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sexta-feira, 15 de abril de 2011

- Então já não se pergunta se uma pessoa fuma ou não?

A consulta decorreu com normalidade. Não houve nada a apontar ou a aconselhar. O exame, a que o trabalhador está, por lei, obrigado, tinha terminado. Cumprimentei a senhora, que não tinha revelado muitas falas, e desejei-lhe as maiores felicidades, colocando-me à sua disposição para o que fosse necessário. Um hábito que fui construindo ao longo do tempo e que agrada, pelo que me é dado ver, à maioria dos trabalhadores. Digo isto, porque, sendo um exame obrigatório, eu sou “imposto” e não escolhido, o que pode ser fonte de desentendimentos e até de alguma antipatia pela minha pessoa. Conheço demasiado bem a natureza humana para fazer certas afirmações. No final, algumas palavras simpáticas são suficientes para produzir um bom efeito, não por uma questão de cortesia, mas pelo respeito que devo às pessoas. Basta olhar as suas faces; os músculos da antipatia relaxam e os simpáticos contraem-se numa oposição visível e quantificável. Resultado: sorrisos amáveis e brilho no olhar. Numa breve fração de segundo consigo o efeito desejado. Neste caso, o efeito não se fez sentir. Fiquei meio surpreendido. Então, inesperadamente a senhora dispara: - Já não se pergunta se uma pessoa fuma ou não? – Como?! – Estou a perguntar ao senhor doutor se já não fazem perguntas sobre se uma pessoa fuma ou não. Nunca me tinha acontecido nada semelhante. – Tentei sair da situação, dizendo-lhe que, sendo uma consulta de rotina, as perguntas sobre hábitos pessoais constavam da ficha clínica, aquando do exame inicial, e se uma pessoa diz que é fumador, habitualmente, o médico, como é o meu caso, aconselha a que se deixe de fumar. Depois, olhe, só uma mínima fração é que desconhece que o tabaco faz mal. Presumo que a senhora, felizmente, não pertença a esse grupo. Deixou-me falar, até explicar que já não fumava. Tinha deixado e não foi nada complicado. Esteve há alguns meses hospitalizada durante uma semana. Durante esse período não fumou, logo, quando saiu, pensou: se eu consegui estar uma semana sem fumar, então, posso continuar. Não me custou nada! Ouvi as suas explicações com muita atenção, sem a interromper. Vi que tinha chegado o momento. – Minha senhora, permita-me que a felicite vivamente pela sua atitude. Considero um grande feito ter deixado de fumar. Não posso deixar de lhe dizer que é muito mais complicado e difícil abandonar este hábito nas mulheres do que nos homens. Reiterei os meus cumprimentos e felicitações e só abrandei quando comecei a notar que o seu rosto deixava transparecer uma sensação de orgulho. Uf! Até que enfim, pensei. Levantou-se, orgulhosa dos seus feitos, ter deixado de fumar e ter chamado a atenção para um pormenor que os médicos andam sempre a apregoar. Então, ela que conseguiu um feito destes, não merecia mais respeito? Que raio de médicos são estes que já nem perguntam se uma pessoa fuma ou não! Deverá ter pensado.
Agora tenho de ter mais cuidado, e perguntar, sempre que não sinta o cheiro do tabaco a agredir o meu ultrassensível bolbo olfativo, se já deixou de fumar, aquando dos cumprimentos finais. – Se já deixei de fumar? Oh senhor doutor, mas eu nunca fumei! E, claro, os músculos faciais da indignação e surpresa darão cabo da expressão de alegria, mantendo-se apenas o brilho do olhar, só que passará a ser um brilho de desconfiança a traduzir a seguinte opinião: O pobre do doutor não deve estar bom da cabeça!

3 comentários:

Bartolomeu disse...

Por vezes... quando olho profundamente dentro do teu olhar, juro que consigo ver-te a alma...
http://www.youtube.com/watch?v=LGfnw4YscBA
;)

Suzana Toscano disse...

As pessoas são sempre sensíveis ao que demonstre que há interesse por elas. A solidão crescente em que as pessoas vivem torna esse aspecto cada vez mais importante.

Ilda Massano disse...

Talvez um questão de distração...digo eu, dado o adiantar da hora! :)