que já têm um czar santo e que de santo não deve ter tido nada, São Nicolau, e qualquer dia ainda correm o risco de começar a rezar a São Estaline!
A Santa Matrona devia andar muito perturbada quando “apareceu” a Estaline. É o que acontece quando se fazem santos a “trouxe-mouxe”...

3 comentários:

Tonibler disse...

Já que fala nisso, eu hoje quando ouvi o discurso da santa matrona no Campo Pequeno, acompanhada das imagens de "seminaristas ortodoxos" emocionados também pensei "Estes gajos são doidos...". Mas estes são mais modestos, só querem a canonização de Cunhal.

Bartolomeu disse...

"Boa malha" caro Professor, ou então, a capacidade de predição que assiste aos santos, sofre de graves limitações... no espaço e no tempo. Só assim se compreende o "degenerar" de alguns "escolhidos" após a satisfação da tarefa para que foram nomeados...

Pinho Cardão disse...

Caro Professor:
Compreendo o sentido do que diz.
Mas devemos ser justos e alguns homens, diria mesmo muitos, distinguiram-se pelo seu sentido de solidariedade humana e representam alguns dos maiores valores da humanidade. Creio que seríamos bem piores sem eles. Eles são os santos, canonizados ou não. E a Igreja Católica faz bem em distinguir alguns.Não pelo "milagre"
que fizeram ou não fizeram, isso não tem qualquer importância, mas pelo que deram à humanidade. Quanto ao ícone de Estaline na Igreja Ortodoxa, a loucura não escolhe funções.